Os problemas da ‘representatividade’ e o seu fenômeno reducionista

TheNothing
6 min readMar 14, 2018

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Nos dias de hoje, a palavra “representatividade” ecoa em nossos ouvidos no meio de tantas outras como “empoderamento”, “igualdade” etc. O que venho analisando particularmente é que, mais e mais pessoas passaram a aderir tal palavra e apoiar o que há por trás dela com pouco questionamento do que estão apoiando.

Então, será mesmo que representatividade importa? Será mesmo que o modo com que esta palavra esta sendo usada é o modo correto?

Bem, a resposta para a primeira pergunta é: sim; e a resposta para a segunda: não. A representatividade é importante. É importante por exemplo, ter um político que lhe representa no Congresso Nacional, que representa suas ideias ou que ao menos se aproxime do seu ideal de sociedade. Logicamente, ninguém gostaria de ver somente políticos de esquerda, políticos de direita ou de apenas uma ideologia, decidindo o que é melhor para você ou decidindo como você deve viver, pois isto seria uma ditadura. Em uma ditadura, obviamente, a representatividade do povo não importa e o que importa é somente a vontade do grande líder ou que na cabeça dele ele represente.

Mas então, qual seria o grande problema da “representatividade”?

O problema da representatividade é: falar por todos. A ideia de representatividade por raça, localidade entre outros, atua como um coletivismo e pode ser um problema sério. O fato de você representar uma comunidade, uma raça, um país, é quase um fardo. É extremamente necessário para aquele(a) que representa um coletivo de pessoas ser bem cauteloso com suas palavras e atitudes para que as pessoas sintam-se representadas e confiem no representante, caso contrário, ele(a) perderá apoio daqueles que antes representava e isso pode resultar numa falta de legitimidade do “cargo”.

Um outro problema é que: você nunca representará todos. É muita pretensão e ingenuidade pensar que você representa metade da população ou um país inteiro, porém, é comum não ter total apoio, e isto faz parte do processo. Todos sabemos que existe uma pluralidade de ideias e pensamentos, acordos e desacordos, pessoas discordantes e concordantes em diversos temas na sociedade. Com isto, é importante lembrar que, não é porque você se encaixa em uma dita minoria que você estará se sentindo representado por aqueles que se proclamam defensores das minorias. Pelo fato de as pessoas serem livres e terem a liberdade de pensamento é que você não pode obrigá-las a concordar com você. No momento que você toma esta atitude de imposição de ideias, você ataca a diversidade no mesmo instante — que é aquela que muitas pessoas dizem defender com unhas e dentes.

Não estou aqui pra dizer que é impossível você como um representante realizar projetos para um bem comum. Por exemplo, um presidente não pode ter apoio de boa parte da população mas mesmo assim pode trabalhar para um bem comum entre todos sem nenhum problema. E o que faremos para alcançar o bem comum? Por vivermos em sociedade, a resposta é clara: cada um deve ceder um pouco de si para que ela funcione de maneira harmoniosa, e isto vai desde impostos à consensos e acordos etc.

Embora pareça que tocamos em todas as variáveis possíveis da representatividade, ainda há alguns outros pontos que se fazem extremamente necessários para este texto. Basicamente, todo ele foi para falar da “representatividade comum” e seus problemas. Entretanto, há um fenômeno que vêm acontecendo nas mídias sociais que venho chamando de: representatividade reducionista ou a representatividade sem ideais ou como preferi-la chamar.

A representatividade dos dias atuais é uma representatividade com aversão às ideias, ao caráter dos indivíduos e que exalta somente as características físicas dos mesmos reduzindo-os também à mera cor de pele e sexualidade.

“Jojo Toddynho” cantora de funk. Autora do hit “Que tiro foi esse?”

Não é difícil perceber que hoje muitas pessoas estão usando de bandeiras sociais para ascenderem socialmente de alguma forma. Os artistas parecem estar mais com vontade de serem reconhecidos por suas características físicas ou preferências sexuais do que pelo seu próprio trabalho como artista, suas musicas e seu conteúdo de forma geral. Um grande exemplo que podemos usar é a cantora de funk “Jojo Toddynho” que canta a musica “Que tiro foi esse?”.

