Duna Capítulo 10: A Sala Sobrenatural

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readJul 15, 2020

“O que sustentou lady Jessica no momento de sua provação? Pense com cuidado neste provérbio das Bene Gesserit e talvez você entenda: ‘Qualquer estrada, se seguida exatamente até o seu fim, leva exatamente a lugar nenhum. Escale a montanha só um pouquinho, para verificar se é mesmo uma montanha. Do topo, não se vê a montanha’”.

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Começo com uma análise geral a partir de uma palavra específica: “sobrenatural”. Enquanto explora sua nova residência, lady Jessica chega a um cômodo que é descrito por sua serva fremen Shadout Mapes como a “sala sobrenatural” (ou sala dos sortilégios, dependendo da tradução). Quando Jessica adentra o cômodo, nos é apresentada nada mais do que uma estufa, onde vários tipos de flores e plantas tropicais ornamentais são cultivadas.
Alguns ao lerem esse trecho podem até se desapontar por criarem uma expectativa errada ao esperarem algo extraordinário que não acontece mas há um sentido cultural no uso desse termo. Imagine quantos vikings nasceram, cresceram e morreram sem saber o que é um “deserto”. Lembre-se que as incursões vikings ao longo do Canal da Mancha, Mar Mediterrâneo e Oceano Atlântico só começaram no fim do século VIII. Antes disso, a Escandinávia era o mundo conhecido dos vikings. Da mesma forma imagine quantos africanos subsaarianos nasceram, cresceram e morreram sem saber o que é uma nevasca. Faço esse exercício mental para mostrar a vocês que para um viking do século VI o conceito de deserto é inexistente, algo que, se apresentado a ele, seria completamente extraordinário, além do natural, sobrenatural. Assim como o conceito de nevasca para um africano subsaariano do século XIV para trás; não faz parte da cultura dele, ou seja, do acúmulo de conhecimento do povo dele, logo não existe; e se, em algum momento é apresentado a ele, é extraordinário, sobrenatural.
É o que se pode dizer de plantas tropicais e flores no desértico planeta Arrakis. Isso não existe de modo comum no planeta, não faz parte da cultura do povo que vive no planeta, logo, assim como a água é tida como um bem de extrema raridade, um espaço todo tomado por plantas e flores é tido como sobrenatural.

Outra reflexão interessante a se fazer é um complemento a desenvolvida no capítulo 8 e se refere às futilidades presentes no mundo da classe alta. Quando a estufa é apresentada, uma vez mais nos lembramos do filme Mad Max- Estrada da Fúria pois há uma cena neste filme em que é mostrada uma estufa destinada ao cultivo de alimentos dos escolhidos de Immortan Joe (o vilão do filme) enquanto o povo comum sofre no deserto, sem comida e água. Por mais hedionda que seja a estufa de Immortan Joe, acredito que a estufa presente na mansão Atreides de Arrakina seja ainda pior pois ela não serve para nada a não ser um simples local de repouso e relaxamento mental dos residentes de alto nível, nem para alimentação servindo. Quantos gastos com recursos (principalmente água) são necessários para manter essa sala relaxante? É a mesma coisa das tamareiras citadas por Yueh no capítulo 8, ou seja, caprichos dos ricos enquanto os pobres morrem aos montes.

Partindo para o desenrolar do enredo, lady Jessica descobre uma carta escondida, adereçada a ela por uma tal de lady Margot Fenring, que morou na mansão de Arrakina antes dos Atreides (sendo a estufa um dos locais mais amados por ela) e, ao que tudo indica, é uma irmã Bene Gesserit. O continente da carta é de puro alerta, o perigo para os Atreides em Arrakis é constante. Quem é Margot Fenring? É humana? Em que condições ela morava na mansão sendo que antes dos Atreides Arrakina era território dos Harkonnen? Quem é o conde Fenring, dito esposo de Margot? É descrito que antes de Jessica, Hawat havia entrado e se certificado da segurança da sala sobrenatural para liberar o trânsito de Lady Jessica, contudo, não sabemos se ele está, de alguma forma, envolvido com a entrega da carta. Cenas dos próximos capítulos

Eis que o garoto Paul Atreides entra na sala sobrenatural após ter sobrevivido ao atentado que quase tirou sua vida. Paul ressalta que possui séria desconfiança no pessoal chefiado por seu pai, fomentando a ideia de que há um traidor. Frente às inferências do filho, lady Jessica descarta Yueh (tolinha) e Hawat. Paul Atreides expressa seu descontentamento com Thufir Hawat, julgando que o homem forte militar de seu pai está velho, portanto, propenso a distrações. Aí ocorre uma cena bizarra; soldados entram na estufa e falam que capturaram um desconhecido escondido que supostamente estava guiando o artefato tecnológico usado na tentativa de assassinato de Paul; contudo o homem (que não era natural de Arrakis) morreu após levar uma surra dos soldados dos Atreides, não dando tempo para que ocorresse um interrogatório.
Já sabemos sim que existe um traidor em meio aos Atreides (Yueh), mas talvez seria muito óbvio colocar a culpa do atentado nele. Talvez seja inteligente imaginar um 2° traidor, um outro encarregado pelos Harkonnen, para o caso de Yueh falhar. Isso é outro mistério que teremos de aguardar para sanar.

Paul está crescendo de um modo diferente. Crescido na completa segurança de Caladan, agora é necessário se adaptar ao ambiente hostil de Arrakis. Paul começa aos poucos a precisar empregar seus conhecimentos e desenvolvimentos mentais de uma forma mais corporal, mais incisiva, e é na união do corpo e da mente que começamos a enxergar de fato o nascimento de Muad’Dib.

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Bruno Birth
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