Enterprise UX Designer

Reflexões sobre o papel de UX Designer em grandes empresas

Bruna Kochi
8 min readApr 14, 2017

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Trabalhei como UX Designer em empresas de tecnologia com diversos tipos de ambientes, culturas, tamanhos e perspectivas. Desde empresas bem pequenas até grandes corporações. Esse post são algumas reflexões para você que é UX Designer ou curte UX. Vou contar um pouco da minha experiência trabalhando em grandes empresas e como foi possível realizar mudanças em ambientes que muitas vezes podem parecer extremamente fechados.

“A maioria das pessoas acredita que User Experience é somente encontrar a melhor solução para os seus usuários — mas não é. UX trata sobre definir o problema que precisa ser resolvido (o porquê), definir para quem esse problema precisa ser resolvido (o quem), e definir o caminho que deve ser percorrido para resolvê-lo (o como).” — Whitney Hess

Acredito que a maior dificuldade de implementar processos e metodologias de UX em grandes empresas é o fato da maioria das pessoas entenderem a área como esse modo simplificado, de encontrar melhores soluções para o usuário, pensar em wireframes e interfaces melhores para seus produtos. E o papel como UX Designer é conseguir mostrar que a área vai muito além disso, entender o ‘porquê’, o ‘quem’ e o ‘como’ é essencial para os projetos e em grandes empresas parece que o gap é ainda maior.

DIFERENÇA DE CULTURAS

Independente do tipo de empresa, todas possuem seu lado bom e ruim, como tudo na vida. Em geral, empresas pequenas possuem bastante restrição em relação a verba e é muito importante que uma pessoa seja responsável por diversos tipos de atividades e responsabilidades. É possível aprender muita coisa de forma rápida e eficiente. A comunicação é feita de forma mais próxima e direta entre o time e também com o cliente. O impacto do seu trabalho como UX Designer em pequenas empresas muitas vezes é maior e mais visível. Nas grandes empresas o cenário muda, às vezes você é apenas mais um UX em um time enorme e o seu cargo é específico para determinadas atividades. A comunicação é distribuída em camadas e o impacto do seu trabalho depende um pouco da sua posição e do seu projeto.

O modo como a empresa se estrutura independe do tamanho, uma organização hierárquica pode ser criada mesmo em uma empresa de 2 pessoas onde um manda e o outro só obedece. É mais comum em empresas com cultura de startup existir uma estrutura mais horizontal onde todo mundo pode falar, dar ideias e ter uma relação de confiança mútua. Em grandes empresas, devido a setorização de áreas e cargos, é mais comum manter uma hierarquia vertical.

Entender como a empresa se organiza e qual o fluxo de trabalho das pessoas é muito importante para a(0) UX Designer conseguir tatear as diferentes áreas e conseguir mostrar o valor de UX. A cultura de grandes corporações mantém uma estrutura de camadas que muitas vezes parecem barreiras incomunicáveis ou difíceis de serem atravessadas. Conseguir olhar as áreas como camadas independentes e posteriormente com uma visão holística, fará de você um UX Designer mais acertivo nas decisões e terá todas as equipes aliadas para buscar melhores soluções. Conseguir trazer o lado do design estratégico como suporte ajudam nas escolhas de metodologias e nas suas ações ao longo de todo o projeto.

COMUNICAÇÃO

A comunicação é o bem e o mal do século XXI, toda empresa sempre terá problemas de comunicação. Algumas maiores outras menores, e por incrível que pareça não é proporcional ao tamanho da empresa. Penso que o problema de comunicação está mais associado ao engajamento e às fases de projetos. Pequenas empresas também sofrem de falta de comunicação, falhas de comunicação e também pelo excesso. E novamente, a(o) UX designer tem papel fundamental no bom andamento da comunicação e na integração das áreas. É o responsável pelo mapeamento das necessidades dos usuários, entendimento do uso do produto ou serviço e qual o melhor caminho a ser tomado. Para que cada pessoa entenda porque a alteração de uma funcionalidade é mais importante que a criação de outra. Porque o melhor caminho do projeto é esse e não aquele. E como cada um pode contribuir para que o projeto ande de modo fluido.

A RELATIVIDADE DO TEMPO

O tempo de planejamento, análise e produção que levaria em uma empresa de pequeno e médio porte ou uma startup é 3 vezes maior em uma grande empresa devido a quantidade de camadas que é preciso atravessar para poder comunicar, aprovar, retornar e fazer. Ao mesmo tempo que é quase impossível conseguir uma reunião que agregue muitas pessoas de diversas áreas em um mesmo horário por diversos dias, por exemplo para realizar um workshop. Pessoas que tem importância fundamental em algumas decisões mas que não podem dispor de mais de 2h com você. E novamente, cabe a você UX Designer entender e readaptar suas metodologias.

INTERESSES

A quantidade de áreas e cargos faz com que muita gente não saiba qual o papel de cada um, o que cada área faz, qual a principal função da área no projeto, quais as suas necessidades e seus interesses. E algumas vezes se você perguntar a uma pessoa o que a pessoa ao lado faz, ela não saberá te responder. É engraçado e trágico ao mesmo tempo.

A função UX Designer é, sem dúvida, conseguir quebrar essas barreiras e integrar todas as áreas de forma harmônica. Conseguir que cada um veja o valor que cada área pode oferecer, as necessidades e prioridades que cada um tem e conseguir extrair o melhor de cada um.

