Duna Capítulo 20: Judas Iscariotes

Bruno Birth
brunobirth
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3 min readAug 7, 2020

“Arrakis ensina a mentalidade da faca: cortar fora o que está incompleto e dizer que ‘agora está completo, porque acabou aqui’.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Este é um capítulo com muita aplicabilidade bíblica. A começar pelo excerto de Irulan, que em muito tem a ver com uma passagem do apóstolo Mateus, no capítulo 5, versículos 29 e 30, que diz:

“Se o teu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do teu corpo do que ser todo ele lançado no inferno.
E, se tua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do teu corpo do que ir todo ele para o inferno.”

Tanto na reflexão de Muad’Dib (trazida por Irulan) como nos versículos do livro de Mateus, a ideia é que se algo em sua vida o deteriora, o causa dano e te impede de conseguir alcançar o seu melhor, então esse algo (ou alguém) deve ser eliminado pois nem sequer parte de sua vida realmente faz, em primeiro lugar.
Os termos “incompleto”, de Muad’Dib, e “pecar”, de Mateus, querem dizer a mesma coisa; ambos estão ligados à ação de errar e sofrer, ocasionar mácula, o que traz negatividade para um indivíduo. Mateus usa o “olho” e a “mão”, bem como Muad’Dib usa a “faca” para explicar de forma didática como ser incompleto pode levar à perdição, ao “inferno”.
Sobre Muad’Dib em si, esse trecho reflexivo é só mais um indicador do que falamos antes sobre a maturidade que Arrakis trará ao garoto. “Arrakis ensina a mentalidade da faca” é um complemento ao conceito de amadurecimento por meio do sofrimento e exposição ao mundo, algo que Paul Atreides jamais alcançaria se no conforto de Caladan permanecesse.

O capitulo 20 acompanha os passos lentos de Yueh, que caminha para fora da mansão dos Atreides em Arrakina após o golpe bem sucedido dos Harkonnen. Todos o olham torto, sem o mínimo respeito pelo doutor, contra ele lançam insultos como se fosse um animal qualquer. Não há reverências, pompas ou reconhecimento, nem mesmo simples agradecimentos reservados para o traidor, apenas a vergonha exposta no suor frio e na cabeça baixa do médico. Yueh arrasta os pés sob o peso da consciência e é apedrejado pelo julgamento e repugnância dos soldados Harkonnen da mesma vergonhosa forma que o Judas Iscariotes da mitologia judaico-cristã caminha em meio aos soldados romanos após ridiculamente tentar devolver a saca de moedas de prata que compraram sua traição.

Um momento poético marca sua passagem pelo vasto quintal. As altas palmeiras em chama (queimadas pelos Harkonnen) contrastam com as tamareiras do capítulo no qual Yueh nos é apresentado. Neste capítulo o fogo domina as árvores, naquele capítulo a água consumida pelas árvores era o foco. Naquele capítulo Yueh constrói uma reflexão baseada em empatia para mostrar a lady Jessica quantas pessoas pobres de Arrakis poderiam ser salvas pela água usada para manter as belas árvores a adornar a entrada da mansão dos Atreides. Neste capítulo Yueh atravessa o quintal para aliviar sua consciência ao tentar salvar duas vidas: a de uma mãe e de um filho. Pessoas que tanto confiaram nele.

As artimanhas de Yueh para manipular o toptero no qual Jessica e Paul deveriam ser transportados para a morte dão certo. Ambos fogem e o valioso anel do ducado está sob controle de Paul Atreides.
Duncan Idaho (sob circunstâncias ainda desconhecidas) atendeu ao pedido de Yueh e transportará os sobreviventes para os fremen (pelo menos assim suspeitamos).

Após consumada a traição, a esperança de Yueh reside no dente de venenoso que implantou na boca do duque Leto. Que pelo menos seu ato de traição possa resultar na morte de seu maior inimigo: o barão Vladimir Harkonnen.

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Bruno Birth
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