‘BH é nois’ — O que torna a coletividade do funk mineiro singular no cenário funk nacional?
O funk produzido em Minas Gerais e, mais especificamente, na capital Belo Horizonte conquista cada vez mais ouvintes e manchetes de jornalismo cultural no Brasil. Com challenges virais no TikTok, vídeos com mais de 60 milhões de visualizações no Youtube e músicas que lideram rankings no Spotify, hoje, o funk mineiro pode ser considerado um fenômeno — um estilo, uma cena, uma especificidade territorial do funk brasileiro ou, quem sabe, até um subgênero que tem conquistado os mais diversos cantos do país.
O funk em Beagá acontece e marca presença na vida cultural da cidade desde os anos 80. Mas, na última década e, principalmente, nos últimos 5 anos, uma sonoridade singular tem sido cada vez mais demarcada nas playlists, páginas de soundcloud e nos fluxos de baile mundo afora, encontrando bandeira levantada na pergunta/máxima: “BH é quem?”. Entoado tantas vezes por MC Rick nos versos e vinhetas das músicas que participa e produz, esse grito de pertencimento/reconhecimento hoje é replicado nos comentários de videoclipes dos mais diversos artistas de funk mineiro no YouTube, em pixos espalhados por muros de BH, além de filtros personalizados de stories no instagram.
A resposta à pergunta a gente também sabe. Ela foi, inclusive, estampada em led no centro da capital mineira, na primeira edição da Festa da Luz de Belo Horizonte, que ocorreu em outubro de 2021: “BH É NOIS”.
E o que essa coletividade que define todo um território significa? O que compõe esse nós — esse pertencimento tão afetivo?
MC Mika, um dos novos nomes mais relevantes da cena, que integra a Tropa do 7LC, faz questão de apontar para um funk mineiro que não se prende a modelos e estruturas sônicas, tendo a diversidade como chave para consolidar a singularidade.
“O funk mineiro não fica preso em uma melodia, um tom ou em um instrumento. É uma mistura louca mesmo… usa um beat lata, um ponto de voz, usa um instrumento de pagode, usa um instrumento de igreja, uma coisa mais melódica, sabe? E acaba virando essa junção toda, de uma coisa diferente. A gente faz um pouco de tudo, usa um pouco de tudo… No momento agora, a gente tá fazendo o que é a melodia embrasada, que mistura um ponto mais delicado com um beat mais embrasado pra poder dançar, que são as músicas que estão estourando no Tik Tok. Então, eu acho que eu não tenho como definir o funk mineiro, porque são várias características e todo dia a gente inventa uma nova.” (MC Mika)
Essa mistura louca, apresentada pela Mika, tem suas origens na virada “minimal” das produções do funk mineiro, iniciada em meados de 2014 — sendo MC Delano o principal nome a carregar os precedentes da cena atual, como apontado por MC Sapo aqui, pelo jornalista GG Albuquerque aqui e pelo portal G1 aqui.
Por minimal, pode-se entender a qualidade de usar poucos elementos na colagem eletrônica das produções do funk belohorizontino — o famoso “menos é mais”. Desta forma, apesar da mistura de elementos sonoros diversos e improváveis na estrutura musical das faixas, esta construção ainda se dava de forma mais pontual, mais espaçada e menos preenchida, cortando excessos antes mesmo destes aparecerem nas narrativas instrumentais das músicas.
Atualmente, estas pistas iniciais de um estilo específico de se produzir funk, marcado pela mineiridade, guiam o que é chamado de ‘pique bh’. Mas até chegar aqui, houve um ciclo desenhado historicamente que possibilitou mirar, cada vez mais, midiaticamente, na afirmação coletiva de “BH É NOIS”. Afinal, como canta MC Saci, “a mídia deixou nois bonito, a mídia deixou nois forte”.
Construindo a maladeza do ‘PIQUE BH’
De maneira afim às demais produções fonográficas nacionais do gênero nos anos 80, os primeiros passos do funk belo horizontino também se deram por influência da música eletrônica dançante norte-americana (principalmente o Miami Bass), com o impulso dos bailes black que se difundiram na periferia da cidade desde os anos 1970. Já em meados da década de 90, começam a surgir os mestres de cerimônia (MCs) locais, duplas ou grupos que cantavam suas músicas, influenciados pelo processo de nacionalização do funk iniciado no Rio de Janeiro.
