Somos escravos do “Propósito”?

Bruno Bonini
9 min readJul 24, 2018

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Photo by Tim Gouw on Unsplash

Há muito tempo gostaria de começar a escrever aqui no Medium, mas não ia adiante dada a inércia ou o alto volume de coisas do dia a dia — o que podemos chamar de enrolação. Agora me sinto na “vibe”, talvez fruto do tema que trago aqui que é uma reflexão/angústia profissional que tenho tido desde que me conheço por…profissional.

Sempre fui uma pessoa reconhecida pelo espírito rebelde — ao menos esse é a forma delicada de colocar. De fato, não gosto de formatos pré-determinados, de modelos a serem seguidos e etc. Quando alguém diz “tem que…” eu já começo a sofrer por dentro. Sinceramente até hoje eu não consigo engolir essa história de que as coisas tem que ser assim ou assado. Porém, eu nem sempre fui de fato um “rebelde”.

Imagine um aluno de administração de uma faculdade tradicional de engenharia. Eu era praticamente formatado a replicar coisas. “Kotler é o mestre guru do Marketing e tudo que está nesse livro deve ser seguido”. Soa quase como uma seita. Porém hoje tenho clara noção de que esse problema não é meu em particular, mas da forma como o sistema educacional está desenhado.

Tempos Modernos?

Enquanto meus colegas se aventuravam em estágios em grandes empresas, seguindo a pré-formatada jornada da vida, eu fui me enfiar em uma empresa incubada para trabalhar sem ganhar um tostão. Naquela época não se falava em startup. Me sentia extremamente orgulhoso, pois gostava de ter liberdade para fazer as coisas. Achava até que estava de fato fazendo algo diferente quando na verdade eu ficava tentando replicar o que aprendia nas aulas.

A maioria dos cursos por aí ensinam receitinhas de bolo para que as pessoas saiam reproduzindo-as no seu dia-a-dia. Isso realmente precisa ser repensado!

Depois de me formar me bateu aquela vontade de trabalhar numa empresa grande. Sempre imaginei trabalhar como consultor, mas na minha concepção consultorias eram apenas para pessoas velhas pois exigia certa sabedoria e experiência prática. Mal sabia eu que as consultorias contratam muita gente junior e recém-formada para fazer o trabalho duro de executar as coisas. E de repente lá estava eu em uma dessas consultorias bacanas que lhe “dão” cartão corporativo, mochila com rodinhas e paga suas passagens.

Sim, rolava aquela coisa patética de se sentir importante trabalhando no aeroporto, vôo, taxi…

Comprei cegamente a ideia de que minha carreira profissional era a escadinha analista-consultor-gerente-gerentepica-diretor-diretorsóciomódafóca e para o alto e avante. E dei duro! Trabalhava que nem um louco pra mostrar serviço, pra ver resultado real e daí, “por consequência”, ganhar aquela merecida promoção. Engraçado como essas empresas sabem colocar as pessoas no loop eterno de trabalhar bastante para ser promovido, para trabalhar bastante para ser promovido, para…bom, acho que você sabe do que estou falando, não é mesmo?

Empresas grandes não valorizam sua capacidade de fazer transformações reais, mas sua capacidade de fazer parecer que você fez qualquer m**** “relevante”.

Essa talvez tenha sido minha primeira e profunda decepção profissional. Não interessa o quão foda seja o seu trabalho, você precisa trabalhar para que seus superiores achem que você fez um trabalho foda. E isso está nos detalhes, até mesmo como você se comporta em um encontro, em como você se senta, na cor da camisa que você escolhe e outras coisas de baixíssima importância.

Não quero parecer ingrato, essa experiência me colocou em outro patamar de maturidade pessoal e profissional. Desenvolvi uma das minhas principais habilidades que é chegar em um lugar que eu não entendo nada e logo me adaptar e conseguir entender todo o contexto. Aprendi várias coisas, tanto pelo amor quanto pela dor.

Não se engane com promessas de carreira e de futuro onde você trabalha hoje. Procure estar sempre atento ao mercado para saber quais os próximos passos vocês pode dar.

“Deve haver outras formas de se fazer”

Claro! E não seria em uma empresa grande com aquela hierarquia gigantesca que você mal consegue entender. Ali decidi voltar para o rolê de empreender. Startup! Em meados de 2014 essa já era uma palavra em voga.

