OS ARREPENDIDOS

Mensagem de Allan Kardec, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

KnowSpiritism
5 min readAug 30, 2023

26 — VII — 1913.

Ha no orbe terraqueo, incontaveis creaturas que unicamente se preoccupam com diversões, frivolidades, festivaes mundanos, nocivos á saude e á alma… É, desse modo, que transcorrem inutilmente varias existencias, sem outro objectivo senão o do goso ephemero desfructado em salões floridos, ou em casas de entretenimentos sem nenhuma elevação moral.

No emtanto, quando lhes pergunta alguem se já pensaram no futuro que as aguarda post-mortem, soerguem os hombros com desdem, e, com um sorriso de motejo, exclamam:

“ — Não disponho de tempo para cuidar dessas cousas!”

E, momentos após, eil-as no torvelinho das dansas complicadas, eil-as nos clubs de jogos, eil-as a murmurar, horas consecutivas, contra a reputação de nosso proximo… Só não lhes sobeja tempo para as questões nobres e transcendentes…

Que succede, então? A morte chega de improviso, surprehende-as em meio aos prazeres lethaes, que as absorviam totalmente… E, aquellas almas frivolas, vêm-se, de subito, no plano espiritual, como alguem que chegasse a um paiz extrangeiro, não sabendo o idioma de seus habitantes, necessitando de cousas imprescindiveis á sua manutenção e ao seu abrigo… Fica, assim, exposto ás torturas da fome e do frio, quem está com a escarcela desprovida de moedas, desbaratadas a granel em noites decorridas em casinos suspeitos…

Os que se acham nessas penosas conjuncturas lembram-se, então, com infinita angustia, da ociosidade de sua juventude, da sua falta de previdencia, quando, sem proveito, cursavam estabelecimentos de instrucção, não se esforçando por assimilar o que, naquella dolorosa situação, se lhes torna indispensavel!

É assim que succede aos desencarnados desidiosos dos assumptos psychicos emquanto estavam com as suas vestes putresciveis. Despertos na vida extra-tumular recordam-se, pezarosos, dos dias infructiferos que passaram em festins prejudiciaes ao organismo physico e á moral, e um arrependimento sincero os empolga.

Auxiliados, então, pelos mensageiros tutelares, que lhes dispensam piedosos desvelos e salutares advertencias almejam regressar ao plano material para desempenhar rigorosa e vantajosamente as suas tarefas planetarias.

Esses são os bem intencionados, os que aspiram laborar por seu progredir espiritual; então, o que os deleitava e encantava em transcorridas existencias, causa-lhes, depois, tedio e aversão.

Em abono da verdade e da Justiça podemos asseverar que o Espiritismo não impõe a renuncia de todos os prazeres e o ascetismo, nem aconselha a abstenção de todo o convivio social. Sabemos que, para serem attenuadas as attribulações quotidianas, as innumeras decepções terrenas, ha necessidade de entretenimentos, mas a escolha delles é que deve ser feita com criterio.

Os que não desejam prejudicar-se moralmente, prefiram as diversões em que predominem as Artes, as que não fatigam o organismo ou entediam o intellecto, a saber: audições musicaes, conferencias sobre thema scientifico, religioso, didactico, util, emfim, á humanidade, interpretações das obras geniaes dos literatos e compositores mundiaes, reuniões amistosas em que reinem a sinceridade e a cordialidade, na qual sejam debatidos assumptos de interesse geral, visando a caridade, a paz, a confraternisação dos povos, e outros que o bom senso indicar.

Ha outras, porém, que devem evitar a todo transe, por terem consequencias maleficas: saráos, nos quaes compareçam entes pervertidos ou corruptos, os sports vilolentos, o jogo, o Carnaval, as touradas, etc. Quem se priva de alguma dessas diversões eleva-se no proprio conceito e no das pessoas criteriosas; alija de sua alma a frivolidade ou o vicio; engrandece-se perante os que não vivem a girar nos salões e a buscar distracções banaes, como ao redor das flores legiões de borboletas.

Estas, porém, parecem insanas, no emtanto, em seus graciosos surtos procuram nas corollas nectarisadas o alimento imprescindivel á sua manutenção, ao passo que a juventude leviana, avida de gosos, não busca senão toxicos para o espirito, de resultados funestos e deploraveis… (*)
(*) Vide mensagem — “A defesa de phalena”, — de Marietta.

Se a vida é fertil em desillusões, eivada de tribulações e luctas incessantes, indica-nos, peremptoriamente, que ha um objectivo nobilissimo a attingir, e não a conquista de prazeres transitorios. Todos, na presença de um cadaver, — por mais frivolo que sejam, — têm a percepção da grandiosidade da existencia ultra-sepulchral, cujo mysterio faz com que meditem um pouco no problema a resolver quando delles se approximar o magno instante de partir para o desconhecido que os aguarda…

Devem, pois, todos, — e mórmente os psychistas, — buscar da existencia o que ha nella de grave, util, elevado e digno, combater os máos pensadores, sanear as almas enfermas, perdoar os aggravos commettidos por seus companheiros de jornada, não se deixando suggestionar pelo que lhes incutem o egoismo, o desejo aos prazeres, o indifferentismo á dor alheia.

Não percaes o ensejo, irmãos, de proporcionar a todos os desditosos, — indistinctamente, sem indagar a patria ou a crença de cada um delles, — um obulo, um lenitivo, uma palavra de conforto.

Ha, em um acto de nobreza e de altruismo, — no momento em que se perdôa uma offensa, ou em que se enxuga uma lagrima de infortunio, em que a mão se extende para apertar uma outra, em reconciliação ou para depositar numa dextra engelhada uma pequenina moeda para mitigar a fome a desvalidos, — uma intima satisfacção, um jubilo indefinivel!

Ha nesse enternecimento inuadito algo que se não compara ao que sente um fatuo a percorrer um salão festivo, com affectada superioridade, proferindo banalidades e galanteios hypocritas ou impudicos, sorrindo qual se ainda estivesse diante de um psyché onde se deteve, por minutos, a estudar o modo de parecer mais bello, fascinante, irresistivel…

O jubilo experimentado pelo que cumpre austeramente os seus deveres, pelo que mitiga a fome a um infortunado, pelo que pratica o Bem, pelo abnegado em summa, deixa no espirito como que um aroma indelevel, perenne, que o inebria docemente, que o delicia qual se fôra um nectar divino, que se lhe impregna no imo e com elle ascende aos páramos sideraes!

Torna-o ditoso aqui ou além — porque essa ventura indefinivel que elle desfructa, exhala da consciencia să, incorruptivel, e da benção do Omnipotente, que, a flux, desce sobre sua fronte como um halo radioso e infiltra-se-lhe n’alma impolluta, aromatisando-a ideal e suavemente, tal Elle o faz aos lyrios e ás violetas!

Allan Kardec.

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"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."