POR QUE SOFFREM OS IRRACIONAES?

Mensagem de Allan Kardec, por Zilda Gama, “Diario dos Invisiveis”, 1929

Caliban Kalitz
4 min readAug 10, 2023

Pergunta — Qual a necessidade da dor, ou por que a sentem os irracionaes, se não progredirem espiritualmente?

Resposta — Bem sabeis que a dor, physica e moral, é a lixivia que alveja a alma ennodoada do ser consciente e responsavel por seus actos; é a lampada que a inunda de luz, tornando-a eternamente radiosa.

A humanidade deseja libertar-se de seus beneficos influxos emquanto ignora que ella é a remissora de todas as transgressões ás Leis supremas que têm por escopo a Moral, a Virtude, o Dever, das quaes estão isentos os animaes.

Não só os espiritos ainda conspurcados pelo Mal como os que se acham adestrados nas nobres cruzadas do Bem, estão sujeitas ao soffrimento, que é o propulsor das almas evoluidas para o Infinito ou para os Orbes onde imperam os sentimentos dignificadores.

Sendo, pois, imprescindivel ao apuro da humanidade, parece, ao primeiro golpe de vista, desnecessario aos seres imperfectiveis, ou aos que não attingem a perfeição psychica.

A sensibilidade é um dos vestigios que ha da intima relação da alma com o corpo material e, portanto, tem-na todos os individuos das diversas ordens zoologicas, mesmo os mais rudimentares.

A dor physica é a manifestação da sensibilidade através da materia contundida, inflammada, enferma, impossibilitada de transmittir suavemente as vibrações da alma.

A cadeia indissoluvel que liga os reinos da Natureza não se quebra bruscamente — ha apenas uma suave transição de uns para com os outros, luctando com difficuldades os scientistas para os delimitar com precisão, como succede ás algas e aos zoophitos, cuja organização é quasi identica.

Não sendo, pois, grande a differença entre os mesmos, ha semelhança entre os corpos, os orgãos e as visceras dos irracionaes com as dos Primatas hominios, sujeitos todos ás mesmas leis physiologicas, ou naturaes.

Se só o homem fosse susceptivel á dor e ás enfermidades e os irracionaes tivessem os organismos immunes ao soffrimento, insensiveis como o aço, romper-se-ia o élo que as vincula pela materia, que é semelhante em todos os animaes.

A diversidade que ha entre um e outros, é a psychica — a da essencia divina que se encerra no escrinio humano e não a do estojo que a contém.

O soffrimento corporal é inherente á materia organica, uma das manifestações da vida physica, uma brida que refreia os instinctos impuros, uma advertencia benefica para a conservação da saude. É, pois, imprescindivel a todas as especies zoologicas.

Os animaes, quer os de constituição semelhante á do homem, quer os de organismo imperfeito não padecem como os racionaes unicamente para progredir espiritualmente, pois são inconscientes e irresponsaveis, mas, Deus, que tudo prevê, não os fez insensiveis como os mineraes porque a dor physica é-lhes indispensavel á propria defesa e conservação, como meio de serem domesticados, tornando-os uteis ás collectividades.

Um corcel que fosse indifferente á dor seria capaz de precipitar-se, com o cavalleiro, ao primeiro abysmo que se lhe deparasse, tentando livrar-se da sella e da carga importuna que lhe tolhem os movimentos, privando-o de viver ás soltas pela vastidão dos prados, ou á sombra das florestas.

Por que recuam temerosos, ante á ameaça de um calhão ou de uma farpa, um cão ou um touro enfurecidos? Com o receio do soffrimento que teriam se fossem por elles attingidos.

Sem o terror á tortura physica nada deteria as feras em suas investidas para ferirem a quem lhe aprouvesse.

Os irracionaes necessitam da dor, pois, para que possam, em estado de liberdade, defender a propria vida, temer as sevicias, sofrear os impulsos ferozes, submetter-se ao dominio e aos ensinamentos do domador, procurar repouso e alimento, tornar-se menos perigosos ao homem, manter o instincto de conservação, que o não teriam se os seus corpos fossem desprovidos de sensibilidade.

O homem progride mais pelos padecimentos moraes do que pelos physicos; nos irracionaes predominam estes sobre aquelles. As rezes, á vista do sangue de um vitello massacrado, mugem desoladamente, mas, minutos após, olvidam a causa de suas magoas; ao passo que na alma humana, o tormento moral dura, ás vezes seculos!

A dor é util aos animaes para que os fracos e pequenos se defendam dos fortes e crueis, procurando esconderijos inaccessiveis a seus adversarios nas furnas, ou nas mais altas frondes; para os tornar submissos, laboriosos e domesticados, temendo os rigores, dos que os possuem.

Se fossem impassiveis como as effigies de bronze, não teriam o instincto de conservação e arrojar-se-iam a um despenhadeiro, á agua ou ao fogo, quando fossem perseguidos pelo homem para lhes tolher a liberdade ou se utilisar de seus prestimos. Destituidas da dor corporal, isentas de sensibilidade, as especies se extinguiriam com rapidez pasmosa.

É por temor ao soffrimento que prestam elles relevantes serviços aos senhores, buscam refugio nas cavernas e nas selvas contra os mais barbaros, defendem-se contra os seus inimigos, perpetuando-se, assim, as raças, através dos seculos. Eis a necessidade da dor nos irracionaes.

Pergunta — A dor é, pois, necessaria aos animaes unicamente para a conservação das especies e para os tornar uteis á humanidade?

Resposta — Não. Ella não lhes é inutil em beneficio ou proveito proprio.

Seus espiritos tambem se acrysolam pelo soffrimento, submissão, labor. Quando tal succede melhoram de condições physicas e moraes, reencarnam-se em planetas mais apurados que a Terra, onde são tratados menos duramente e suas existencias decorrem suavemente.

Allan Kardec.

--

--

Caliban Kalitz

"No Man, when he has lighted a candle, cover it with a vessel, or put it under a bed; but set it on a candlestick, that they which enter in may see the light."