Duna Capítulo 23: O Livro de Muad’Dib

Bruno Birth
brunobirth
Published in
3 min readAug 13, 2020

“Quando meu pai, o imperador padixá, soube da morte do duque Leto Atreides e de como ele havia morrido, ficou furioso como nunca o tínhamos visto ficar até então. Culpou minha mãe e o acordo que foi obrigado a fazer para colocar uma Bene Gesserit no trono. Culpou a Guilda e o barão velho e malvado. Culpou todos ao alcance de sua visão, até mesmo a mim, pois disse que eu era uma bruxa como as outras. E, quando tentei consolá-lo, dizendo que o fato se dera de acordo com uma lei mais antiga de autopreservação, à qual até mesmo os soberanos mais antigos se submetiam, ele me ofereceu um sorriso zombeteiro e perguntou se eu o julgava um fraco. Foi aí que entendi que tamanha paixão não se devia a uma preocupação com o falecido duque, e sim às implicações daquela morte para toda a realeza. Vendo hoje, em retrospecto, acho que meu pai também tinha certa presciência, pois é certo que sua linhagem e a de Muad’Dib tinham ancestrais comuns.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Abrimos a parte II do livro Um de Duna com um capítulo que serve diretamente de complemento ao pesado, denso capítulo que fechou a parte I.
Jessica continua mergulhada em pesar e agora lamenta suas origens quando pensa no mero experimento que foi o seu nascimento. Sua falta de contato com a mãe, que na verdade foi apenas uma progenitora para os propósitos das Bene Gesserit, e a revelação de que o nefasto barão é o seu pai apenas por conta de um ato sexual sem compromisso algum são facetas de uma realidade que faz Jessica questionar o valor de sua existência.
Diante disso, Jessica apenas se cala e sente a tristeza, deixando Paul guiar os passos e pensamentos, já que não está apta para teorizar de modo abrangente e racional as possibilidades que eles têm de sobreviver.

Em um dos pensamentos mórbidos e lady Jessica dá para se notar uma extensão de toda reflexão filosófica presente no capitulo anterior:

“As trevas são uma recordação cega. escutamos atentamente, esperando ouvir os ruídos da alcateia, os gritos daqueles que caçavam nossos ancestrais num passado tão remoto que só nossas células mais primitivas ainda recordam. Os ouvidos enxergam. As narinas enxergam.”

Nós somos consequências dos desdobramentos dos seres humanos que viveram antes de nós. E, como tal, nossas vidas servem como objetos de culminação desses processos sociais, políticos, culturais.
Os resultados destas esferas da existência não param em nossas vidas, muito pelo contrário, exercem uma linha de herança mental, genética e filosófica que atravessa o tempo, sem que possamos apagá-la repentinamente. Nós humanos, conseguimos nos reinventar, desconstruir e ressignificar aspectos da vida, mas isso é um processo gradual e lento, que nas camadas mais profundas do pensamento não se desfaz, como falamos na análise do capítulo anterior sobre a criação e manutenção de nossos mitos em prol da imortalidade e como essa crença impacta em todo o resto de nossas filosofias existenciais.
Tudo ao redor da busca pela imortalidade pode mudar, ganhar novos traços, mas o mito essencial persiste e nele a figura do messias, do salvador, permanece.
Jessica poeticamente ouve seus ancestrais correndo. Jessica, assim como Paul e todos os outros, é fruto dessa corrente social histórica e carrega em seus genes a herança físico-mental que a formação filosófica e cultural exerceu na vida e formação mental de seus ancestrais.
Da mesma forma eu, Bruno, e Marcos, dois negros em 2020, possuímos nas camadas mais profundas de nossos seres influências das mais variadas esferas da existência relacionadas a nossos antepassados escravizados; ou o Jonathan, um branco descendente de portugueses, que possui influências de seus antepassados colonizadores.

Encontre suas raízes e reflita sobre elas não só no âmbito pessoal mas também coletivo. Sua percepção do mundo vai se alterar naturalmente.
Jessica e Paul agora caminham pelo deserto, para carregarem o caos de suas vidas em direção ao destino para eles (e por eles) planejado.

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Bruno Birth
brunobirth

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