DAS VERDADES AMARGAS

Mensagem de Pedro de Alcantara, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

KnowSpiritism
6 min readAug 30, 2023

Venho, hoje, melindar susceptibilidades, — embora não seja esse o meu intuito. Vejo-me na penosa conjunctura de um cirurgião sensivel que, ao ter de amputar um membro enfermo, ou lacerar um abcesso affectado de morbus pernicioso, sente-se compadecido pelo soffrimento alheio, sabendo a dor que causará, mas, convicto de que vae cumprir um sacro dever, — qual o de sanear um organismo intoxicado por um mal deleterio, — não hesita em pôr em pratica a medida extrema — operar, amputar…

Assim, tanto eu quanto os meus companheiros de refregas espirituaes somos como o alludido e piedoso cirurgião: dóe-nos o descontentar os enfermos d’alma quando desta temos de extirpar um cancer já secular, nella profundamente arraigado, mas, se tivermos demasiada sensibilidade, em vez de habeis operadores psychicos, seremos acoimados de imperitos, e não poderemos cumprir austeramente nossa ardua missão… É custosa, é plena de escolhos a nossa tarefa — a de cicatrizar, com o cauterio comburente das verdades mais desagradaveis — os espiritos chagados por delictos millenarios. No emtanto, se hoje provocamos resentimentos, ferimos corações vaidosos, mais tarde seremos cobertos de bençãos e de carinhosos agradecimentos, em que resumbrará a sinceridade fraternal.

Essa, exclusivamente, será a recompensa concedida aos cirurgiões espirituaes, e é inestimavel.

Começo, agora, a desnudar uma alma — a de quem se considera espiritista, verdadeiro adepto do Christianismo, — e, entretanto, não cumpre escrupulosamente seus deveres sociaes e espirituaes…

Ha, em seu intimo, o desejo vehemente de seguir a senda apontada por Jesus e que ficou patenteada no Codigo de luz que se chama Evangelho, o de pôr em pratica os ensinamentos da rehabilitadora doutrina estatuida por Allan Kardec e luminares das regiões superiores do Universo, mas, conhecendo todas as excelsas verdades que contêm, todas as que constituem a legislação moral em que deve basear sua conducta, suas palavras e suas acções, não se esforça quanto deveria fazel-o por cumprir seus sagrados misteres, tanto os que se relacionam com o Omnipotente como com o nosso proximo…

Não vos illudaes, irmãos!

A doutrina severa que professaes estabelece, como artigos de fé irrevogaveis, indulgencias para com as faltas alheias e o maior rigor para debellar as proprias imperfeições de caracter!

Não os transgridaes, pois, e, sobretudo, tende aversão á maledicencia.

Adquiri a virtude valiosa de não censurardes os que erram, apiedando-vos dos desditosos peccadores.

É defeito o mais rebelde e contumaz incorrecção que se aloja em uma alma, o habito de incriminar o proceder de nosso proximo, patentear todos os desares alheios, não sendo, assim, fiel aos amigos, apparentando na presença o que não é na ausencia delles.

Combatei-o. tenazmente, pois, emquanto persistir a malevolencia em um ser, que por mais bem intencionado que seja ficará acorrentado á Terra, passivel de penosas tribulações.

Uma virtude de merito innegavel e que tambem é difficil de ser adquirida, é a paciencia, nos momentos de leves ou de rispidas expiações.

Quem a possue está quasi isento de porvindouras provas, pois o que é paciente, — soffrendo com submissão e sem protesto todos os revezes terrenos, — póde ter a luminosa certeza de que não será mais attingido por egual dissabor. Consumar-se-ão, ás vezes em uma só proveitosa existencia, todas as mais acerbas sentenças que aqui veiu cumprir, extirpa de seu imo as urzes dos vicios, fecunda o espirito para o florescimento das venturas immorredouras, as que sómente germinam nas almas acendradadas pelos padecimentos nobremente supportados.

Luctae, pois, contra os impecilhos que vos entravam a marcha triumphal do espirito para a definitiva redempção, ou para o Sempiterno!

Habituae-vos a silenciar sobre a conducta de nosso semelhante; sêde benevolos para com os que vos cercam e são vossos companheiros de jornada; tende lealdade para com os vossos affeiçoados e todas as pessoas relacionadas comvosco; praticae mais a caridade moral que a material, devendo, entretanto, alliar uma á outra, como os famosos e inseparaveis Siamezes: abri, ao mesmo tempo, vosso coração e vossa escarcela!