Um dos requisitos para que uma sessão de co-criação seja eficiente e tenha bons resultados é conseguir ter entre as pessoas um respeito mútuo e um sentimento de hierarquia horizontal, de forma que ninguém se sinta acanhado de falar por medo ou receio do que vão pensar. A escolha de métodos e ferramentas utilizadas é muito importante nesse momento. Dependendo de como se conduz as atividades, muitas pessoas se sentirão oprimidas ou sem vontade de falar com receio de serem julgadas ou mal vistas. Atividades que tenham um cunho mais individual, por exemplo exercícios de brainstorming em que cada um escreve sua ideia individualmente e depois todos compartilham, ou decisões de co-criação utilizando votações são modelos que costumam trazer mais valor e resultados mais fidedignos.

Sendo pequenas empresas, empresas de médio porte ou grandes corporações, ainda assim estamos falando de pessoas. E cada pessoa tem sua experiência, seu conhecimento e muitas ideias criativas! Quando passamos a quebrar os pré-conceitos e esteriótipos de cada área e entender as pessoas, passamos a não julgar uns aos outros, criando a empatia que tanto os designers defendem. A partir do momento que cada pessoa entende a importância de um processo, qual o valor agregado com a contribuição delas e porque isso trará um retorno a relação entre as pessoas é muito mais genuína. Ninguém quer ser apontado, ninguém quer ser julgado e muito menos deixar de ser ouvido.

Nós UX Designers precisamos entender o real motivo de cada um no projeto, parar e conversar de verdade com pelo menos 2 integrantes de cada área, seja conversando rapidamente no café, agendando um horário para bater um papo, marcando um almoço ou conversando pelo telefone. Quando o objetivo da conversa é claro, dificilmente alguém vai recusar te atender. Entender os usuários é parte fundamental para o sucesso de um produto ou serviço, entender a força motriz do negócio e do projeto é alinhar interesses e expectativas e saber exatamente a potência que você tem pra tornar o projeto ainda melhor. E a(o) UX Designer é capaz de ligar esses pontos da melhor forma possível, trazendo empatia, motivação e principalmente clareza entre todos os envolvidos.

PARADIGMAS

As grandes empresas muitas vezes enfrentam alguns paradigmas que foram gerados pelo tempo, às vezes pelo histórico de processos, outras pela cultura de gerações, mas acho que um fator que é bem crítico é a existência de um coletivismo à respeito da 'não mudança', não querer mudar pelo fato de muitas vezes ter dado errado, às vezes ter tentado e não ter conseguido bons retornos ou ainda nem ter tentado. Em alguns casos muitos processos são aplicados sem nenhum questionamento. Isso é bem retratado nesse conto sobre uma tribo:

“Uma tribo que há anos cozinhava o peixe sem rabo, uma receita passada de gerações em gerações até um dia uma pessoa se questionar porque nessa tribo sempre cortavam o rabo do peixe ao cozinhá-lo enquanto outras tribos cozinhavam o peixe inteiro. Perguntaram à cozinheira e sua resposta foi: Eu sigo a receita da minha mãe. — Perguntam à sua mãe que respondeu: Eu sigo perfeitamente a receita da minha mãe. — Curioso foi atrás do histórico até descobrir que a primeira pessoa que fez o peixe resolveu contar o rabo do peixe e seu motivo era: não tinha uma panela grande o suficiente para caber o peixe inteiro e resolveu cortar o rabo.”

A moral da história é que muitas coisas são mantidas e às vezes as pessoas simplesmente não sabem o porquê. Das hediondas frases: “Quando cheguei já estava assim”, “Se está funcionando, melhor não mexer”, “Me falaram que é assim que funciona”, principalmente em grandes corporações onde o fluxo de informações e processos é extremamente complexo, muito do que foi criado e desenvolvido leva muito tempo para ser atualizado ou modificado. Passam adiante pelo simples fato de nunca ter sido questionado ou porque a mudança daria muito mais trabalho do que manter como está, às vezes pelo motivo de “Sempre foi feito dessa forma, por que vamos fazer diferente?”.

E essa é a questão que todo bom UX Designer precisa saber responder, por que mudar processos? Por que executar novos modelos? Por que utilizar diferentes metodologias? Saber entender qual o core business da empresa, quais são os pontos que podem e devem ser melhorados e porquê. Saber quem assume cada papel e quais são seus interesses para mostrar qual o valor e resultado de cada ação.

Muitas pessoas que tem um potencial gigantesco mas estão apenas guardados atrás de desculpas como: “aqui é diferente”, “aqui eu sou o único ux”, “aqui nada vai mudar”. E o questionamento que faço é olhar para si mesmo e entender o quão disposto você está para novas mudanças, entender quão grande é o passo que você pode dar. Compreender em quais pontos a sua empresa precisa melhorar, em quais tópicos a empresa não está enxergando valor e onde é preciso tomar ações. Saber diagnosticar cada parte do processo e mostrar valor a cada ação.

Metodologias, processos, fluxos de trabalhos são criados com o tempo e existem como um paradigma extremamente difícil de ser quebrado. É preciso entender que, às vezes, o caminho não é a quebra desse paradigma existente e sim a criação de um novo paradigma que lentamente pode ser absorvido, adaptado e entendido por futuras gerações.

Essas são ideias que tenho refletido com o tempo e espero poder ajudar de alguma forma no seu dia-a-dia. :)

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