DOS DEVERES FILIAES

Mensagem de Pedro de Alcantara, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

KnowSpiritism
4 min readAug 18, 2023

Já externámos os nossos pensamentos relativos aos deveres dos progenitores para com aquelles que o Altissimo lhes confiou para nutrir e velar por seu destino; agora algo diremos sobre o modo de proceder dos individuos para com os que lhes deram o ser.

Ha dirigentes de lar que se esforçam por adquirir conforto e posição vantajosa para sua prole, fazem commovedores sacrificios para instruir os filhos, internando-os em institutos de ensino de elevadas contribuições annuaes, matriculando-os, após, em alguma Academia, e, quando os vêm concluir os seus tirocinios scientificos recorrem á protecção dos vellos amigos para lhes obter collocação rendosa. No emtanto, elles, os diplomados envaidecidos, olvidando toda a dedicação paterna, todo o carinho com que foram educados, todo o dispendio com a sua formatura, começam a julgar-se superiores a seus obscuros progenitores, achando-os ignorantes, rudes, intrusos em suas habitações apraziveis… E, para se não vexarem perante os collegas e illustres frequentadores de seus salões, desvencilham-se dos pobres bemfeitores, commettendo assim um delicto injustificavel de que, forçosamente, terão de arrepender-se e reparal-o com egual ou mais penoso dissabor…

Não comprehendem, os que galgam uma situação vantajosa, que não é deprimente, e sim nobilitante, acolher os velhos paes em suas moradas floridas e attrahentes, tolerar, com dignidade e submissão, os seus defeitos, — como os delles o foram na infancia e adolecencia, quando se manifestam com intensidade. Devem, pois, veneral-os, tratal-os affectuosamente, não se envergonhando de os ter a seu lado, de os apresentar aos amigos, de oscular-lhes as mãos tremulas e engelhadas. Isso não os avilta, aos olhos dos que assim os vêm proceder, antes os ennobrece immenso! Ha filhos, porém, que, por terem frequentado Academias, — á custa da penuria d’aquelles que, muitas vezes, restringiram suas despesas, soffreram privações para os conservar nos estudos, — se consideram melhores do que seus humildes genitores, vexando-se de sua presença, porque se não trajam com esmero nem sabem palestrar á moda contemporanea com as pessoas mais cultas…

Suppõem outros que seus paes lhes são subalternos: ordenam-lhes que se occupem de misteres que julgam deprimentes para si mesmos, consentindo que aquelles por elles se mortificaram sejam equiparados a seus famulos… porque necessitam viver em suas habitações luxuosas, ás expensas dos que, por mais que lhes cumularem de dadivas e beneficios jamais resgatarão o debito sagrado contrahido para com os que por elles se desvelaram, os educaram, concorreram para sua prosperidade e todas as regalias sociaes!

Repugna-nos, agora, fazermos referencia a outra incorrecção filial: o delicto horripilante praticado pelos que erguem a voz para injuriar seus fatigados progenitores, dirigem-lhes doestos e reprehensões, tocam-lhes com as mãos criminosas e sacrilegas, expulsam-nos de suas vivendas sumptuosas, atirando-os á miseria, abreviando-lhes a existencia terrena, causando-lhes dissabores inconsolaveis, tornando-se parricidas!

Não ha consciencia — só a dos scelerados ou a dos desditosos que a têm embotada pelos vicios ou pela perda da razão, — que não reprove actos hediondos desse jaez…

No emtanto são elles, infelizmente, communs em todos os pontos do globo terrestre onde reside o ente humano, que se diz civilisado… em antagonismo aos barbaros que têm um verdadeiro culto para com os seus ancestraes!

Parece, pois, que os incolas das florestas americanas eram, nesse particular, mais elevados espiritualmente do que innumeros individuos considerados cultos, pois é proverbial a idolatria que aquelles consagravam a seus antepassados, ennobrecendo os seus corações de selvicolas ignaros com uma incessante veneração por seus maiores, dos quaes buscavam imitar as virtudes e a heroicidade.

É, pois, nas sociedades civilisadas onde se observa, em maior escala, o desrespeito a seus ascendentes, mórmente quando recorrem ao auxilio dos seus filhos ou netos, que se pejam de os ter em suas confortaveis moradas, não lhes açoitando a mente o remorso de os deixar morrer ao desamparo….

Como não ha de o Omnipotente fazel-os reparar severamente essas transgressões ás suas integras Leis, baseadas no Amor e na Justiça?

Faltar alguem com o carinho, o affecto, a veneração que deve ter para com os decrepitos, valetudinarios ou exhaustos progenitores, deixando-os expostos á adversidade, — fruindo em suas vivendas faustosas o resultado do sacrificio paterno, — consentindo que busquem os hospitaes, ou os estabelecimentos pios, para extremo refugio, é commetter um attentado ao Direito divino!…

Sejam os paes viciosos, mutilados, broncos, malevolos, injustos; possuam emfim, defeitos graves — que seus filhos têm o dever de dissimular, ou occultar, — nunca deixem de os respeitar, de os acatar com affabilidade e submissão. Nunca lhes recusem o seu auxilio; desculpem-lhes as faltas; não lhes censurem nem lhes exprobem os erros, procurando erguel-os moralmente, soffrendo com humildade o que lhes inflingirem immerecidamente.

Eis, esboçados em synthese, os principaes deveres filiaes. Segui-os, todos vós que delles tiverdes conhecimento, e ficareis convictos de que muitas penas dolorosas vos serão eximidas, e sentireis em vossas frontes serenas descer a benção do Altissimo, qual um orvalho luminoso e bemdito!

Pedro.

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"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."