Contexto Histórico do Regime Nazista Alemão, por Sandra Schwab

Carolina Bicudo
6 min readJan 26, 2017

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O texto a seguir é uma tradução livre dos tweets de Sandra Schwab (@ScribblingSandy) que você encontra aqui: https://twitter.com/ScribblingSandy/status/824286591761924096

-Quando você cresce na Alemanha e passa pelo sistema educacional de lá, você aprende sobre o Terceiro Reich várias vezes.
Em História, nós o abordamos ao menos duas vezes; Em Alemão, nós falamos sobre isso quando lemos contos e poesia.
Em Inglês nós lemos “A Onda”, de Morton Rue. Quando “A Lista de Schindler” foi lançado, nosso professor nos levou pra assistir no cinema.
Quando tínhamos 15 ou 16 anos, nosso professor de História passou o filme alemão anti-guerra Die Brücke (A Ponte).
Uma das nossas excursões de escola foi ao Museu Judaico de Frankfurt e outra à um campo de concentração.
Na Alemanha, não podemos nos dar ao luxo de dizer “isso nunca vai acontecer aqui”.
Então nós não apenas aprendemos sobre os horrores da Alemanha nazista, mas também sobre o funcionamento da sociedade nos anos 30.
Nós aprendemos sobre como a democracia é vulnerável e facilmente derrubada.
Nós aprendemos que algo como o Holocausto não começa com campos de concentração e assassinatos, mas muito antes disso.
Começa com um discurso que visa desumanizar um grupo inteiro de pessoas.
Outra coisa que aprendemos é como era a vida na Alemanha nazista. Deixa eu te falar como é assustadoramente fácil um sistema assim surgir e se sustentar. Você pertencia ao partido errado? Você vai preso. Você contou o tipo errado de piada? Você vai preso.
Você quer que seu filho seja aprendiz na fábrica que é a maior empregadora da sua cidade pequena? É melhor que ele se una à Juventude Hitlerista.
(Foi por isso que meu avô se juntou a eles.)
Ah, e a sua filha? Ela é membro da Liga das Moças Alemãs? E se não é, por que não é?
E se você quer ser professor? Bom, é melhor você ser membro do Partido então.
E no “domingo de ensopado”, espere alguém do partido aparecer no seu apartamento ou casa. Eles querem se certificar de que você realmente fez ensopado e que você doe o que gastaria com carne para os esforços de fazer seu país soberano de novo.
(E se você não fez ensopado, é melhor ter uma boa explicação).
E você quer estudar o folclore alemão? Eu ouvi dizer que nossas raízes germânicas estão na moda agora. Melhor trabalhar com isso. Vá procurar umas runas.
Você quer ser autor? Bom, se você criticou os membros do nosso partido antes de estarmos no poder, nós vamos queimar seus livros
(Naturalmente, você não poderá publicar nada novo.)
Você comandou uma organização para a juventude nos anos 20? Naturalmente ela será fundida às novas organizações jovens nacionais.
Mas ei, essas novas organizações para a juventude (Juventude Hitlerista e Liga das Moças Alemãs) são bem legais.
Quer dizer, claro que existe alguma doutrinação política, mas você faz coisas animadas; Você faz excursões e viaja nos feriados.
Estão te fazendo sentir parte de um grupo — e nós sabemos quão poderoso é esse sentimento, certo?
Imagine viver num país assim. Imagine viver num país em que seus filhos estão sendo ensinados a delatar você e os professores.
Imagine viver num país onde vizinhos podem te delatar se você fizer piada sobre a liderança política.
Imagine assistir seu vizinho, um membro proeminente do Partido Democrático Socialista, ser levado pela polícia para um campo.
Imagine ver uma multidão furiosa destruir a loja do seu vizinho judeu.
Você teria coragem suficiente para contestar, sabendo que a multidão se voltaria contra você? O que aconteceria com sua família?
Ou você se tornaria parte daquela multidão? Porque ser parte de um grupo te faz sentir poderoso e importante.
Você seria parte dos espectadores que incentivam? Porque ao menos quando eles estão indo contra alguém, não estão vindo contra você.
