Duna Capítulo 43: Uma Nova Canção de Baliset

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readSep 24, 2020

“Quando a lei e o dever, unidos na religião, são a mesma coisa, a pessoa nunca chega à consciência plena de si mesma. Será sempre pouco menos que um indivíduo.”

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meu amigo Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

Os dois últimos excertos de Irulan (deste capítulo e do anterior) mostram um pouco a linha de pensamento de Paul Muad’Dib. No excerto do capítulo anterior Paul questionava o papel de um indivíduo em posição de liderança perante a escolha entre a ortodoxia religiosa e os oscilantes contextos políticos a transformarem as sociedades, argumentando que a flexibilidade nas atitudes é o ideal. No excerto deste capítulo vemos Paul novamente relativizar as tradições religiosas, como que dizendo que aquele que se prende completamente a elas acaba perdendo sua essência individual.
É muito importante entender essa maneira de pensar de Paul Atreides por vários motivos.
O primeiro e mais óbvio deles é o de enfatizar que Paul, assim como Jessica, não é um fremen. Para todos os efeitos, Paul é um estrangeiro que se adaptou ao mundo social dos fremen, assim sendo, não tem como (com apenas dois anos de convivência) esperar que Paul pense as tradições fremen como os fremen pensam. O problema é que a evolução da ascensão da liderança de Paul entre os fremen não está sendo gradativa como a evolução da absorção cultural fremen por parte de Paul.
Liet-Kynes falou uma vez ao filho do duque Leto que “qualquer um pode se tornar um fremen. Basta que o indivíduo se disponha completamente a se inserir no modo de vida fremen”. Pois bem, esta é a segunda questão. Paul Atreides não está disposto a se inserir completamente no modo de vida fremen. Sim, é isso mesmo que você leu, e isso fica muito claro neste capítulo.
Ao contrário de Liet, que demonstrava paciência empática, sabedoria ímpar e comedimento nas atitudes (aspectos essenciais para aquele que deseja se inserir em uma cultura completamente diferente da sua), Paul se mostra arrogante, impaciente, impulsivo, raivoso e violento (essa última característica já virou notícia entre os povos de Arrakis, inclusive). E isso acontece quando menos se espera, nas atitudes de reação impulsiva de Paul. A inteligência absurda do filho de Jessica é o que o coloca a frente dos demais e é o que representa maior perigo pois o aproxima do “propósito terrível”, a jihad que ele diz tanto querer evitar mas não sabe se vai conseguir.

Vamos aos exemplos destas acusações neste capítulo. Como Stilgar já havia explicado, na tradição fremen, quando alguém se mostra muito importante perante a tribo, esse alguém acaba naturalmente fazendo frente ao chefe tribal. Assim, os que fazem parte daquele grupo demandam uma peleja mortal para que a liderança do sietch seja confirmada ou substituída. Essa tradição está além de laços familiares, amizade ou inimizade e se pauta no conceito de que a tribo deve sempre estar sendo liderada por aquele que se mostra em melhor momento para liderar. Stilgar sabe que vai morrer quando chegar a hora de enfrentar Paul Muad’Dib, um homem muito mais preparado física e psicologicamente, mas demonstra não se importar pois está seguindo a tradição. Contudo, Paul revela (de modo muito inteligível ao citar como os fremen prenderam a ele e sua mãe, em vez de matá-los como a tradição fremen ordena que se faça com estrangeiros encontrados no deserto) que não vai lutar com ele pois o considera um amigo, ao melhor estilo “tradições são feitas para serem mudadas”.
Em outro momento do capítulo, Paul chega a falar que Stilgar não deve esperar que ele pense em todas os detalhes das tradições fremen uma vez que estiver no trono de duque em Arrakina. Paul fala que não é capaz de se prender às preocupações envolvendo o estado de todas as famílias fremen, como Stilgar faz.
Como falei rapidamente acima, as histórias de Muad’Dib estão se espalhando por Arrakis e até fora dela. Ficamos sabendo dos requintes de violência acerca das histórias por Gurney Halleck, após seu grupo de contrabandistas ser aprisionado pelo destacamento fremen chefiado por Stilgar, em um momento de reencontro muito interessante entre Paul e Gurney. Conforme vai conversando com o garoto, o antigo mestre dos exércitos do duque Leto começa a perceber as diferenças na maneira de agir de Paul, tanto pelo tempo de convivência com os fremen como pelo adendo da liderança religiosa que agora Paul representa.

Os fremen demonstram estar ávidos, com os espíritos alimentados pelo fervor da aura messiânica envolvendo Paul Muad’Dib. Os nativos de Arrakis agora usam mísseis, começam a atacar com mais veemência. Paul também demonstra uma sede de se auto-confirmar absurda, uma vontade de agarrar o poder que sua mãe o ensinou que lhe pertencia desde criança.
A questão é que, reflexivamente, Paul realmente não quer causar uma jihad, ou seja, uma guerra santa que vai levar a “purificação” através da morte para todos os cantos do império. Só que inconscientemente, as ações de Paul podem começar a direcioná-lo por isso. Em posição de liderança, as decisões de um indivíduo reverberam nas atitudes daqueles que estão sendo liderados. Assim sendo, o ímpeto de Paul inflama os fremen, aproximando a todos do propósito terrível.
O leitor deve começar a pensar em Paul Atreides não como o “Messias de Duna”, mas o “Colonizador de Duna” talvez seja mais apropriado.

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Bruno Birth
brunobirth

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