Não descerreis vossos labios para proferir doestos ou reprovar actos alheios.

Acostumae-vos a tolerar a fraqueza e os deslises de nosso proximo, mórmente se não estiver ao vosso alcance insufflar palavras de sã moral na mente dos culpados. Se, porém, estiverem ás vossas expensas, — famulos, filhos ou tutelados, — sim, deveis exhortal-os, afim de que sigam o carreiro do Bem, da Honra e da Virtude. E, nesse caso, as vossas admoestações não serão inuteis, porque chegarão aos ouvidos dos transgressores das leis humanas ou celestes. Não esbanjeis prodigamente o tempo que o Omnipotente vos concede para alcançardes victoria sobre as vossas proprias incorrecções, em palestras malevolas, ou frivolas, que a ninguem aproveitam.

Quando fordes tentados a manifestar a vossa opinião sobre algum assumpto em que a reputação alheia esteja á baila, elevae o vosso pensamento ao Creador impetrando-lhe força de vontade afim de que possaes vencer os máos impulsos, prejudiciaes ao vosso espirito. Não compartilheis, pois, de conciliabulos em que predomine a maledicencia, salvo se o vosso testemunho for necessario para o restabelecimento da verdade, eximindo-vos de ser juiz sem conhecimento de causa, evitando proferir palavras injustas que vos possam acarretar punições ou dissabores.

Habituae-vos a emmudecer sobre os desmandos de vosso proximo, a ser indulgente para com os seus erros, não commettendo, assim, faltas graves que, em geral, todos praticam, mas que, vós, desejosos de ser considerados christãos, não tendes mais o direito de as praticar. Deveis seguir os ensinamentos dos mensageiros sideraes, que se esforçam por lapidar vossas almas, — que ainda possuem jaças, que não os deixam fulgurar como diamantes ainda não facetados por um habil artista, — as quaes só adquirem luminosidades incomparaveis sendo torturados pelo escopro da dor, ou triumphando de suas paixões nocivas! Só assim alcançareis a vossa remodelação psychica, o galardão destinado aos justos ou redimidos, conseguindo, então, ingresso nos orbes venturosos, onde não são admittidos os fracos, os nullos, os hypocritas, os covardes moraes!

Alçae, com frequencia, o pensamento ao Creador, supplicando-lhe fortaleza de animo, para que possaes esphacelar, por todo o sempre, as deformidades que deturpam os vossos espiritos, ávidos de progresso, esquecendo-vos das de nossos semelhantes, pelas quaes não sereis responsabilisados perante a integra alçada divina.

Vencer-se, para conseguir um triumpho animico, é a maior gloria que uma creatura póde alcançar na eterna campanha mundial, que se chama — vida humana — em que milhões de individuos se acham empenhados!

Todos elles visam uma victoria que não pertence a este planeta, uma recompensa que não será fruida senão extra-tumulo. Sim, porque a alma liberta da materia adquire maior lucidez afim de que possa comprehender a inteireza e imparcialdade dos decretos deificos, e, conforme foram seus feitos meritorios ou suas transgressões, será sentenciada a cumprir penas equivalentes ás faltas commettidas, ou galardoada, de accordo com os deveres escrupulosamente observados.

Eis o que vos aconselha um de vossos mais dedicados amigos — que o é de toda a humanidade imperfeita — que vos deseja venturas immateriaes, que aspira vos nortear em vossas actuaes existencias afim de que sigaes, impavidos, o rumo dos orbes ditosos onde não têm guarida a dor, a lagrima, as dissenções, os prelios fratricidas, os soffrimentos physicos!

Perdoae ao medico espiritual a severidade e a antisepsia feita em vossas almas enfermas, collimando cicatrizar-lhes as ulceras moraes, para as curar.

E só assim podereis, — talvez em limitado tempo — ser um de nossos bons auxiliares, um de nossos desvelados companheiros de luctas psychicas. Então, far-nos-eis justiça porque comprehendereis quanto é escabrosa a nossa tarefa e quanto soffremos ao ter de, agora, magoar-vos e melindrar as vossas apuradas susceptibilidades!

Pedro.

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"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."