Duna Capítulo 34: Oferta de Umidade

Bruno Birth
brunobirth
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3 min readSep 9, 2020

“Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Neste capítulo vemos a representação do que significa o salvaguardo do bem comum em um nível tão profundo que beira a incompreensão.
Paul e Jessica acompanham o sietch de Stilgar para as profundezas rochosas de um verdadeiro labirinto cavernoso subterrâneo em meio ao deserto para se verem diante do improvável: Um imenso reservatório de água proveniente de profundos lençóis freáticos.
Stilgar conta que são milhões e milhões os litros de água existentes em Arrakis, separados em reservatórios naturais por várias partes do planeta e com quantidade contabilizada na minuciosidade dos mililitros, o que impressiona Jessica. Os fremen protegem e fazem de tudo para ocultar estes locais mas estima-se que muitos reservatórios ainda sejam desconhecidos. Stilgar ainda conta que os reservatórios não são de conhecimento comum, sendo guardados por parte dos fremen.

O mais impressionante dessa nova característica de Arrakis revelada é que os fremen não utilizam uma gota sequer da água dos reservatórios, guardando-a para quando todos os preparativos do lento e gradual plano ecológico de Liet estejam concluídos. Dessa forma, o processo de alteração da atmosfera de Arrakis será avassalador e irreversível.
Tente imaginar os efeitos colaterais desse contexto. Abdicando da água no dia-a-dia, os fremen precisam reutilizar o líquido de seus próprios corpos ao nível máximo possível e para isso desenvolveram costumes e tecnologias específicas, além de provocarem uma alteração fisiológica em seus corpos graças a cultura do consumo de mélange, a especiaria de concentradas características químicas que substituiu a água na dieta dos nativos de Arrakis.
Os fremen criaram toda uma gama de tradições cotidianas que pudessem viabilizar a sua existência sob as mais diminutas condições aceitáveis, abraçando a privação como modo de vida, em prol do futuro da tribo, da humanidade.
Pessoas morrem aos montes todos os dias por conta deste propósito e morrem conscientes deste propósito. A esfera da vida individual só alcança seu máximo valor quando utilizada para servir ao coletivo. Este é o mantra da sociedade fremen. Isso, meus caros leitores, é absurdamente incrível.

Não sabemos detalhadamente como decorreram os fatos ao longo da história dos fremen, mas é aceitável concluir que a existência de água no planeta foi uma descoberta posterior ao estabelecimento do modo de vida dos nativos sob a dieta de especiaria, ou seja, uma consequência da privação de água. A lógica ligeira diz que, ao descobrirem água, os fremen deveriam abandonar seus costumes de subsistência, contudo, aí mora a abrangente lógica de Liet-Kynes. Se os fremen resolvessem utilizar a água dos lençóis freáticos para saciar sua necessidade mais urgente, em nada isso ajudaria para que o planeta inteiro tivesse ecologia alterada, uma grande necessidade, uma vez que se analisa o quão inóspito Arrakis é.
Além disso, é preciso contar com as forças oponentes aos fremen em Arrakis. Certamente nem império ou Harkonnen estariam interessados em trabalhar para criar um ambiente sustentável no complicado planeta desértico. Não, esse deveria essencialmente ser um propósito fremen, e assim Liet o compreendeu em totalidade.

Um adendo final a este capítulo. É notável como a presença de Jessica é de suma importância para Paul. O garoto ainda mostra precisar de muita empatia para que os contextos a sua volta sejam plenamente absorvidos em sua compreensão. A mãe de Paul inteligentemente cria um elo entre o garoto e os fremen a partir de ações que fazem Paul tornar sua atenção a ela (de uma forma que jamais faria se fossem outros pois Jessica é sua mãe) e, assim, o garoto enxerga como precisa agir. Sem Jessica Paul não conseguiria sair de sua zona de conforto com certa confiança e Jessica, para sobreviver, precisa de Paul completamente inserido naquele novo mundo.
Então a mulher empurra o menino para fora do ninho para que ele se liberte logo dos últimos verdejantes fios de Caladan e torne o dourado messias de Duna que ela o criou para ser.

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Bruno Birth
brunobirth

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