DAS CONSEQUENCIAS DA EDUCAÇÃO PATERNA

Mensagem de Allan Kardec, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

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10 min readAug 18, 2023

1913.

Acaba de dissertar, com maestria, Pedro, — nosso lucido companheiro de pugnas espirituaes, — sobre a educação da infancia, da qual depende, quasi sempre, a boa ou má orientação com que se norteiam as creaturas no defluir de suas existencias. No emtanto, corroborando o que elle explanou, desejo expender alguns pensamentos sobre o mesmo thema, oriundos da experiencia, de incontestavel interesse para o genero humano:

Entrae, vós que ledes estas paginas, nos antros mais repellentes, onde se refugiam os viciosos, onde se projectam crimes hediondos, — latrocinios audaciosos, homicidios barbaros, raptos deploraveis, — se interrogardes a um dos infelizes que os premeditam, qual foi o ensino paterno recebido na infancia, certamente obtereis uma destas respostas:

“ — Meus paes abandonaram-me ao vir eu ao mundo… Nunca os conheci… e tendo-lhes aversão! Sou um engeitado, exposto á porta de extranhos impiedosos, que me tratavam com tanto asco e aspereza que, para não supportar mais a sua tyrannia, ainda menino, fui obrigado a fugir, em companhia de vagabundos, que me perverteram e induziram ao furto, a toda a casta de delictos! Que havia eu de fazer, só na vida, sem um carinho, sem instrucção, soffrendo máos tratos que me faziam, muitas vezes, invejar os brutos, os proprios cães?”

Outro vos dirá:

“ — Meus paes eram meus eguaes em proceder… e com elles apprendi o mesmo officio!”

Ainda outro:

“ — Meus paes não me corrigiram nunca.
Não refrearam minhas vontades arbitrarias. Deixavam-me injuriar a todos com quem conviviamos, escarnecer dos desventurados, aggredir meus companheiros de folguedos, e, um dia, quando ergui a mão, em plena juventude, para esbofeteal-os, expulsaram-me de casa, amaldiçoando-me…
Desde então, sem ter apprendido uma arte, quasi analphabeto, sem amparo, entregue a meus instinctos inferiores, luctando com a miseria, sem nenhuma profissão, comecei a trilhar o caminho das iniquidades que me tem já levado ao carcere muitas vezes!”

Ainda outro:

“ — Meus paes não me tinham amor, não me relevavam uma só falta, espancavam-me sem motivo justo, barbaramente, até que, um dia, para evitar duros tratos, fugi de sua habitação e alliei-me a outros desgraçados como eu, execrando a humanidade, que nos odeia!”

Perguntae, outrosim, a uma dessas desditosas, que mercadejam a propria honra, porque iniciou essa vida impura, e, certo, ella vos dirá:

“ — Eu era muito bella e não tive quem me prevenisse, a tempo, de sanar todo o mal, as funestas consequencias da vaidade e da insensatez… Minha mãe não velava por mim quanto o devia; orgulhava-se de minha formosura e exhibia-me em todos os saráus e festejos mundanos, com roupagens immodestas e sem decoro… Consentia que me ausentasse de nosso lar, horas consecutivas, em companhia de amigas frivolas e deshonestas. Não me habituou ao trabalho, mas ao ocio elegante; reprehendia-me frouxamente quando eu regressava á casa, em horas tardias, acompanhada por jovens de reputação duvidosa. Não me ensinava a ter moral nem religião, a ser temente ás Leis de Deus, que, em nossa morada, era esquecido, para unicamente ser lembrado Satanaz, durante nossas interminas dissenções… Expulsou-me de sua presença, instigada por meus irmãos, quando soube tinha um amante, que, — se eu tivesse outra conducta, — me teria desposado e feito a minha ventura…
Podia, com os zelos maternos, ser hoje progenitora exemplar, consorte fiel e considerada… No emtanto, devido á sua desidia, vejo-me abandonada e desprezada por minha familia, tenho a pesar sobre minha fronte a maldição de Deus e a de minha propria mãe… que me não soube guiar na senda da Virtude!”

