Duna Capítulo 8: A Terra das Tamareiras

Bruno Birth
brunobirth
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4 min readJul 9, 2020

“‘Yueh! Yueh! Yueh!’, diz o refrão. ‘Morrer um milhão de vezes ainda é pouco para Yueh’”.

O artigo a seguir se baseia em minhas reflexões e nas de meus amigos Jonathan Thiago e Marcos Carvalho. CONTÉM SPOILERS DO LIVRO UM.

O capítulo 8 é marcado por um diálogo entre lady Jessica e dr. Yueh. Muitas informações interessantes permeiam a conversa entre a concubina e mãe do herdeiro de Leto Atreides e o homem encarregado de cometer um ato de traição contra a Casa Atreides. E pelo que parece no excerto da princesa Irulan, tal traição se consumará de modo épico e odioso.
A conversa começa com uma reflexão de Yueh que faz reverberar um tema muito importante ao longo de todo o livro e que agora, com a família Atreides residindo em Arrakis, se intensificará: a desigualdade social.
Os residentes do planeta Duna têm a sobrevivência como aspecto essencial de sua cultura, sendo obrigados a subsistirem com o mínimo e a se reinventarem e se adaptarem às hostilidades diversas de Arrakis, como é o caso da já falada escassez de água. Em contraste gritante a isso, Frank Herbert nos obriga a conviver narrativamente com a opulência da família Atreides, que tem tudo de sobra: Sua mansão é enorme, sua reserva de água é absurda, a quantidade de servos é vasta. É necessária muita falta de empatia para não se incomodar com tal cenário.
Quando Jessica chega para conversar com Yueh, o doutor está perscrutando o jardim dos Atreides em Arrakis por uma janela e avista a corredeira de belíssimas tamareiras que adorna a entrada da mansão dos Atreides. Enquanto isso, transeuntes comuns passam na rua e olham com repulsa as grandes árvores. Lady Jessica não entende o motivo da repulsa mas Yueh explica que para manter vivas as tamareiras os jardineiros da mansão precisam cultivá-las com uma quantidade de água diária equivalente ao consumo de 100 pessoas. Pense no montante de um recurso tão valioso e vital sendo utilizado para um simples valor estético e fútil. Pense nas aplicabilidades entre as tamareiras dos Atreides e muitas culturas do cotidiano da classe alta em nosso mundo real.

Em dado momento da conversa Jessica se incomoda com o senso comum sobre a falta de água de Arrakis e questiona se na verdade não existem aspectos da natureza do planeta que ainda não foram desvendados. Yueh embarca na criação da teoria da conspiração de lady Jessica e insinua que os Harkonnen mantinham segredo sobre muitas coisas enquanto governavam Arrakis, o que gera alguns questionamentos:
- Por quanto tempo os Harkonnen governaram Arrakis? Acreditamos que por muito tempo se a nossa teoria abaixo estiver correta;
- Não teriam os Harkonnen, de alguma forma, encontrado um jeito de racionar a água de Arrakis em prol de controlarem o povo de Arrakis como escravos (ou pro outro motivo escuso), tal qual Immortan Joe faz no filme Mad Max- Estrada da Fúria, por exemplo? Para essa teoria estar correta, o governo arrakino dos Harkonnen deve ter durado muito tempo, uma vez que os fremen sofrem com a escassez de água por muito tempo. Enfim, teorias e teorias, meus caros leitores.

Uma dúvida que havíamos salientado em análises anteriores ganhou resposta nesse capítulo:
Os fremen são humanos. Yueh cita que a chegada dos Atreides gerou uma certa confusão por conta da quantidade de servos trazidos, todos com necessidade diária de beber água. Nessa parte Yueh caracteriza os fremen como humanos, o que confirma que as divisões entre os fremen e os pias (que se relacionam matrimonialmente) são raciais humanas e não de espécie.

É então que a conversa entra em campo minado pois Yueh cita vagamente a história da antiga rixa entre os Atreides e os Harkonnen. Nas palavras de Yueh “um Atreides baniu um Harkonnen por covardia após a batalha de Corrin”. Confuso, não? Pois bem, aqui quero levantar uma outra teoria.
No capítulo anterior falamos sobre dois enfeites específicos trazidos nas bagagens dos Atreides: o retrato do pai de Leto Atreides e a cabeça do touro que o matou com uma chifrada. Na frase de Yueh acima não parece que ele está usando a palavra “batalha” no sentido de guerra, uma vez que nesse contexto é difícil imaginar um “banimento por covardia”. A utilização dessa palavra (se a teoria que estou desenvolvendo estiver correta) se encaixa mais em um contexto de disputa esportiva, uma justa, melhor dizendo. E se o pai do duque Leto Atreides não acabou morrendo enquanto disputava uma justa com touros contra algum Harkonnen, que agiu fora das regras e por isso foi banido, gerando a querela histórica entre os Atreides e Harkonnen?
Um aspecto importante que pode corroborar tal teoria é o fato de que Wanna, a esposa de Yueh, se tornou vítima dos Harkonnen (de um modo ainda não explicado completamente) por servir os Atreides, o que mostra que a tal “velha rixa” talvez não tenha uma história tão antiga assim. Deixemos essa teoria no ar para futuros capítulos.

Uma última importante questão levantada no capítulo gira em torno de um novo aspecto da especiaria, mostrado filosoficamente por Yueh. O doutor fala para Jessica sobre os diferentes gostos do mélange a cada vez que é provado, o que caracteriza o vício que as pessoas cultivam ao consumi-lo, bem como mais um dos motivos a tornar a especiaria cara. Yueh fala que a especiaria é como a vida, que se apresenta de uma forma única a cada vez que experimentamos vivenciá-la de fato, ou seja, se expôr à experiências e desafios. Curiosamente, o efeito físico de prolongamento da vida (que suspeitávamos) é confirmado por Yueh nesta conversa, complementando a reflexão do traidor.

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Bruno Birth
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