AS ESTRELLAS

Mensagem de Victor Hugo, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

KnowSpiritism
5 min readAug 8, 2023

Aos idealistas.

Essas lucidas gemmas que o Omnipotente engastou, as myriadas no escrinio azul do Infinito, qual se — por este houvesse passado velozmente, em carro triumphal, uma feerica Primavera, espargindo, em profusão, flores de diamantes, deixando assignalada sua trajectoria pela Via-Lactea, engrinaldada de petalas coruscantes, como outr’ora de louros e rosas, a fronte dos vencedores romanos, — são as diversas moradas dos espiritos redimidos, elevados de seres planetarios a entidades astraes, formando uma radiosa chromatica, de todos os matizes, que symboliza a da evolução psychica.

Irmãos! Se, por um segundo apenas, emquanto, habitaes a masmorra de trevas, contemplasseis, de perto, um desses ninhos resplandescentes, ficarieis, por certo, offuscados com tal intensidade que, por momentos terieis as faculdades mentaes conturbadas.

Não temos, na linguagem terrena, vocabulos precisos com os quaes possamos definir essa emoção da alma desagrilhoada da materia, quando se approxima das estrellas, nem ha tintas puras, de todos os cambiantes, que as possam imitar…

Os artistas mais egregios podem imaginar uma perfeição grega e immortalizal-a num painel; dar fórmas admiraveis e venusinas ao marmore e ao alabastro; eternizar um sorriso gracioso de mulher, como Da Vinci, na Gioconda; desenhar, em estrophes peregrinas de Alighieri, as mais surprehendentes fantasias e os sentimentos mais profundos — os mais barbaros e as abnegações mais sublimes; converter em vibrações melodiosas os sonhos mais bellos de Wagner, Mozart e Verdi; tudo conseguirão neste orbe, por inspiração do Supremo artista, mas, o engenho de todos elles periclita, os idiomas são imperfeitos, quando tentam descrever a luz ou fixal-a em uma tela…

Já foram copiadas as flores e as fórmas mais raras e seductoras; os episodios mais épicos, perpetuados pelos pinceis dos grandes genios; o azul do céu, transportado para as aquarellas mais formosas; a intelligencia humana, porém, não conseguiu ainda fabricar a tinta por excellencia, a tinta mater, que, eguale, que se approxime á luz….

Tudo tem conseguido — menos isso.

Eis porque ella é o emblema da Perfeição. Representa o impossivel, ou o irrealisavel neste planeta.

Para a humanidade terrestre é o inattingivel: é o symbolo da immortalidade, da divindade, do que se não alcança sem grandes esforços e só nas regiões ethereas…

A luz é um beijo divino esparso por toda a Creação. É a alma das estrellas e dos sóes, fragmentada da do Soberano do Universo.

Pois bem: se se não concretiza aquelle ideal neste mundo, no minusculo planeta em que soffreu Jesus, é plena de realidade para a alma lapidada, afeiçoada na forja ardente das arduas provas, remodelada, etherisada, quando se exteriorisa do casulo carnal, torna-se imponderavel e fluidica, tal um niveo floco de bruma. varado por um dardo de Apollo e póde, alfim, ascender ao Infinito…

O Infinito! palavra magica, inegualavel, que exprime, no entanto, vagamente a realidade: a vastidão sem limites, a amplitude sideral, em confronto do qual o Pacifico e o Amazonas não passam de atomos de agua, não havendo outra no vocabulario humano para expressar o Incommensuravel onde gyram bilhões de bailarinos — uns vestidos de crepe, outros de fulgurações de diamantes…

Imaginae, agora, o encanto, o assombro, a perturtação que se apodera de um espirito quando, pela potencia indescriptivel da volição, iniciando a sua trajectoria ascensional com a velocidade prodigosa de um raio estellar, começa a descortinar o Empyreo, o insondavel e illimitado Oceano de ether, onde as constellações, os planetas, as nebulosas, os cometas — Bellibeths do Espaço, — estão immersos, sem se entrechocarem movendo-se rhythmicamente como sob o influxo da batuta de ouro de uma orchestra invisivel, regida pelo Maestro divino que, jamais, no transcurso dos Evos, discrepou sequer uma semifusa luminosa da ouvertura celeste…

O espirito neophyto nos surtos arrojados pelo Incommensuravel, mergulhado num infindo Mar de luz, sente-se como allucinado — tem a vertigem do Bello, do Infinito, do Absoluto!

Não podem ainda os mais portentosos telescopios devassar o Espaço, sondar os sóes nelle existentes… Por isso, a idéa que todos os Flammarions e Laplaces fizeram a seu respeito, foi tão infiel quanto o julgamento de um infante, que comece a balbuciar as primeiras syllabas, sobre uma urbs desconhecida, embora lhe digam que é encantadora qual Veneza, ou Paris…

Não póde, pois, exprimir o que experimenta, o que o domina, quando é arremessado, bruscamente, da crosta da Terra aos paramos ceruleos, num voo indefinivel para a qual não ha termo de comparação; contempla, apavorado, o desfile assombroso dos corpos sideraes, formando uma interrupta e inegualavel apotheose, com o deslumbramento das irradiações em todos os cambiantes, em todas as gradações, em todas as nuanças…

Passa de um lume que lembra amethistas diluidas, de um roxo intenso, macio, doce, inimitavel, á cor do ouro pallido, suave, que invade subtilmente a alma, num mar de topazios lucidos; ha-os, tambem, de saphyra, de rubim, de esmeralda, que, para vós symboliza a consoladora esperança….

Irmãos! Não nos é permittido, porém, avançar mais sobre esses mundos radiosos, cuja descripção parece pertencer ao dominio exclusivo da Magia e da Chimera!

Hei de ainda, porém, — se for realisavel este almejo, — dar-vos outras paginas sobre esse magno assumpto, que interessa infinitamente ás almas delicadas, para as quaes o Ideal é um alvo a collimar, repellindo o materialismo de seus coévos.

Sonhadores, que vereis concretisados vossos encantadores anhelos, a todos vós é que eu dedico esta mensagem, á qual desejaria transmittir a impressão, que me vibra no intimo se houvesse, na dialectica humana, vocabulos bastante vigorosos com os quaes vol-a pudesse dar a conhecer.

“— Por que não vos permitte o Omnipotente ampliar as vossas revelações sobre o que se passa na amplidão constellada?” — indagareis, por certo.

— Porque poderiam offuscar as mentes… ou seriam incomprehendidas!

Faço ponto, pois. Levo, através do Ilimitado, o pezar de não poder — numa linguagem empolgante e fulgida — narrar a fascinação, o deslumbramento que senti, quando, bruscamente sahindo das sombras que me occultavam os primores do Universo, vi-me immerso na luz dulcissima, serena, velludosa, inaudita das estrellas, ficando convicto de que o Bello e o Maravilhoso, inattingiveis na Terra são realidades victoriosas no Além!

Victor Hugo

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"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."