Eis, em synthese, a triste realidade á qual chegarieis, se, por um momento, descesseis o escaphandro da verdade ao fundo do oceano pulluto de muitas almas turvas e ulceradas…

A responsabilidade dos progenitores é incalculavel, infinita, para com os seres que o Omnipotente lhes confiou para lhes dirigirem os passos no dédalo da vida, reprimindo-lhes as más tendencias, dando-lhes as mãos fortes e carinhosas afim de que soubessem transpor os abysmos terrenos…

Não saber educar; não reprehender quando fôr mister; não ensinar a venerar os encanecidos e respeitar a seus superiores hierarchicos; não ter indulgencia para com os subalternos; zombar dos mutilados e dementes; não habituar ao labor uma creança, desde que possa inicial-a — é deixar, o genitor pouco escrupuloso, que seus miseros filhos se atirem no sorvedoiro dos vicios e das ignominias. Para elles estão abertas, de par em par, as portas dos ergástulos; apontadas contra elles as armas homicidas, terão, para finalisar suas accidentadas existencias, os catres dos hospitaes e das masmorras, as estradas desertas, onde talvez cahirão, varados pelas balas e pelos punhaes!

Não vos apavora essa perspectiva futura, não exaggerada, mas que a minha experiencia — em seculos de apprendizagens acerbas, depois de quedas tremendas, — vos delinêa em toda a sua plenitude de trevas e de luz?

Muitas vezes, — como expiação dos paes, para resgate de dividas dolorosas, contrahidas em transactas encarnações, em que se descuidaram de seus deveres para com os que se achavam sob sua direcção, pervertendo-os com exemplos deploraveis, — nasce um ente com inclinação para as iniquidades, mas, se souberem oriental-o, guiarem-no no caminho do dever e da honradez, aconselharem-no na puericia e na mocidade, poderão modificar sensivelmente o seu modo de agir e de pensar. Cumpre, pois, aos educadores, sondarem as almas que lhes estão confiadas, estudarem os primeiros symptomas de imperfeições moraes em completa eclosão — orgulho, rebeldia, colera, propensão para os gosos illicitos, para o jogo, o latrocinio, a pronuncia de vocabulos obscenos — e, então, esforçando-se com tenacidade e persistencia, poderão escoimal-os dellas, conseguindo assim dois triumphos: um, para si mesmos, outro, para as educandas, ás vezes um ente estremecido.

Se forem espiritos orgulhosos ou soberbos, humilhem-nos sempre que houver ensejo para o fazer, — nas vestes, nas referencias, nas relações sociaes, — até que, modificados aquelles nocivos sentimentos, tornem-se submissos e brandos. Compillam-nos, sobretudo, a ter urbanidade para com os servos, os companheiros de diversões, os condiscipulos, os anciãos, os desamparados, os mendigos, os cretinos, os mutilados. Evitem as disciplinas physicas e ponham em execução as moraes, a saber: privação de liberdade, de entretenimentos, de guloseimas, não consentindo nunca, sejam impiedosos ou trasgridam as determinações de seus dirigentes.

Se tiverem inclinação para a maledicencia, para a pronuncia de doestos, a melhor punição consiste em isolar, os pequenos delinquentes, de seus irmãos ou amiguinhos, ordenando-lhes que fiquem silenciosos por algum tempo.

Não sabeis, ó genitores, toda a extensão de vossa responsabilidade contrahida para com o Omnipotente no momento em que abre os olhos á luz solar um pequenino ser! Sois, desde então, responsaveis por vossas proprias acções e pelas de vosso descendente.

Tremei do peso de vossos encargos, se não souberdes desempenhal-os satisfactoriamente, e, para que o consigaes, sabei orientar os vossos filhos na vereda alcantilada do Dever, da Honra e da Virtude.