Ou você está sentado no seu apartamento no fim da rua, com as janelas fechadas e as mãos sobre as orelhas porque Deus, você só quer seguir sua vida, e claro que não dá pra ficar pior, então é mais fácil não olhar de perto as coisas ruins que estão acontecendo à outras pessoas.
Sabe, da nossa perspectiva, é tão fácil dizer “Eu teria resisitido. Eu teria me manifestado”
Mas até você viver nesse sistema, até você estar numa situação semelhante, você não pode ter certeza.
Se você quiser ler sobre como era a vida na Alemanha nazista, eu recomendo o livro “A Sétima Cruz”, de Anna Seghers.
Anna Seghers (Netty Reiling) era de uma família judia em Mainz. Muito do trabalho dela joga uma luz crítica na sociedade.
Ela se juntou ao Partido Comunista Alemão em 1928, e se tornou membro proeminente do cenário político e literário de esquerda na República de Weimar.
Por essa razão, ela estava em perigo no momento em que os nazistas subiram ao poder, e ela e seu marido fugiram da Alemanha em 1933.
Pelos próximos anos, a família viveu em Paris, onde ela ainda recebia cartas de amigos e família.
Foi lá que ela começou a trabalhar em A Sétima Cruz, que agora tem o subtítulo “uma romance da Alemanha nazista”
Ela provavelmente terminou o romance no fim de 1938/começo de 1939, e tentou encontrar alguém para publicá-lo.
Quando a Guerra eclodiu, ela e seus filhos tiveram que fugir de Paris, enquanto seu marido ficou cativo em um campo de internação.
Eventualmente, ela conseguiu um visto de residência no México, o que significava que seu marido poderia sair do campo.
Eles foram pra Marselha, que era o único porto por onde refugiados ainda podiam sair da França.
(Nesse ponto ela já não tinha mais nenhum manuscrito de A Sétima Cruz em seu poder.)
A jornada da família não os levou diretamente ao México, mas para vários portos diferentes. Eles acabaram parando em na Ilha Ellis.
E não foram autorizados a entrar ou sair dos EUA. A situação já era desesperadora.
De qualquer forma, eles podiam receber visitantes, e um deles foi o agente de Segher, Maxim Lieber, que veio com um contrato de publicação de Little, Brown and Company para a tradução pro inglês de A Sétima Cruz.
Enquanto isso, Seghers e sua família finalmente foram autorizados a sair da Ilha Ellis e ir para o México.
A primeira edição alemã de A Sétima Cruz foi lançada no começo de 1943 por uma editora mexicana, El Libro Libre.
O livro se passa nos anos 30 e conta a história de 7 que conseguem escapar do campo de concentração Westhofen (que fica no campo Osthofen, que existiu em 1933–34 situado perto de Worms). O comandante do campo ergue sete cruzes no jardim principal e faz com que os homens/corpos que são recuperados sejam atados à essas cruzes.
O personagem central é Georg, um dos homens que fugiu do campo. Mas o romance não é apenas sobre sua fuga, mas sobre as diferentes pessoas que Georg conhece; gente de todas as classes sociais; gente preparada para ajudá-lo direta ou indiretamente
E gente que adoraria delatá-lo. A história também é sobre os antigos amigos de Georg, e sua família.
Quando eles ficam sabendo da fuga de sete homens de Westhofen, muitos se perguntam se Georg é um dos sete.
Por isso, muitos tentam encontar formas de ajudá-lo, enquanto outros — especialmente seu irmão mais novo, que ele ama muito — estão determinados e entregá-lo. Quanto mais tempo a cruz de Georg fica vazia, maior é o desafio que ele representa pro regime nazista.
A Sétima Cruz é um romance brilhante, que apresenta um retrato detalhado do que é a Alemanha nazista nos anos 30. Definitivamente vale a leitura.
E isso é tudo. Obrigada a todos que acompanharam essa thread. ❤

P.S.: Caso alguém esteja em dúvida, eu estou aterrorizada porque atualmente vemos a ascensão de partidos de extrema direita e sua retórica em muitas partes da Europa (incluindo a Alemanha, com a horripilante “Alternativa para a Alemanha”) assim como um movimento em direção ao autoritarismo em vários países ocidentais. E em alguns dias, é como se a escuridão estivesse aumentando e prestes a nos engolir.

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Carolina Bicudo

mãe, palmeirense, gosta de super heróis, navinhas e monstros