No céu tem álcool?

Primeira vez

Bebedeiras e gritos misteriosos em Porto Seguro

Rodrigo Budrush

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Era a primeira vez que Edu viajava sem a companhia dos pais. A turma do ensino médio resolvera trocar a festa de formatura por uma viagem em grupo e, após meses de muita expectativa, o bando estava prestes a curtir um final de ano sem amarras nas praias de Porto Seguro.

“Urrul!”

“Liberdade!”

“Pode vir que eu tô facinho!”

Os gritinhos empolgados dos colegas tiravam de Edu um sorriso amarelo. Ele não era bem um cara do agito: fazia mais o tipo tranquilão. Normalmente jamais aceitaria participar de um programa desses, mas:

1) ele acabara de completar dezoito anos;

2) estava a fim de tirar umas férias de seus pais controladores;

3) não via a hora de perder sua virgindade e

4) Milena havia confirmado sua participação nessa patifaria.

Milena. Ah, Milena! A garota a quem Edu ensaiava declarar todo o seu amor desde o segundo ano. A figura a quem ele já dedicara incontáveis homenagens. A beldade que lhe fazia travar toda vez que tentava estabelecer um contato mais avançado que um simples oi ou tchau. Maldita timidez que assola os invictos!

A primeira noite na pousada fora um inferno: Edu mal conseguira dormir. Havia uma abundância de mosquitinhos irritantes — para não falar do calor de quase quarenta graus em plena madrugada e de um ar-condicionado capenga que tinha que estar instalado justo no seu quarto. Mas beleza: tudo seria apenas engraçadas desventuras caso lograsse êxito em seus planos.

Assim que o dia raiou, a turma toda resolveu aproveitar o sol para torrar na praia. Edu, que não era brother de ninguém, resolveu contar os seus planos a Marcelo — de longe, o cara a quem ele era mais chegado. O colega lhe deu o maior apoio e ainda soprou-lhe uma dica valiosa: Milena curtia umas bebidas. “O negócio é dar muito aditivo e deixar ela em ponto de ebulição, moleque!”

Álcool. Taí um negócio com o qual Edu nunca se dera muito bem. Tinha ficado de porre duas vezes em toda a sua vida — em ambos os casos, com uma dose que não faria os seus colegas experimentarem sequer um delay. Passara tão mal que decidiu não beber mais. Nas festinhas da turma, era sempre o único rapaz com um refrigerante ou energético na mão. Como os outros caras costumavam lhe alertar, “isso tira o respeito de qualquer um!”. Mas Edu era ainda mais diferentão: tirava boas notas, gostava de literatura, não ligava para futebol e trocava qualquer festinha ou balada por uma boa partida de The Legend of Zelda. Poderia tranquilamente ser rotulado como um autêntico nerd. Mas era boa pinta e estiloso — usava óculos pretos e estava sempre de boné — , o que ajudava a evitar o bullying.

Fixou seus olhos em Milena como o felino que não tira a presa de vista: as curvas da morena pareciam ainda mais acentuadas naquele biquininho azul bebê. Seguiu as dicas de Marcelo e pediu uma batida de maracujá — “as mina pira numa batida!”. Andou até o seu alvo e ofereceu a cortesia, deixando-a animada. Que sorriso, Milena. Que sorriso! Puxou uma conversinha qualquer achando que a oferenda poderia ter surtido algum efeito, mas Milena o olhava com a habitual firmeza que lhe deixava desconcertado. Sem ter o que dizer, tratou de providenciar nova bebida. E outra. E mais outra.

Já era tardinha quando todos resolveram deixar a praia para curtir a noite porto-segurense. Edu acompanhava Milena com algum espanto, já que ela não demonstrava o menor sinal de embriaguez. Depois de uma escala na pousada, a turma toda seguiu para a chamada Passarela do Álcool, a zona boêmia da cidade. Entraram num barzinho descolado e iniciaram o desfile de drinques e cervejas. Edu, como sempre, os acompanhava apenas com um energético. Papo vai, papo vem e Milena enfim começou a transparecer aquela desinibição típica dos aditivados. Era a chance perfeita.