Se, ao inverso, não souberdes norteal-os para o Bem, descuidando-vos de seu cultivo espiritual, não lhes reprimindo efficazmente as primeiras explosões de máos instinctos, ou quando perpetrada a primeira falta, os amaldiçoaes, expulsando-os de vossos lares, lavraes, contra vós mesmos, uma tremenda sentença, constituida de arduas expiações. Sim, porque os arrojastes talvez por seculos, ás garras das paixões condemnaveis, e, por isso, juntamente com elles, nestas e em porvindouras encarnações, acorrentados por muitos flagicios, tereis que remir, penosamente, vossos mutuos delictos, auxiliando-os a sahir do tremedal dos vicios em que foram immersos por vossa inepcia.

Educar a infancia é nortear a humanidade para um porvir venturoso, preparando-a para, em limitado espaço de tempo, attingir a regeneração animica e o seu ingresso em mundos isentos de provas dolorosas. Todo o cuidado, pois, quer dos paes quer dos preceptores, deve convergir para o ensino moral, de preferencia ao intellectual, porque este, quando não é bem proporcionado, torna-se, ás vezes, nocivo. Quem o possue em elevado grau, deixa-se dominar pela vaidade, pelo scepticismo, pelo amor excessivo á gloria, prejudicando, desse modo, as acquisições psychicas — que são as verdadeiramente meritorias. Para que o cultivo intellectual produza incontestaveis beneficios ás creaturas deve estar estreitamente alliado ao moral.

Não negligencieis, portanto, um momento sequer, os thesouros preciosos que vos foram confiados, educadores da infancia!

Procurae desvendar nos espiritos asylados em pequeninos e frageis organismos, as manifestações para Bem e para o Mal, as suas aptidões, combatendo as prejudiciaes e desenvolvendo as nobres e uteis.

Antes de concluirmos estes amistosos conselhos, queremos frisar intensamente um crime abominavel praticado por diversos progenitores…

Não sabem elles proporcionar aos filhos ensinos salutares, não os encaminham para a probidade e ás virtudes e, numa lamentavel incuria, satisfazem-lhes todas as fantasias, não os punindo quando deveriam fazel-o.

Mais tarde, quando os vêm commetter um erro grave, quando começam a trilhar a senda tortuosa dos vicios, possuidos de injustificavel indignação, — mais orgulho e vaidade que honradez, — numa descabida revolta, expulsam-nos de seus lares, malsinando-os e incriminando-os, sem commiseração… Dizem, ás vezes, a algum dos desditosos:

“ — Retira-te de minha presença, filho rebelde e execrado! Não enxovalhes os meus cabellos brancos. Sou um homem honesto e não quero que me envergonhes… Vexo-me por haver dado o ser a um tão repellente e miseravel… Sê maldito, desgraçado, por mim e por Deus, eternamente!”

Estas palavras, irmãos, não as tiramos de nenhuma novella fantastica, mas da vida real. Quantos genitores as têm proferido em momentos de exasperação, arremessando, assim, ao lodaçal dos aviltamentos, os proprios filhos! Ahi, mais uma vez, se patenteia esta verdade: não souberam guiar os que o Creador lhes confiou, para serem aprimorados moral e espiritualmente…

Succede, ás vezes, que, por uma penosa e pungente expiação para os paes relapsos e negligentes, em findas existencias, sendo, depois, em outras, realmente, dignos das considerações sociaes, seus descendentes não lhes imitam a modelar conducta nem seguem seus criteriosos alvitres. Ha filhos refractarios aos ensinamentos paternos, zombam de seus bons conselhos, mas, esses casos são raros, são os dos espiritos reveis que, desejando conviver com os justos, — ou a isso sendo compellidos, — antes de retornar á Terra, promettem imital-os, mas, esquecem, depois, os seus compromissos e manifestam o que haviam sido em ulteriores avataras, ou então seus progenitores estão reparando erros perpetrados outr’ora, consequencias do orgulho e do menosprezo pela honra alheia. Não são, porém, vulgares esses casos, o que confirma que, uma esmerada educação ennobrece as almas, dá-lhes supremacia sobre os fracos ou viciosos, que se regeneram em contacto com os seus sensatos mentores.