Lembro-me de ter visto uma entrevista na emissora Globo onde ela disse que queria deixar um “legado” para a sociedade, e que sabia que a fama um dia iria acabar. Louvável, correto? Porém, que legado existe nas musicas de funk da cantora? É uma musica como qualquer outra e que não tem nenhum conteúdo relevante (Basta procurar e confirmar). Suas musicas logo entrarão em ostracismo e não vai demorar muito para que ela mesmo entre em esquecimento total pelo publico — ao menos ela é ciente disto. A cantora também adora se auto-afirmar como negra, gorda, periférica — como se ninguém pudesse ver que ela é tudo isto, exceto periférica diretamente.

Este fenômeno de auto-afirmação e essa pretensão de representar um grupo de pessoas apenas por causa de semelhança física/preferencia sexual à um grupo, é um profundo vazio.

Na internet, esta representatividade reducionista vem criando algumas bizarrices bem autoritárias. Ou seja, se você não for negro, não for gay, não for travesti, não for transexual, não for mulher (adicione qualquer outra dita minoria aqui), é impossível que você represente estas pessoas. Em outras palavras, se eu sou branco e luto contra o racismo (por mesmo que seja ao modo movimento negro) eu não posso representar os negros e não posso nem dar nenhuma opinião porque eu estaria “roubando” o “lugar de fala”. Sim! Os ideais não importam mais! O que importa é a minha característica física que é a cor da minha pele!

Será que Abraham Lincoln quando declarou a abolição da escravatura nos EUA não representava a população negra apenas porque ele era branco? Ou será também que a Princesa Isabel quando aboliu a escravatura no Brasil não representava também os negros naquela época porque também ela era branca?

Este embate racial está crescendo no Brasil de forma alarmante e preocupante. Hoje não é difícil de ver pessoas compartilhando ódio à brancos e dizendo que isto não é “racismo” com as mais variadas justificativas para tal. E enquanto isso, a mesma lógica vêm sendo aplicada na África do Sul onde estão literalmente matando fazendeiros brancos por causa de sua cor da pele! E o silêncio da mídia é ensurdecedor! Veja aqui alguns depoimentos de brancos sul africanos aqui. OBS: Está em inglês.

Protagonista do filme Pantera Negra

Um outro exemplo que não poderia escapar deste texto é sobre o filme “Pantera Negra” lançado recentemente. Por o filme ter 90% de pessoas negras no elenco houve um surto dessa representatividade reducionista em vários locais do mundo. A maior parte dos comentários sobre o filme não foi sobre os efeitos especiais, a música, o conteúdo, os papéis dos atores, direção etc. Tudo isto foi jogado para o escanteio e o que se sobressaiu foi apenas um grande surto de pessoas repetindo como um mantra: “cor de pele, cor de pele cor de pele”. E eu não vou nem mencionar os comentários bizarros anti-brancos que eu vi por aí.

Eu me pergunto se os atores negros gostariam de ser lembrados na história do cinema somente devido sua cor e não o seu trabalho. Imagino como deve ser horrível se esforçar bastante para ser um grande ator para que as pessoas apenas lembre de você futuramente porque você tinha um tom de pele mais escuro. E eu também me pergunto se vamos conseguir ver um filme ou um desenho sem ter uma histeria racial quando os protagonistas dos mesmos for um negro.

Eu realmente temo o dia onde as crianças verão um desenho e ficarão extasiadas não pela trama, o caráter do personagem mas sim apenas por ele(a) ser de um cor específica de pele.

Eu não estou aqui pra julgar você que se sentiu representado e que adorou o filme. Não é este meu intento. Estou aqui apenas para trazer uma reflexão minha sobre este assunto. Se você acha que o filme foi um marco pra história e que isto é importante. Está tudo bem! Esta crítica não é um ataque à você e sim à uma certa mentalidade que venho observando.

Será que vamos voltar novamente para época onde as pessoas eram reconhecidas pelo seu trabalho e não pela cor de pele? Será que vamos ver músicos ou musicistas parando de utilizar de auto-afirmação e subindo nos palcos e mostrando para o que vieram sem ter que exaltar alguma característica física para chamar atenção da mídia e ascender no ramo?

Não seria esse um indicativo de um embate racial cada vez mais crescente no mundo?

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