Duna Capítulo 27: O Deserto é Mar

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readAug 25, 2020

“Aos 15 anos, ele já conhecia o silêncio.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Este é um dos capítulos mais poéticos do livro Um de Duna. Lady Jessica e Paul Atreides percorrem um longo e árduo caminho pelo deserto, em busca de refúgio, em busca de sobreviverem à caçada Harkonnen. O trajeto de mãe e filho é descrito com detalhes por Frank Herbert, criando um capítulo de camadas.
Na primeira camada, a leitura pode ser considerada fastidiosa pois, como falei, a viagem de Paul e Jessica é descrita com detalhes, tomando todo o capítulo sem muitas alterações importantes a instigarem a atenção emocional do leitor.
Contudo, há uma segunda camada significativa neste capítulo. É neste nível mais profundo, proporcionado pelas características e relação das personagens, que o capítulo 27 se sustenta.
Jessica segue Paul Atreides através das dunas e confia no julgamento do filho para seguirem pelo caminho certo. A mulher sabe que Paul está cada vez mais à vontade, ao passo que mergulha cada vez mais em suas capacidades mentais aprimoradas ao longo de toda uma vida de treinamento Mentat e Bene Gesserit. A atitude de Jessica na verdade não pode ser outra a não ser confiar em seu filho, ela perdeu todo o resto e ainda não superou a morte de seu amado duque Leto. Ainda por cima, Há uma filha em formação no ventre de Jessica, tornando-a uma mulher que precisa de apoio, de alguém para confiar.
A força de Jessica de certa forma reside em sua própria grandeza pois é dela que surgiram as capacidades que agora governam os pensamentos abrangentes de Paul Atreides. É graças às lições de Jessica que Paul está a ponto de se tornar Muad’Dib. Sim, tamanha é a confiança de Jessica em seu filho, mesmo ela estando em situação de vulnerabilidade física, por conta de sua gravidez, e psicológica, por conta de seu luto.
O corpo de Jessica pesa, ela fraqueja. Diante de tantas adversidades, o deserto engole seu corpo e reclama a sua vida, como que afirmando que ela não passa de um grão de areia em meio a vastidão de dunas que é o mundo. Mas, como falado, Jessica é forte e Jessica confia mais do que nunca em Paul. Ciente de que neste momento instável não se encontra com a capacidade de se libertar sozinha, Jessica sabe que seu filho vai tirá-la da garganta do deserto e salvar a sua vida, pois foi o que ela o ensinou a ser. Uma extensão da força dela, da resiliência dela.
Paul, por sua vez, vive o ápice de suas capacidades mas ainda não está pronto. Falta algo, talvez um pouco mais de tempo apenas. A sabedoria e maturidade estão presentes em sua mente fugaz, mas talvez seu instinto juvenil ainda anuvie demasiadamente seus pensamentos, fazendo-o cometer erros. Quando o deserto toma a sua mãe a vida ordena “Vá, siga seu caminho. Você já é um homem formado. Está na hora de se estabelecer como duque, como Muad’Dib. Está na hora de viver sua própria vida. O tempo dela se passou, bem como o de seu pai”. Mas Paul Atreides sabe, mesmo faltando tão pouco, que ainda não está pronto. O novo duque compreende que a influência de sua mãe em sua vida muito provavelmente supera a de seu pai, o velho duque. Então Paul se esforça e resgata a sua mãe, trazendo-a de volta para sua vida, já sabendo que ela o aguardava pois o conhecia, assim como ele a conhecia. Todas as características daquela mãe e daquele filho conversam e convergem nessa corrida por sobrevivência em meio às areias de Arrakis. Uma conexão inquebrável.

Quando se encontram ligeiramente seguros, Paul e Jessica descansam. Então a mulher nos proporciona outro momento muito poético ao fechar os olhos para, por um breve momento, abandonar as agruras do presente e forçar sua mente a se recordar de um momento calmo em Caladan.
Após acompanhar os fugitivos por tamanha e demorada caminhada no deserto, a minha mente de leitor estava envolta por uma cálida e densa coberta de areia dourada; mas quando Jessica descreve sua memória em Caladan, suas sensações me foram passadas e eu as senti como se ela fosse.
De repente, a coberta de areia em minha mente foi suplantada por um véu verde de natureza florestal, embebido por aroma de arvoredos próximos ao mar. Ao abrir os olhos, Jessica se vê de volta ao presente incerto e mortal, porém não se apaga a doce sensação revigorante que a lembrança lhe causou. Eis que uma frase de meu amigo Jonathan Thiago, que muito calhou com esta parte do livro e com o mundo de Arrakis, me salta a mente: “Se afogue em cada gota de felicidade que a vida lhe proporciona”.

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Bruno Birth
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