A construção desta cena também teve seu processo de formação atrelado às articulações territoriais das manifestações populares que ocorriam nas diversas regiões da capital mineira. Inicialmente identificado pelos bailes em quadras esportivas e pela vertente ‘consciente’ em suas letras, com o avanço dos anos 2000, o funk mineiro foi se modificando e incorporando estéticas próprias que atualizaram as formas e fenômenos hibridistas já característicos do funk. Os bailes de favela começaram a se popularizar e reunir públicos e manifestações nas regiões da Zona Sul, como no Aglomerado da Serra — um dos maiores complexos de favela da América Latina — e se ramificou por outras regiões da capital mineira que hoje são marcadas como local de bailes famosos (vários que estão presentes nos títulos de músicas citadas nesta matéria abaixo).
São produções que vêm constituindo suas marcas próprias, aspecto determinante para a singularização de uma cena musical, e trouxeram uma sonoridade característica da produção escoada e consumida em bailes nas quebradas e, fortemente, nas plataformas online.
É neste ponto que o cavaquinho e o beat de Delano desempenham um dos turning points fundamentais para o que viria a seguir. Em 2015, Delano lança “Na Ponta Ela Fica”. E em 2018, MC Rick, discípulo e apadrinhado de Delano, lança “Cobiçadas do Twitter”, já no pique BH. MC Rick também já trabalhava seus lançamentos desde 2015, quando Delano explodiu, mas foi em 2018 que a sonoridade mineira atual — e a vertente putaria nas letras — ganhou destaque nas suas músicas, com a resposta de alcance midiático também começando a mostrar sua potência. Com produção de PH da Serra e TG da Inestan, “Cobiçadas no Twitter” hoje alcança a marca de 7 milhões de visualizações no canal de Youtube da Doug Filmes.
Como destaca o jornalista GG Albuquerque em seu site Volume Morto — ao sugerir o surgimento de um “ambient space funk” característico de Belo Horizonte –, trata-se de uma estética marcada pela colagem musical de elementos eletrônicos, com maior destaque para os tons agudos, em ritmo lento e em uma narrativa minimalista e atmosférica, ‘espacial’, que se diferencia da fórmula de frequências graves (“o tamborzão”) em 150bpm popularizada no Rio de Janeiro.
Todas estas características, juntamente aos adjetivos ‘viajado’, ‘brisado’, ‘psicodélico’ e ‘aleatório’, são utilizadas para explicar o embrasamento do funk mineiro. Desta forma, além da marcação de um bpm mais lento, do beat agudo espaçado e da inserção aleatória de pontos, melodias e sons diversos — a mistura já citada por MC Mika (risada de pica-pau, vinhetas de videogames, gemidos e barulhos cotidianos) -, algumas destas chaves de ambientação ‘viajada’/‘psicodélica’ (ou, mais precisa e mineiramente, malada) se justificam, também, pelos usos de efeitos sonoros presentes nas produções como o reverb e o delay.
Sendo o primeiro: classificado basicamente como um eco. O que o efeito de delay (atraso, em inglês) faz é gravar de diferentes formas o sinal de uma emissão sonora e tocar novamente depois de um período de tempo. Esse “tocar novamente” o sinal é chamado também de “feedback” (do inglês, algo como “realimentar”).
E o segundo: um efeito de reverberação, que busca simular o espaço acústico no qual o som é reproduzido, através da soma de todas as reflexões que acontecem quando as ondas sonoras encontram uma superfície refletora.
Em vídeo no Instagram, o Dj Xuxu MPC, de Ribeirão das Neves, faz dois pequenos tutoriais explicando algumas dessas escolhas de montagem eletrônica (“Pega um ponto e enche de reverb…”; “Agora, você enche de track aqui e colocar um tanto de coisa aleatória”; “Acha um ponto de voz qualquer, de preferência, uma voz bem grave que dá pra distorcer bastante”): aqui (parte I do tutorial) e aqui (parte II do tutorial).
“BH É QUEM?” — Como o Brasil chegou à capital mineira?
Desde os anos 90 e, posteriormente, passando pelas viradas de 2015 e meados de 2017, o pique BH comeu quieto até alcançar os topos das playlists de funk nas plataformas de streaming e ganhar o molejo dos challenges e danças do Tik Tok.
E seria impossível falar do momento atual e deste alcance — agora, sim, comendo barulhento e ruidoso — da cena malada sem falar das plataformas digitais.
