Duna Capítulo 3: Ordem e Caos

Bruno Birth
brunobirth
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5 min readJun 22, 2020

“Assim falou Santa Alia da Faca: A Reverenda Madre tem de combinar os artifícios sedutores de uma cortesã com a majestade intocável de uma deusa virgem, mantendo esses atributos em tensão enquanto durarem os poderes de sua juventude. Pois, quando a juventude e a beleza tiverem passado, ela descobrirá que o entrelugar, antes ocupado pela tensão, tornou-se uma fonte de astúcia e habilidade.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Neste capítulo nossas atenções se voltam ao garoto Paul Atreides, com novas camadas relacionadas à significância de sua existência na narrativa. Mas antes de falarmos novamente de Paul, devemos nos atentar à Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam. A Proclamadora da Verdade do imperador padixá apresenta uma postura um pouco diferente da vista no capítulo um, uma vez que os resultados do teste de Paul, bem como a personalidade e peculiares características mentais do garoto, parecem ter, de algum modo, impactado a experiente irmã Bene Gesserit.
Não obstante, nos é revelado por lady Jessica que o nascimento de Paul Atreides foi planejado por Jessica, após pedido do duque Leto Atreides. O que isso quer dizer? Anteriormente nos é mostrado que as irmãs Bene Gesserit, ordem da qual Jessica faz parte, só dá luz a garotas, o que é reforçado quando a Reverenda Madre repreende Jessica dizendo que ela errou ao dar luz a um garoto. Agora, a revelação de Jessica nos mostra algumas coisas: os humanos do futuro de Duna têm controle sobre o sexo de seus bebês e isso representa uma ordem de um sistema social, criado em prol da organização da civilização do império. Algo bem parecido na cultura pop acontece em Kripton, onde os kriptonianos já possuem seu papel na sociedade designado a eles enquanto ainda estão em suas encubadoras. Kal-El (que viria a se tornar o Superman) é um kriptoniano gerado de modo natural, ou seja, por meio de relação sexual (algo considerado obsoleto no planeta) e fora do sistema de designação político/profissional/social de Kripton, quebrando uma regra estrutural da sociedade alienígena.
Lady Jessica e duque Leto Atreides quebraram uma das mais profundas regras da estrutura social do mundo futurista de Duna, ao deliberadamente darem vida a um garoto, o que incomoda muito a Reverenda Madre por todo o caos que isso pode gerar. A ordem do império é algo enfatizado pela madre nesse capítulo ao falar da tríplice governamental, formada pela família imperial, a aliança das casas grandes do Landsraad e a guilda espacial, com seu monopólio do transporte interestelar. A Reverenda cita esse sistema com tom de voz cheio de receio pela ameaça que a existência errática de Paul Atreides pode representar ao mundo. Com vários interesses em jogo e uma disputa ininterrupta e transitória de poder, o equilíbrio da organização política do império é como o fino solo de um lago congelado. Em dado momento ela chega até mesmo a citar que a sociedade imperial, que é feudal, despreza parte da ciência enquanto os representantes das grandes casas se movimentam para garantir seus próprios interesses. Essa parte é muito importante pois nos faz questionar o que é ciência nesse mundo futurista e como talvez muito mais dos aspectos negativos de nossa sociedade atual acabaram sendo incorporados por essas civilizações, mesmo com o estabelecimento de uma cultura, de certa forma hipócrita, que prega que os humanos do futuro devem agir diferente dos que foram engolidos pela guerra contra as máquinas no passado. A Reverenda Madre não consegue entender porquê Jessica resolveu fuçar em tamanho formigueiro.
Entretanto, surge uma outra faceta da velha matriarca Bene Gesserit pois, a par da situação completa, ela não mostra que vai tomar alguma ação de reprimenda mais pesada contra os Atreides. Claro, ela esbraveja um pouco, ofende pesadamente Jessica por sua audácia de acreditar que tenha dado a luz ao Kwisatz Haderach, o messias, mas não passa disso. É como se a Reverenda Madre fosse, de fato, a mãe de Jessica. Ainda há uma outra perspectiva que se pode tirar da reação da Madre Gaius: curiosidade sobre o porvir. Ela detecta que Jessica está infringindo outra lei ao dar ensinamentos da cultura Bene Gesserit (matéria estritamente ensinada a garotas) a Paul, uma vez que para Jessica Paul é o messias da totalidade Bene Gesserit; mesmo assim, a única resposta da madre a isso é “continue ensinando, mesmo que proibido”. A madre parece querer ver no que essa rebeldia dos Atreides vai resultar.

Paul tem uma última conversa com a madre, expondo mais de suas características mentais únicas. Os sonhos do garoto se mostram premonitórios, o que claramente chama a atenção de Gaius Mohiam. Paul disserta sobre uma garota misteriosa que visita seus sonhos, tem olhos completamente azuis (mostrando vício na especiaria do planeta Arrakis, tal qual é comum aos mentat) e faz várias perguntas sobre água. Falaremos mais sobre essa garota na análise do próximo capítulo mas, de antemão, podemos concluir que, se paul realmente tem sonhos premonitórios, tal garota entrará em sua vida em Arrakis, para onde a família Atreides está se mudando. Seria essa garota a tal princesa Irulan que escreve os excertos que abrem os capítulos desse livro?

O capítulo termina com a Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam partindo da casa dos Atreides em Caladan com lágrimas nos olhos. A velha parece sentir o peso do mundo nas costas mas também um certo interesse no que os próximos capítulos da história de Paul Atreides podem revelar. É incrível como a frase que abre o capítulo (mais um dos excertos da princesa Irulan) representa o que a Reverenda Madre (uma madre com toda uma vida de experiência e com visão abrangente) pode vir a desempenhar em breve, um papel de suma importância no desenrolar dos fatos que regem o embate entre a ordem imperial e o caos que cresce a cada respiração dos jovens pulmões de Paul Atreides.

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Bruno Birth
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