Não devem, pois, os paes, — mórmente os abastados, — esforçar-se em proporcionar á sua prole apenas conforto e instrucção literaria, que, só é de incontestavel efficacia quando vinculada á moral, austera e irreprehensivel.

Cumpre a todos os genitores zelarem pelo proceder dos jovens, compellindo-os ao cumprimento de todos os deveres sociaes e psychicos, não consentindo que gracejem sobre as verdades christãs, fazendo-os amar, por admiração e reconhecimento ao Eterno mostrando-lhes os inconvenientes do atheismo, do materialismo e das idéas subversivas.

Ser rispido em demasia, punindo injustamente, fazendo germinar nos corações juvenis resentimentos pelos que lhes deram o ser, ou então ter tolerancia em excesso, deixando que se anniquile toda a força moral sobre elles, para, num momento de exasperação expulsar e anathematisar um filho reprobo, um ente humano, é attrahir para si proprio uma severa e dolorosa pena divina!

Quando os filhos delinquem, os verdadeiros paes extremosos não os deve abandonar, antes, seguir-lhes os passos, tornarem-se como a sombra de seus corpos, agirem, em tudo quanto lhes for humanamente possivel, para os arrancar ao charco pestilencial das degradações…

Essa é a missão heroica e pungentissima que o Creador lhes impoz, para certamente resarcirem faltas gravissimas de outras éras, e não imaginem esses genitores desventurados, um segundo sequer, em dar-lhes uma liberdade de que não sabem fazer bom uso. Concedendo-lh’a, é o mesmo que os arrojarem aos carceres, aos patibulos, aos antros de vicios repugnantes, ao suicidio, ao latrocinio, ao homicidio, á ponta dos punhaes…

Ninguem poderá eximir-se de uma formidavel responsabilidade contrahida para com o Summo Magistrado do Universo, pronunciando palavras de revolta e maldição, em que ha muito orgulho e pouca piedade para com aquelles espiritos que attrahiram a seus lares por meio de liames mysteriosos, e aos quaes deram o involucro material para que possam laborar por seu progresso animico.

Ponderae, pois, na vossa arriscada missão terrena, ó Paes que me ledes! Insinuae em vossos filhos o culto do dever e da virtude; dirigi-os para o que lhes seja proveitoso moralmente, para elles proprios e para as collectividades. Afervorae sua confiança nos designios deificos. Profligae, desde os seus pródomos, as suas inclinações malevolas. Amparae-os quando commetterem as primeiras infracções graves, porque sois responsaveis por vossas almas e pelas dos que o Omnipotente vos confiou para dellas serdes zelosas sentinellas durante a peregrinação planetaria. Nunca, sejam quaes forem as determinantes de seus delictos, praguejeis e os amaldiçoeis. Nunca lhes desejeis desventuras. Nunca profiraes palavras que, como possuidas de um poder vingador, ou justiceiro, volverão, — qual uma saraivada de infortunios ou de rudes expiações, — sobre vós mesmos…

Mães! a todas vós está confiada a vigilancia de tenras creancinhas, sabei, pois, escoimar-lhes dos espiritos — que iniciam novas romagens terrenas, — nocivas imperfeições, para que, na edade adulta, não os vejaes praticando desvarios!

Dae-lhes punições moraes, emquanto estão sob as Vossas azas tutelares, pois da educação ministrada á infancia decorrem sempre, incalculaveis resutados para o percurso de toda uma existencia, advem esplendido manancial de beneficios para vossos extremecidos filhos e para vós mesmas, e, se não os desfructardes nas actuaes encarnações, haveis de fruil-os nas porvindouras.

Sereis, por vossos esforços, abençoadas pelo Creador — o que constitue a mais inestimavel felicidade, a mais incomparavel gloria para os seres evoluidos, pois a benção divina é o nimbo estellifero que lhes cinge as frontes purificadas no Jordão saneador de todas as provas planetarias, heroicamente vencidas, patenteia o triumpho espiritual alcançado contra a cohorte das iniquidades e das imperfeições moraes!

Allan Kardec.

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"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."