DA RESISTENCIA CONTRA OS DEFEITOS MORAES

Mensagem de Allan Kardec, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

Caliban Kalitz
7 min readAug 25, 2023

1 — VII — 1913.

Parte I

Não póde ser facilmente conseguida a acquisição de conhecimentos imprescindiveis para alguem se tornar espirita, verdadeiramente christão, — aquelle que deseja, realmente, destruir todos os obstaculos que lhe entravam a evolução do espirito, impedindo-lhe de ficar regenerado, alvo, diaphano, puro!

Os aleijões moraes que deturpam uma alma são comparaveis ás raizes de gigantesca arvore, por annos e, ás vezes, seculos, se aprofundam pelo solo e não é sem abalo violento para o caule que alguma poderá ser extirpada…

É o que succede a quem está inveterado na pratica de determinadas transgressões aos Estatutos divinos e sociaes.

Se quizer desarraigar de seu imo tudo quanto lhe possa prejudicar, ou estorvar, o progresso animico, terá de sustentar uma refrega ingente, tenaz, incessante, contra si mesmo.

É mister, pois, um estudo consciencioso do proprio Eu, sondando-lhe quaes são os máos pendores e os defeitos para, effectuar a auto-analyse, buscar o correctivo, o antidoto ao mal que o affecta, o modo mais efficaz para o abolir de seu intimo.

O que aspirar seguir as pégadas de Jesus deve, como intrepido caçador de feras ou de serpes, — armado, porém, de denodo moral, de virtudes austeras, de invencivel amor ao Omnisciente, — fazer mira em todos os monstros que se emboscam no coração, para os domar, trucidar e vencer, heroicamente, como se fossem, realmente, sanguinarios tigres ou peçonhentos reptis.

Pouco a pouco, após dias, mezes, annos de luctas sem treguas, de guerrilhas constantes, as incorrecções de caracter vão sendo escoimadas delles.

Uma serenidade invejavel empolga o converso á Perfeição, saneado das impurezas que o não deixavam ser ditoso, — pois que não logra nenhuma ventura terrena o que não tem a consciencia recta, livre de qualquer desdouro.

As deformidades animicas, — que mais prejudicam a humanidade, — são: a impaciencia, a falta de confiança e de submissão aos designios supremos, a maledicencia, a soberba, a deslealdade, o odio, o egoismo, a vingança, o apego aos gosos materiaes e uma infinidade de outros defeitos, que seria fastidioso enumerar.

Estudae, pois, quaes os que predominam em vosso Ego, Espiritas, afim de lhes dar acerrimo combate. Quereis saber se sois impacientes? Deixae que se vos apresente ensejo.

Sois, ás vezes, attingidos por uma pequena contrariedade — dessas tão communs quer na vida publica como na domestica — e, logo, a vossa situação se vos afigura intoleravel…

Pois bem, falta-vos, nesses instantes, uma das principaes virtudes christãs, aquella de que vos deram continuas provas o Nazareno e sua Mãe purissima — a resignação!

A impaciencia acarreta asperas correcções aos rebeldes, aos insubmissos ou intolerantes, e, por isso, deveis combatel-a em primo loco, esforçando-vos por desalojal-a de vosso intimo, como se tivesseis empenho em ver cicatrizada uma chaga cancerosa em vosso organismo, para que um virus mortal não contamine, irremediavelmente, o vosso sangue.

Maior deve ser a vossa anciedade em querer cauterisar uma ulcera espiritual, habituando-vos a supportar sem revolta e sem queixume as vicissitudes e dores terrenas.

Sêde, outrosim, moderados, piedosos para com as faltas alheias e sómente imperiosos e severos para com as vossas, quando virdes que são rebeldes as vossas imperfeições moraes ao desejo que tendes de as debellar.

Dae, então, encarniçado combate não só a essas adversarias de vossa evolução psychica como ás que fordes descobrindo em vossos corações, e, com o pensamento alçado ao Omnipotente, com a coadjuvação de seus mensageiros, podereis sahir victoriosos!

A falta de humildade é outra ulcera que deveis extirpar de vossos espiritos, e offerece tenaz resistencia a ser destruida.

Encontral-a-eis até nos entes nobres, que cumprem escrupulosamente seus deveres sociaes e os preceitos divinos. São elles caridosos e indulgentes para com os erros de nosso proximo; insurgem-se, no emtanto, contra a mais insignificante desattenção que lhes inflingem, dizendo se acham especinhados em sua dignidade. Melindram-se, em excesso, por qualquer eventualidade que as affecte, de ordem publica ou privada.

Outras vezes a ausencia de humildade revela-se de outra fórma: ha creaturas que julgam possuir todas as excellentes qualidades que descobrem faltas em nosso semelhante.

Assim, se são intelligentes zombam dos que são desprovidos desse attributo intellectual, escarnecem dos parvos, dos cretinos. E, procedendo desse modo, commettem faltas espirituaes gravissimas, ficam sujeitas, em subsequentes encarnações a ser rudes, nescias, pois ha necessidade que os crueis censores das imperfeições physicas ou mentaes de nossos companheiros de romagem terrena as tenham, afim de que seus espiritos, em preparo para a definitiva regeneração, não sejam conspurcados por esses desares que lhes tiram grande parte de seus meritos. São, esses seres, comparaveis a um diamante, de peregrina belleza, recoberto, em um lodaçal, por espesa camada de limo infecto, com a differença que, este, póde ser retirado facilmente, diluido por um jacto de agua crystallina, deixando, então, fulgir em toda a sua plenitude aquella gotta de luz petrificada.

