Duna Capítulo 33: O Rato Saltitante

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readSep 6, 2020

“Meu pai, o imperador padixá, tinha 72 anos - embora não aparentasse ter mais de 35 - no ano em que arranjou a morte do duque Leto e devolveu Arrakis aos Harkonnen. Ele raramente aparecia em público vestindo outra que não o uniforme dos Sardaukar e o capacete negro de burseg, que trazia sobre o penacho o leão dourado imperial. O uniforme era um lembrete ostensivo de onde residia seu poder. Mas ele nem sempre era tão espalhafatoso. Quando queria, era capaz de irradiar charme e sinceridade, mas tenho me perguntado muitas vezes, nestes últimos tempos, se algo nele era o que parecia ser. Hoje, creio que ele era um homem em luta constante para escapar das grades de uma gaiola invisível. Lembrem-se de que era um imperador, patriarca de uma dinastia que remontava ao passado mais obscuro. mas nós lhe negamos um filho legítimo. Não foi a derrota mais terrível que um soberano já sofreu? Minha mãe obedecia a suas Superioras da Irmandade, as mesmas a quem lady Jessica desobedeceu. Qual delas era a mais forte? A história já respondeu.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Esse capítulo possui duas revelações que estavam expostas o tempo todo e nos passaram desapercebidas.
A primeira delas já é mostrada no excerto de princesa Irulan. Apesar de já sabermos que as irmãs Bene Gesserit são separadas para casarem com senhores do alto escalão da sociedade e também que elas são capazes de “escolher” o sexo de seus filhos, deixamos passar o que é revelado neste excerto.
Em capítulos anteriores, já havíamos discutido como só ter filhas é narrado como se tornando um incômodo ao imperador perante os acordos políticos junto à Guilda Espacial e a irmandade Bene Gesserit. Agora, com essa revelação, eis que surgem questionamentos de suma importância:
- Por quê as Bene Gesserit ordenaram que a mãe de Irulan negasse um filho herdeiro para o imperador padixá? Aleijar a força do imperador seria mais um aspecto de um hipotético plano de dominação das Bene Gesserit?
- “A história já respondeu”. Respondeu o que? Jessica estava certa em trazer Paul ao mundo, contrariando as Bene Gesserit? Pode ser uma resposta muito óbvia essa. É preciso lembrar que Jessica trazer Paul ao mundo não fazia parte do plano das Bene Gesserit, então, em breve poderá haver um embate entre Muad’Dib e as Bene Gesserit.

A outra revelação gira em torno de Paul Atreides. Desafiado por um dos fremen do sietch de Stilgar para um duelo mortal, o filho de lady Jessica acaba se vendo em uma situação de protagonismo forçado.
Sem dar muitos detalhes, o que mais marca a luta é o contraste entre a completa ausência de vontade de matar de Paul e a necessidade de matar imposta a Paul. Se trata de um momento que reflete o futuro que pode estar por vir ao garoto. A tão temida jihad que povoa sua presciência.
Ao final da luta ocorre uma espécie de ritual de assimilação de Paul a tribo fremen, no qual um nome deve ser dado a ele, segundo sua escolha. Aqui vem uma análise interessante. Paul havia dito no capítulo 22 que, independentemente de sua vontade ou não, ele ia ser chamado de “muad’dib” pelos povos de Arrakis; até então, durante todo o livro, havíamos considerado o termo como só mais uma diferenciação idiomática para designar o messias, tal como “Lisan Al-Gaib”, “Mahdi” e “Kwisatz Haderach”. Contudo, esse capítulo nos mostrou que não. Paul reflete e se lembra de quando estava perdido com sua mãe no deserto, onde viu um ratinho saltitante e muito esperto em sobreviver às agruras do deserto. Então diz a Stilgar que quer ser chamado de “rato saltitante”, que no idioma fremen se torna “Muad’Dib”.
Jessica fica estupefata pois aparentemente nem ela e Paul sabiam do significado do termo em chakobsa fremen, o que realmente impressiona quando se pensa na capacidade de presciência de Paul.
Mas e se Paul sabia o significado de “rato saltitante” na linguagem fremen e está só “entrando no jogo” ao manipular os aspectos sociais da realidade a sua volta (incluindo os pensamentos de sua própria mãe) para gerar uma atmosfera de poder em torno de sua existência? É preciso lembrar que antes do caos que deu fim ao duque Leto, Paul esteve de posse de documentos que destrinchavam a cultura fremen, dados a ele por Thufir Hawat e o traidor Yueh; assim sendo, o garoto não é alheio a cultura fremen. Além do mais, logo em seguida ao “batismo” de Muad’Dib, Stilgar explica como as características do tal rato se mostram equivalentes aos ideais fremen de convivência no deserto e também de sobrevivência. Todos ficam impressionados pois, de novo, o contexto traz a ideia de que Paul não conhece o idioma fremen.

Cuidado com esse tal de Paul Atreides, gente.

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Bruno Birth
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