Sobre as ordens que o corpo obedece

Camila Figueiredo
3 min readSep 20, 2016

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A relação entre corpo e mente sempre a deixara encabulada. Como era possível que a mente causasse tanto estrago ao corpo? As marcas e feridas ainda abertas, mostravam o pedido que aquele corpo fazia, cansado de se ver refém de todos aqueles maus tratos. Não é como se estivesse se sentindo bem, definitivamente não estava, em especial emocionalmente. Os sinais que seu corpo dava apenas serviam como confirmação de seus pensamentos mais autodestrutivos, suas maiores fraquezas que, ainda hoje, não conseguia superar. Se sentia incapaz, impotente, incompetente, sentia que por mais que quisesse e tentasse qualquer coisa o fracasso sempre lhe acompanharia. Naquele momento, seu corpo só lhe confirmava isso. Seu corpo apontava com dores que não deveria sair, pois sofria. Determinava com irregularidades que não podia começar um novo curso, precisava estar em casa.

Difícil saber como tratar os sinais que nosso corpo nos oferece, entender o que ele quer nos dizer. Certa vez, conversando com um amigo, falava sobre a dificuldade imposta a médicos veterinários, visto que seus pacientes não compartilhavam da mesma linguagem que os humanos. O exercício exigia, para o amigo, um pouco mais de sensibilidade para compreender os sinais que o corpo daquele animal dava, já que não podiam dizer o que sentiam. Pensando no assunto depois, achou engraçado que apesar de seres humanos possuírem linguagem própria, havia uma imensa dificuldade em compreender o que sentem e de falar sobre si e sobre esses sentimentos.

No dia anterior, por exemplo, passava mal e quando questionada sobre o que sentia, respondeu apenas que sentia dor. “Sim, mas que tipo de dor? Cólica? Desconforto? Pontadas?” Achou graça de não saber definir a própria dor, mas, afinal, percebeu que fosse exclusividade ou não, também tinha dificuldades de elaborar mesmo as dores emocionais. Pensava tanto sobre o que seu corpo queria dizer a respeito de sua mente, pensava muito sobre o que sua mente tentava lhe dizer a respeito de sua vida através de sonhos, sentidos, reflexões… No fim das contas, não entendia quase nada do que acontecia naquela relação. Estaria o corpo enviando pedidos de socorro? Ou estaria ele fornecendo o socorro que parecia necessário?

Inquieta, continuou pensando sobre o assunto, até que uma possível relação se estabelecesse em seus pensamentos. Sabia bem que o medo tinha um enorme poder paralisante, além do poder de exaltar sentimentos péssimos e nada convenientes. Desse modo, como correr atrás de qualquer desejo, se tudo o que você consegue sentir é que vai dar errado e que seus esforços serão em vão?

Pareceu-lhe que tudo o que uma mente cansada e debilitada quer são motivos para não se mover, para não sair do lugar. Nesse sentido, não estaria o corpo oferecendo apenas o que estava a mente lhe pedindo? Quando pensava nos momentos em que sua saúde física estivera mais debilitada, o ponto que se mostrava relevante era o de que esses haviam sido os momentos em que tanto se sentia impotente e indisposta. Nos momentos em que sua saúde estivera realmente mal, a ponto de não conseguir sair de casa, a verdade era que não sentia vontade de sair. Seu corpo ali, lhe dava os recursos que tanto precisava, as justificativas inquestionáveis de que não era sobre não querer, mas não poder. O que não esteve sempre claro era que o não poder, aparecia convenientemente se sobrepondo ao não querer, que existia e, apesar de bem escondido, comandava todo o processo. O corpo legitimava o desejo e a escolha de permanecer imóvel, paralisada.

Retornou à sua pergunta inicial. Como era possível que a mente causasse tanto estrago ao corpo? Na bem das verdades, refletiu, deve ser o corpo quem faz as vontades da mente, sejam elas saudáveis ou não.

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Camila Figueiredo

30 anos, mineira, historiadora, profª, aspirante à escritora e tenta manjar de psicanálise. Vive para se encher de sentimentos, escreve quando vai transbordar.