Nesta trajetória, pode-se investigar que, nos anos 80, as expressões musicais ‘periferizadas’ (não só periféricas no sentido geográfico, mas periferizadas ao serem atravessadas por opressões, majoritariamente, de raça e classe — deslegitimadas pelas camadas médias urbanas, pela crítica musical oriunda da MPB e pelas instituições de poder), encontravam seu caminho até o ‘centro’ (econômico e geográfico) da cidade se valendo da ocupação física, cultural e política, do espaço urbano: com eventos como o baile Máscara Negra (na região da Savassi) e o evento BH Canta e Danca (na Praça da Estação), como pontua o pesquisador mineiro Roger Deff. Desta forma, modificando uma demografia que “antes era majoritariamente branca, que passa a ser habitada também por jovens majoritariamente negros”. Mas já na época pós anos 2000, podemos nos questionar quais usos estratégicos DJ’s, MC’s e produtores culturais fizeram das redes digitais e das tecnologias de produção musical independente para que um caminho sônico singular do funk mineiro tensionasse o que se chama de centro e o que se chama de periferia, exportando características específicas de um jeito de se pensar estrutura musical eletrônica para outros estados brasileiros e tendo seus artistas e produções lotando casas de shows dedicadas à elite belo-horizontina ou casas majoritariamente dedicadas a outros gêneros musicais sempre menos marginalizados (como o Clube Chalezinho ou A Autêntica).
Em 2016, Henrique Douglas, que tinha sua atuação artística ligada ao rap até então, começava a dar os primeiros passos na formação da produtora Doug Filmes, que hoje abriga mais de quatro milhões de inscritos e 50 milhões de visualizações em seus vídeos, estabelecendo-se como um dos principais canais do audiovisual funkeiro nacional e reunindo em seu catálogo artistas de destaque como MC Rick, MC L da Vinte, MC Anjim, MC Kaio, DJ Ray Lais, entre outros.
Junto do Spotify e do Soundcloud, o Youtube desempenhou um papel fundamental no processo de escoamento das produções de um funk especificamente mineiro. Os aspectos técnicos da plataforma — como espaço para comentários, acesso gratuito aos conteúdos e facilidade para artistas independentes publicarem produções autorais — juntamente à potência do videoclipe enquanto uma dimensão audiovisual da fruição de música (diferente da escuta simplesmente ’sonora’) ajudou esta sonoridade mineira, que possivelmente contrapõe as estruturas musicais mais convencionais ou típicas do funk brasileiro, a ter suas singularidades sendo postas, comentadas, enquadradas e consolidadas.
Neste caminho, o projeto “BH NO TOPO”, que funciona como uma cypher do canal Doug Filmes, já conta com 8 edições (vídeos publicados com diferentes MC’s e DJ’s) e mais de 5 milhões de visualizações. Tanto o título do projeto, quanto os comentários dos usuários sobre os vídeos publicados parecem ilustrar um sentimento de identificação dos produtores e ouvintes do funk mineiro, o qual ganha espaço de enunciação e troca nos clipes exibidos na plataforma.
Henrique Douglas, o Doug, explica que a concepção do BH NO TOPO aconteceu no intuito de fomentar a união de diversas cenas, produtoras e artistas do funk em Minas Gerais e fazer os nomes destes atores e atrizes culturais circularem:
“Ele se fundou exatamente nessa intenção de unir artistas de várias produtoras, né? O projeto se tornou maior do que os artistas, o BH no topo é o projeto mais conhecido de Belo Horizonte e de Minas Gerais, conhecido até fora… A gente teve algumas participações de artistas de fora para exatamente levar o BH pra fora. Eu coloquei, por exemplo, MC Drika, que hoje é uma das mulheres do funk mais bem conceituadas… chegou a passar até Anitta em streams em uma certa época. Então, ela participou do BH no topo totalmente na intenção de levar o nosso funk pra fora — e deu certo, entendeu? Então o BH no topo foi exatamente um projeto pra pôr BH na cena. Acredito que esse tipo de projeto aí ajudou muito hoje o funk ser o que é, entendeu?”
Hoje, a Doug Filmes, que tem suas forças todas direcionadas para a circulação audiovisual, conta com uma repartição da empresa (e um segundo canal de YouTube) especializada em produção e lançamento musical — a Doug Hits.