Ao passo que, a alma ennodoada, precisa de seculos para ser acendrada e só se torna alva e radiosa immersa em um regato de lagrimas…

Está occulto em nosso imo esse inegualavel diamante celeste, velado por muitas impurezas, mas depois de desfeitas, pulverizadas pelo esforço proprio, pelo soffrimento e pelo dever, poderá irradiar sua intensa luminosidade estellar!

Parte II

Algo direi sobre a malevolencia…

Essa deslealdade perpetrada para com os amigos e extranhos deve ser combatida tenazmente, todos os dias, a todos os instantes, pelos que aspiram evoluir, porque se acha profundamente vinculada no coração de todos os seres, seja qual fôr a classe a que pertençam.

Quando as censuras abrangem os estadistas, ou os mais politicos, têm attenuantes, pois que elles, occupando uma situação de destaque, desempenhando elevados cargos, locupletando-se com o erario do paiz, deixam-se, ás vezes, dominar pela vaidade, pelo desejo mesquinho de represalias. Praticam elles, innumeras vezes, erros gravissimos, que affectam os interesses das collectividades, justificando-se, então, os protestos lavrados pelos jornalistas e pelas consciencias integras, mas, quando as criticas ferem aquelles que comnosco privam, que nos estendem as mãos fraternas, são injustificaveis.

Sim, porque os que vivem modestamente, são nossos consocios de lides quotidianas, soffrem acerbamente quando têm sciencia de que estão sendo atacados em sua reputação pelos que consideram amigos, não podendo mostrar para com elles a mesma sobranceiria, o mesmo indifferentismo dos que occupam altos cargos para com os seus anonymos adversarios…

Nunca deveis proceder com perfidia. Todos vós que desejaes burilar vossas almas, — o diamante inestimavel que, facetado a todos os instantes de rudes provas planetarias, adquire fulgor eterno, — quando alguem do vosso conhecimento, mantendo ou não comvosco relações amistosas, commetter alguma acção erronea, — ás vezes em momento de irreflexão, — não sejaes daquelles que, em surdina, longe do culpado, lh’a reprovam acremente, concorrendo com a sua opinião pessoal para amesquinhar no conceito publico, exclamando, com indignação:

“ — Sou muito amigo de F., mas não posso deixar de verberar o acto indigno que praticou!”

Ora, quando se tratar de uma falta gravissima, — um homicidio, um latrocinio, um escandalo social, — deveis apiedar-vos do desditoso que o perpetrou, não incriminando deshumanamente o seu proceder, abstendo-vos de declinar uma condemnação de que, em outras éras, fostes merecedores, lembrando-vos, apenas de orar pelo delinquente.

Quando tiverdes conhecimento desses murmurios que, contra o nosso semelhante, sempre, os maldizentes acham elementos para fomentar, não tendo, muitas vezes, ninguem por testemunha ocular, mas que todos sabem por ouvir dizer, se, realmente, sois affeiçoados a essa creatura, — alvo de commentarios insidiosos, — deveis ir procural-a em sua residencia, despertar-lhe a attenção a respeito do que lhe exprobam, com benevolencia e urbanidade.

É provavel que fiqueis satisfeitos com o desempenho de vossa missão, pois haveis de colher informes ignorados, detalhes e dirimentes que não estavam no dominio publico.

O acto de lealdade praticado para com o vosso amigo, servir-lhe-á de salutar alvitre para que se corrija, para reflectir na acção que commetteu, sendo culpado, e, para tomar precauções necessarias, evitar a repetição do que deu origem á censura do povo, sendo innocente.

De posse da verdade, — quando regressardes ao vosso lar, — fareis esforços por defendel-o e nunca divulgar á curiosidade publica o que ouvistes em sigillo.

Eis a norma que vos apresento para vos servir de roteiro na existencia terrena. Eis os artigos luminosos do Codigo da Fraternidade que os vossos dedicados instructores do Além elaboraram, sanccionado pelo Summo Soberano universal, visando a evolução de todos os seres humanos.

Executae-os fielmente e podereis encaminhar-vos á luz que, intensa e pura, jorra das estrellas — as fulgidas mansões em que, algum dia, após as vossas tribulações nobremente supportadas, sereis acolhidos festivamente. É lá onde reinam a mais cordial submissão aos preceitos divinos, a solidariedade mais perfeita e harmonica, a sinceridade mais translucida, a affeição fraterna sem o menor vislumbre de falsidade, que bemdireis o vosso esforço em prol do vosso progresso moral e psychico!

Não descureis, no planeta das lagrimas, da ventura que podeis conquistar lenta e efficazmente em todos os instantes de vossas existencias.

Eis para que os vossos mentores sideraes — collimando a vossa felicidade porvindoura, — vêm á Terra fazer conhecido o roteiro radioso que vos ha de nortear áquellas fulgurantes paragens, alvitrando-vos que, para as merecerdes, vos esforceis no cumprimento de todos os vossos deveres sociaes e divinos.

Sede, pois, leaes, humildes, resignados, caridosos, indulgentes e só assim podereis adquirir a nobreza de caracter que vos arrojará deste orbe de trevas ás ditosas moradas dos redimidos, dos acrysolados pela virtude e pelo rigoroso cumprimento aos incomparaveis decretos do eterno Legislador do Universo!

Allan Kardec.

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Caliban Kalitz

"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."