“Vai logo, moleque, manda o teu xaveco pra mina!”, cochichou Marcelo. Edu, porém, estava empacado feito uma mula. “Ah, não é possível”. O colega pegou Edu pelo braço e o arrastou até o balcão do bar, onde Milena mandava ver em mais um drinque. “Aí, gata”, Marcelo bradou para chamar-lhe a atenção, “chega aqui!”. Milena abriu um sorriso e andou um tanto quanto instável até os dois rapazes. Edu estava tão ansioso que o suor frio escorria de suas têmporas feito uma cachoeira. “Oi”, ele disse sem jeito. Marcelo, então, tentou ajudar: “Sabe o que é, gata, é que…”

“Ah, não fala nada não, vai, gatinho”, ela interrompeu em voz arrastada, tapando a boca do colega com um dedo. Em seguida, sem a menor cerimônia, entregou o seu drinque a Edu e atracou-se em Marcelo, lascando-lhe um daqueles beijos capazes de reviver a mais entupida das pias.

Completamente atônito, Edu largou o drinque no chão e saiu vagando desnorteado pelas calçadas da passarela. Trombou com outro turista, quase beijou a sarjeta e então acabou por entrar num outro bar das redondezas. Mais deprimido do que nunca, sentou-se ao balcão e, na falta do seu energético, pediu um drinque com vodca. Tentou beber tudo de uma só vez e acabou se engasgando. “Tá bem, meu rei?”, perguntou o barman. “Tô péssimo”, respondeu Edu. “Manda outra aí, vai, campeão!”.

E ele bebeu. Bebeu. Bebeu como jamais bebera em toda a sua vida. Fazia movimentos bruscos com a mão apenas para conferir o delay dos seus sentidos, o que o levava às gargalhadas. Já começava a chamar a atenção dos demais quando, após uma rajada de vento frio, viu alguém sentar-se ao seu lado junto ao balcão. “Milena?”, perguntou a si mesmo.

Não, não era Milena. Era uma jovem tão bonita quanto a outra, mas com cabelos dourados e trajes brancos e sensuais. Emitia uma luz hipnótica que tornava quase impossível não admirar sua beleza — e tinha uma voz tão agradável que ninguém se importaria de ouvi-la falar para sempre.

“Que belo boné”, disse ela com empolgação. Edu olhou para os lados para certificar-se de que o papo era mesmo com ele. “Hã… obrigado”, respondeu. A jovem aproximou o seu rosto da face enlevada de Edu — que, instintivamente, logo fechou os olhos para beijá-la. “Por que não vamos lá para fora?”, ela sugeriu. E os dois saíram do recinto como se flutuassem pelo ar.

Edu agarrou a jovem e olhou bem fundo em seus olhos cor de mel. “De onde você veio, coisa linda?”, ele perguntou. A moça iluminada apenas sorriu e o beijou. Logo Edu também começou a emitir uma luz diferente: estava muito excitado, experimentava uma sensação inédita em sua vida. “Quero te possuir”, ela anunciou. Em seguida, soltou-o e saiu em disparada. Edu, é claro, partiu atrás dela.

Como dois malucos na noite, correram às gargalhadas por um bom tempo até a jovem parar em frente a um grande portal azul ladeado por várias árvores. “Pousada eterna?”, perguntou Edu, lendo a inscrição que nomeava o local em letras bem grandes. “Vem comigo?”, ela o convidou, estendendo-lhe a mão. “Quero te possuir”, repetiu.

Os dois atravessaram o portal e se entregaram à volúpia. Não demorou muito para que começassem a externar seus gemidos de satisfação. Os gritos e sussurros se intensificaram de tal maneira que toda a cidade passou a ouvi-los. “Eu quero morrer disso!”, bradou Edu antes de o silêncio imperar de novo.

Segundo o Seu Jailson, coveiro do cemitério, aquela foi só a primeira vez. Todo verão, ali pelos últimos dias do ano, havia uma noite em que a cidade inteira ouvia gritos e gemidos de prazer, com um novo esqueleto aparecendo por lá na manhã seguinte. “Dizem por aí que uma moça iluminada seduz rapazes virgens e os traz até aqui, onde os consome para manter sua beleza”, explica ele. “Dá pra acreditar nisso?”

De fato, Seu Jailson. É mesmo muito difícil crer nessas histórias que o povo conta.

…e morreu.

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Rodrigo Budrush

Escritor, roteirista e videomaker. Conheça meu livro "Moscas Volantes": http://amzn.to/2gR4kPU