Os vídeos no Youtube, além de fazer circular características sonoras e performáticas singulares da produção local, também ocupam espaço de expressão desta cultura territorializada, explicitando os registros visuais de comunidades, bairros e espaços culturais mineiros além de apresentar os dançarinos e as coreografias já tidas como clássicas da capital: o Passinho de BH — outra importante preciosidade da cultura periférica belorizontina que abriu um importante caminho na “última” plataforma digital, o Tik Tok.
“Como os cria é solto”
Falando em Tik Tok, veículo onde muitos dos hits mineiros ganharam challenges e trends que ajudaram a impulsionar o consumo das músicas da cena, é também neste espaço que os passos de dança diferentes das tendências coreográficas mais padronizadas da rede social chinesa se destacaram por sua especificidade malada.
O Passinho de BH ou Passinho Malado é a dança que percorre os bailes de BH e região metropolitana e que tem origem e influência do Miami Bass. O artista FBC, em seu álbum “Baile” — lançado em 2021 e definido pelo próprio compositor como uma “Ópera Miami” -, referencia as tropas de meninos de favela lançando passinhos nos bailes funk, na faixa “De Kenner”:
“É foda/ Quando toca essa no som do baile / Muda o clima na moral/ Geral lança o passo / Um pra frente, dois pro lado / Girando pro meio / Meu Deus, como os cria é solto / As menina para / Chora, não disse por onde”
Atualmente, é possível encontrar diversos vídeos de tutorial no Youtube sobre como dançar o Passinho de BH. No entanto, o dançarino, coreógrafo, diretor e produtor cultural Wellington Carlos, mais conhecido como Negona Dance, faz questão de pontuar que “a sala de aula do passinho malado é o baile funk”.
“O Passinho de BH tem uma corporalidade, uma originalidade muito grande (…) que é de se mover num plano mais baixo, sabe? De ter um gingadinho mais malandro, vamos dizer assim. Então, quando a gente pensa em Passinho do Malado, a gente pensa numa corporalidade de Belo Horizonte que é influenciada pelos bailes, né? (…) Não é simplesmente um passo de dança, é uma corporalidade também.”
E esta corporalidade também passa por atravessamentos de gênero e sexualidade. Negona, que é estudante de dança na Universidade Federal de Minas Gerais, explica que também pode-se pensar em como o Passinho de BH surgiu da curtição de meninos hétero em baile e hoje tem suas reconfigurações:
“É um jeito meio hétero, a gente pode dizer assim, de se dançar, sabe? E hoje as meninas e a a população LGBT também colocam sua corporalidade, mas ele surge como um um movimento sempre naqueles bolinho de hétero que ficam tipo: ‘ah eu não vou rebolar, mas dá pra gente fazer alguma coisa aqui’… e isso começa a surgir assim dentro dos bailes funks e aí essa corporalidade ela se dá e invade tudo de BH assim. E aí, cada região lança um trem diferente…
O BAILE, A FESTA
“O funk ele não é truque, ele não tá num lugar assim de dancinha, sabe? Não, o funk é técnica, só que é uma técnica que cê não vai aprender na escola de dança do bairro, a sala de aula de quem quer aprender funk é baile funk, então cê vai ter que subir no morro e vai falar ‘olha, eu vou preciso vivenciar aquilo ali, já que eu quero aprender’… E aí, é muito nesse lugar, então, que o funk se torna potência, porque os funkeiros também entendem a potência que são e começam a se colocar nesses lugares.” (Negona Dance)
Assim como Negona, a cantora e compositora do Morro do Papagaio, Mc Morena, pontua sobre a influência que a festa, a curtição, O Baile, tem para a composição da cena funk em BH:
“Eu faço música pra ver as pessoas se divertindo no rolê que elas vão… eu quero ver geral dançando.”
Em entrevista ao Podcast 011, quando perguntada sobre o funk de BH ser “mais envolvente, swingado” , ela fala que é porque “a gente gosta de ir pro baile dançar”. Para além da sonoridade, em relação as letras de vertente putaria, “escrachada”, ela também faz a defesa, no jeitim-sotaque-mineiro, citando e cantando uma música sua com produção do DJ WS Da Igrejinha (“Elas Gosta Assim”): “É muito doido cê tá no baile e ouvir ‘vai, me machuca’… Cê é doido, até bandido dança”.