Voltar a poder fazer do jeito que eu penso, fazer algo que fizesse sentido! Estava nas nuvens. Imagina, enquanto a maioria dos meus amigos continuavam nos moldes “coxinha”, eu estava trabalhando de bermuda e camiseta, ganhando um dinheiro maneiro com status de decisor e em um negócio que tinha um propósito transformador. Not bad, right?

Vai! Vai! Vai! E não foi…

Foi quando eu descobri esse tal de Design Thinking. Eu simplesmente me senti compreendido quanto a forma de se fazer e estruturar as coisas. E nesse momento eu olhei para o lugar onde estava e cheguei a conclusão de que nem toda startup é de fato inovadora. Na real, a maioria não é. Para muitos empreendedores a inovação está no produto/serviço, mas seu modelo de trabalho pode ser extremamente tradicional.

Trabalhar em startup virou sinônimo de sucesso profissional. Poucas pessoas percebem que isso é apenas um status e, provavelmente, passageiro.

A busca incansável pelo “why”

Entender que deveríamos projetar serviços e produtos colocando o usuário no centro me deu um baita senso de propósito. Isso sim fazia muito sentido! Estava nesse momento conseguindo me libertar dos moldes, afinal, o processo do design é um processo de criação, mesmo que você esteja recriando algumas coisas.

Quando menos percebi já estava tentando desenvolver algum tipo de solução de impacto social, procurando me envolver em trabalho voluntário e tudo mais. Quase um missionário. Mas infelizmente a conta de energia chega todo mês, então não conseguiria sustentar essa ideia por muito tempo. E também faltou um pouco mais de ímpeto ou coragem da minha parte.

Veio o trabalho em uma consultoria de inovação na qual ganhava pouco para meus anseios pessoais, mas aprendia bastante. Modelo tradicional de consultorias/agências: pague pouco, pois o negócio não é escalável. Fiz trabalhos maneiríssimos para empresas grandes, acreditando que eu estava sendo capaz de resignificar a forma como elas faziam, afinal, elas estavam contratando uma consultoria de inovação.

Neste ponto é possível discorrer uma robusta dissertação sobre os motivos pelos quais as grandes empresas fracassam miseravelmente em inovar. Mas pra ser bem direto ao ponto, as empresas fracassam por tratar a inovação como um fim, não como um meio. Um próximo texto podemos falar mais a respeito.

E lá estava eu mais uma vez vendo que estava difícil de realizar algo sobre esse meu propósito rebelde de transformar a forma como as coisas são feitas. Mas o trabalho com startups e com projetos sociais continuaram em paralelo e de repente eu estava fundando uma consultoria focada exatamente nesses dois públicos.

Freela de cá, projeto de lá, mentoria daqui, workshop por lá. E assim fui tocando, colocando cada gasto na ponta do lápis, porém realizado, pois trabalhava de casa, fazia meus horários e conseguia tocar minhas atividades pessoais.

Trabalhar com que eu gosto e ganhando pouco me ajudou a desconstruir a ideia de que o emprego só é digno se pagar bem. Existem outras coisas tão ou mais importantes do que isso.

A oportunidade de trabalhar por um propósito e ganhando dinheiro

Um dos clientes dessa minha consultoria me liga um dia me convidando para conversar, seis meses depois de fazermos um trabalho com eles. Sento-me no café com o founder e escuto tudo o que eu precisava: trabalho com propósito, modelo startup, convite pra co-founder, autonomia, fazer diferente, transformar o mercado, bom salário…BINGO!

Source: Giphy

Lembro-me dizer para minha esposa em um determinado momento que eu estava exatamente onde eu queria estar, pois eu ganhava bem, fazia o que gostava e tinha um propósito claro e forte.

Quando percebi eu estava trabalhando 15 horas por dia!!! Eu era quase como um desconhecido para meu filho recém-nascido, pois eu saía de casa e ele estava dormindo e quando eu retornava, ele também já estava dormindo. Me senti na encruzilhada, pois não tinha mais o mesmo prazer e a questão financeira era preponderante.

Mas aí meu espírito “rebelde” falou mais alto. Chutei tudo pra cima e comprei uma briga psicológica intensa, pois todo mundo vivia me dizendo que eu estava desperdiçando a grande chance da minha vida! Pois era só eu engolir a seco mais uns aninhos, me f**** mais um pouco que depois eu poderia ganhar muito dinheiro! Um “baita” negócio!

