Duna Capítulo 4: Lições Vitais

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readJun 24, 2020

“Você leu que Muad’Dib não tinha ninguém da mesma idade para brincar com ele em Caladan. Os perigos eram imensos. Mas Muad’Dib teve de fato maravilhosos instrutores-companheiros. Havia Gurney Halleck, o guerreiro-trovador. Você irá cantar algumas canções de Gurney ao ler este livro. Havia Thufir Hawat, o velho Mentat e Mestre dos Assassinos, que infundia o medo até mesmo no coração do imperador padixá. Havia Duncan Idaho, o Mestre-Espadachim dos Ginaz; dr. Wellington Yueh, um nome de negra traição, mas de conhecimento luminoso; lady Jessica, que orientou o filho na Doutrina Bene Gesserit; e, naturalmente, o duque Leto, cujas qualidades como pai havia tempos eram menosprezadas.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

O capítulo 4 é marcado por diálogos entre Paul Atreides e dois experientes empregados de seu pai, o duque Leto. Se trata de um capítulo notório pois temos uma abordagem diferenciada, mais direta e incisiva no que concerne ao modo como as pessoas em torno de Paul o tratam. Lady Jessica, apesar de ter instruído Paul nas doutrinas das Bene Gesserit, tem o clássico tratamento de mãe protetora, privando o garoto da realidade acerca dos horrores do mundo da melhor forma que pode. Contudo, Paul cresceu e as coisas estão para mudar drasticamente para os Atreides, o que naturalmente preocupa Jessica de modo irremediável.
As conversas de Paul com Thufir Hawat, o mentat e mestre dos assassinos, e Gurney Halleck, o mestre de armas, nos ajudam a entender um pouco mais das características hostis de Arrakis, às quais Paul estará submetido, mesmo com a aparente proteção que sua condição membro de uma grande família o proporciona.
O primeiro diálogo de Paul Atreides no capítulo é com Thufir Hawat, um homem sistemático e prevenido, que dá valor aos detalhes. Hawat sabe que Jessica está dando ensinamentos proibidos para Paul, mas não mostra saber bem o porquê. Seu foco é fazer Paul aprender outra coisa: prudência face ao perigo físico e ininterrupto do planeta Arrakis, a nova residência dos Atreides. Hawat tenta mostrar a Paul as absurdas dificuldades que existem no planeta conhecido como “Duna” ao falar dos fremen, o povo nativo e alheio ao império. Em uma passagem marcante, Hawat fala dos trajes tecnológicos dos fremen, que os possibilita reutilizar todo o líquido corporal para manutenção de suas vidas, uma vez que não existe nada mais raro em Arrakis que água. Há algumas passagens nesse capítulo que o ligam de modo complementar ao capítulo 3. A Reverenda Madre cita que Paul precisa entender as diferentes linguagens dos mundos para compreendê-los e que isso em nada tem a ver só com a simples diferença de idiomas dos mundos e sim com cultura, tradição, história e formações sociais diferenciadas. Pois bem, neste aspecto o significado cultural da palavra “água” ganha peso narrativo, ainda mais quando se lembra da garota misteriosa (presente no capítulo 3) que povoa os sonhos (premonitórios?) de Paul e faz perguntas cheias de interesse sobre água. Com o andar da conversa entre Paul e Hawat, fica claro que água tem um significado profundo muito diferente para os Atreides, residentes do planeta Caladan, e os akarrinos, que têm suas realidades completamente fundamentadas na escassez de água.
Hawat cita outras características importantes de Arrakis, como as imensas e poderosas tempestades de areia e os tipos de seres humanoides quando fala “os fremen pouco diferem da gente, dos graben e das pias”. Já havíamos falado sobre os Harkonnen, que segundo as descrições não parecem ser humanos, agora Hawat nos dá pistas de outros tipos de humanoides existindo no mundo de Duna.

Thufir Hawat sai de cena e entra Gurney Halleck. Dessa vez Paul é posto à prova de modo direto, físico. Gurney provoca o garoto e avança com intensidade em um treinamento corpo a corpo que faz Paul até temer por sua vida por um instante. Mesmo não estando a par de todos os fatos, o filho do duque Leto sabe que sua família está cercada por inimigos, o que o faz questionar porquê Gurney o ataca de modo efusivo em um mero treinamento. A resposta é simples: assim como Hawat, Gurney sabe que Paul precisa amadurecer rápido, endurecer, ser lapidado muito rápido, tamanhos os perigos que estão prestes a fazer parte de seu cotidiano. A raiva e desprezo com a qual Gurney responde ao que Paul expressa como a “falta de vontade de lutar” ilustra, juntamente com a longa cicatriz que desenha o rosto do mestre de armas (Frank Herbert usando um aspecto gráfico como artifício narrativo), a completa falta de experiências dolorosas de Paul Atreides em contraste com o vasto histórico de sangue em torno da vida de Gurney; histórico esse apenas mencionado levemente no capítulo, mas que já dá uma ideia do quão duro a vida obrigou Halleck a se tornar.

A Reverenda Madre, Thufir Hawat e Gurney Halleck desempenham um papel parecido com o de Maquiavel em seu livro “O Príncipe” ao se esforçarem em mostrar a Paul Atreides vários aspectos de governança que devem ser adotados pelo garoto. Uma imensa responsabilidade que Paul ainda não compreende completamente mas que lhe representa um fardo depositado por sua mãe, que até o momento apenas o protegeu, e seu pai que, seja por qual motivo for, se mostra tão ausente que ainda não deu as caras no livro.
O passar do tempo só faz estabelecer mais claramente uma coisa: Paul Atreides está sozinho.

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Bruno Birth
brunobirth

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