Não são poucas as músicas de funk mineiro que evocam e homenageiam Bailes em suas letras: Cobiçadas do Twitter, Coleção da Igrejinha e Subaquistão são alguns exemplos, citando respectivamente, o Baile da Binário (ou Baile da Serra), Baile da Igrejinha e Baile do Subaco das Cobras. E, para além disto, muitos DJ’s e MC’s carregam regiões da capital mineira e sua região metropolitana em seu nome artístico e citam estes espaços como lugares de festa, de curtição, ostentação e rolê bem sucedido nas letras e nas vinhetas — as quais tem o objetivo de enaltecer os artistas que assinam a produção das músicas (DJ João da Inestan, DJ WS da Igrejinha, DJ Vinicim do Concórdia, Dj Anderson do Paraíso, PH da Serra, etc).
No DJ Set do DJ Marcelo Mattos, lançado pela Doug Filmes em 2020, a música e o videoclipe se iniciam com um áudio de noticiário sobre viaturas da polícia militar se aproximando do terceiro maior aglomerado do Brasil, a Serra, e finalizam com MC Laranjinha cantando os versos: “Nós que mata e morre por ela: favela”.
Marcelo, que começou tocando pagode e teve o início no funk em 2002, hoje é DJ residente do Baile da Serra nas Quebradas, integrante do Observatório das Quebradas (um coletivo de político cultural de defesa da cultura afro-periférica urbana) e um dos produtores do Baile da Serra, junto com sua Tia, Cristiane Pereira: a famosa Kika, também presidente da Associação do Cafezal e conhecida por quase todes no Alomerado da Serra.
Sem Marcelo e Kika, grande parte da Festa, e das conquistas institucionais da Festa periferizada mineira, não aconteceria. A produção de um evento como o Baile da Serra — que foi o primeiro baile funk em Minas Gerais, e, talvez, no Brasil a funcionar com alvará — carregava (antes da pandemia) mais de 5 mil pessoas e empregava mais dezenas de outras, na contramão dos abusos, apagamentos e violências do poder público, da polícia e das camadas médias urbanas. A festa legalizada procura garantir que ações truculentas da polícia não ocorressem durante o evento, objetivo que foi firmado ainda em luto, quando Gabriel Soares Mendes, de 14 anos, foi morto durante uma intervenção policial no Baile da Binário (antigo Baile da Serra), em 2017.
Para Marcelo, que sempre faz questão de pontuar sobre a potência transformadora da cultura funk na favela, a despeito de todos os riscos por parte do racismo e da opressão de classe, o gratificante de ser um DJ no funk mineiro é “poder ajudar a comunidade, o pessoal das barraquinhas, que vende suas bebidas, que tá deslocando para montar palco… O funk gera renda pra comunidade.”
Lideranças culturais e sociais como a Kika, como o Marcelo ou como Kdu dos Anjos, do centro cultural Lá da Favelinha (que promove eventos artísticos, tem uma cooperativa de moda sustentável — a marca Remexe — e constrói parcerias com o objetivo de desenvolver projetos socioculturais de caráter educativo e empreendedor/capacitador), tem lutado para proteger, além dos bailes funk: o espaço da favela que os abriga e as pessoas que constroem este espaço diariamente.
Mostrando que Funk é política, é arte, sobrevivência, cultura e experimentação, a festa malemolente mineira tem ganhado o Brasil sem afobamento, de forma pontual, diversa, coletiva, escapando de um excesso sonoro que nunca lhe foi inato na mídia, mas, também, fazendo barulho, fazendo-se ser escutada — respondendo, dessa forma, que BH é esse ‘nois’ todo aí que nunca vai ser totalmente abarcado e especificamente nominado, caso alguém pergunte quem é.
Por isso, a pergunta se sustenta sempre: BH é quem?!
Abaixo, você pode conferir uma entrevista em vídeo com a MC Morena, trocando uma ideia sobre Funk Mineiro, trajetória artística, primeiro contato com o funk, sua visão e trabalho enquanto uma mulher na cena musical funkeira, intercâmbios com o brega de Recife e processos de composição:
Esta reportagem faz parte do Projeto “‘BH É QUEM?’ — o funk mineiro como cena musical”, realizado por meio do Edital no. 14/2020 SELEÇÃO DE BOLSISTAS PARA AS ÁREAS ARTÍSTICAS, TÉCNICAS E DE PRODUÇÃO CULTURAL, com recursos da Lei Aldir Blanc.