Foi difícil, pois não sabia se ia me reencontrar profissionalmente. Fracassos subsequentes, nenhum lugar parecia atender às minhas necessidades, à minhas crenças quanto a forma de se trabalhar e ao meu propósito. Optei por descansar e fui ler para ver se me encontrava. Nesse momento me veio um livro fantástico chamado Essencialismo de Greg Mckeown. Indico fortemente, pois ele me deu a luz ao me mostrar que tenho que focar apenas naquilo que eu acredito e que as horas de descanso e distração são fundamentais para ir mais longe.

Vivemos numa sociedade que valoriza quem chega cedo e sai tarde, mas não valoriza quem chega e sai no horário e entrega tudo o que foi pedido.

Uma luz no fim do túnel?

Quando me perguntam o que estou fazendo, eu estufo o peito pra dizer: “trabalho de casa, consultoria, totalmente remoto”. Na verdade tenho dito isso até quando não me perguntam. Mas por que esse orgulho todo? Simples, pois encontrei um lugar que consegue equilibrar o porquê, o quê e o como.

“Como assim?” você deve estar se perguntando. Por acaso você conhece ou se lembra do Golden Circle de Simon Sinek?

Do livro Start With Why de Simon Sinek

Compartilhei minha experiência pra ilustrar exatamente como eu enxergo o que poder ser o melhor modelo de trabalho. E ele precisa ter um equilíbrio evidente entre o What, o How e o Why.

Primeiro, vamos às interpretações dos conceitos!

What: aquilo o que você faz. O seu trabalho em si, que pode ser como consultor(a) bacana de negócios, engenheiro(a) de alguma área, artista ou encanador(a).

How: como você faz. O formato do seu trabalho. Como você se envolve e se dedica ao seu trabalho.

Why: a grande razão de você fazer o que você faz. O tal do propósito.

Equilíbrio? Conte-me mais

A forma como tenho visto é que antigamente as pessoas se preocupavam demasiadamente sobre o que (“what”) você faz. O status de uma pessoa era exatamente sua profissão. Talvez ainda existam muitos contextos que se concentram em valorizar o que se faz, como no caso das startups que já citei aqui.

Com essa história de negócios de impacto de repente explodiu essa ideia de que temos que trabalhar com propósito. Muitas empresas, pequenas ou grandes, têm reforçado essa ideia. Eu mesmo comprei isso por um bom tempo.

As empresas tem utilizado o pretexto do propósito apenas para pagar menos e exigir mais. Tome cuidado!

O que tem cada vez mais ficado latente pra mim são pessoas que se cansaram desses modelos e estão buscando um trabalho que possa de verdade prover qualidade de vida — não esse papo de home office uma vez por semana ou ter cerveja, pingue-pongue e puff na empresa. As pessoas querem viver as suas próprias vidas!

Por isso o “how” é a peça que muitas vezes falta nessa balança. Eu sinto ter encontrado, pois hoje trabalho com algo que gosto (what), da forma que acho que faz sentido (how) e por um motivo bacana (why).

Porém, lembre-se: What, How e Why estão diretamente ligados ao seu momento de vida. Eles podem mudar mediante a uma série de acontecimentos.

E você? Consegue se ver nessa busca?

Cansei de ouvir aquela história de que você só será bem sucedido se você se doar por inteiro ao seu trabalho. Não duvido nem um pouco disso. O problema nessa crença está na definição do que é “sucesso”.

Com essa valorização exacerbada do empreendedor, o pica das startups, o grande e maravilhoso “founder”, fica realmente difícil entender o seu próprio significado de “sucesso”. E tenho cada vez mais me interessado por pessoas que comprovam que é possível ter sucesso sem virar um escravo do seu próprio propósito.

Diga-me, onde você está nessa jornada? Já conseguiu buscar seu equilíbrio?

Um agradecimento em especial ao Lucas de Toledo, ao Gabriel Gorski e à Leticia Cerqueira pelos feedbacks sobre o texto e à Nathalia Melo, pois nossos papos me ajudaram a estruturar esse conteúdo.

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Bruno Bonini

Um ser questionador que gosta de (re)criar processos, modelos, formatos e afins.