Mindhunter e as lições que aprendi (ou relembrei) sobre pesquisas com usuários

Camila Steffen
5 min readNov 8, 2017

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Se você não está familiarizado com as produções da Netflix, Mindhunter é uma série que acompanha agentes do FBI iniciando os estudos sobre ciência comportamental e a relação entre a psicologia e a criminalidade. A série é produzida por David Fincher (Clube da Luta, Seven, A Rede Social) e, se você ainda não assistiu, esse texto contém alguns poucos spoilers (mas a série é baseada em fatos, viu).

Eu comecei e terminei de ver a série em um único final de semana e, enquanto assistia minha mente não conseguia parar de fazer relações com o meu trabalho. É um pouco estranho, já que na série estamos lidando com assassinos cruéis sem nenhum tipo de remorso e no meu dia a dia lido com usuários que estão preocupados em fazer um bom trabalho e que precisam de uma ferramenta digital que os auxilie nas suas tarefas diárias. Mas, mesmo com essa disparidade, ainda consegui tirar algumas lições ou relembrar itens importantes que devem ser aplicados durante o nosso trabalho como designers.

1 — “O problema é que ninguém está questionando isso.”

Logo no início da série o protagonista Holden Ford, percebe que há uma mudança nos casos de assassinatos: até então a maioria eram crimes passionais, cometidos por conhecidos da vítimas, mas na década de 70 isso passou a mudar e o número de crimes onde não havia relação alguma entre vítima e criminoso começaram a aumentar. Os agentes daquela época só viam os números de casos não resolvidos crescerem, mas ninguém se perguntava o porquê.

O nome do cargo dos designers de experiência do usuário tem inúmeras variantes, mas é indiscutível que em todos eles existe a característica de fazer perguntas. Ser curioso. Perguntar os porquês. Os tempos mudam, a tecnologia evolui e, sempre devemos nos perguntar porque precisamos de alguma feature, quais problemas ela vai resolver e o mais importante: a quem ela vai ser útil.

2 — Ter um roteiro é importante, mas é necessário saber improvisar de acordo com o usuário

Não só de instinto policial viveram essas entrevistas. Em Mindhunter, para obter dados consistentes e encontrar padrões, os agentes criaram um roteiro básico para aplicar durante as conversas com os detentos. Nem sempre foi possível seguir e colocar em prática o roteiro, já que estavam lidando com pessoas instáveis e imprevisíveis.

O mesmo fazemos com nossos usuários. Após traçar o perfil de quem precisamos conversar desenvolvemos um roteiro contendo tudo o que precisamos descobrir, de acordo com o objetivo do projeto. Dependendo do tema que estamos lidando é difícil atingir o público ideal para as entrevistas. Por isso é importante falar a linguagem do usuário, saber improvisar e não deixar que a entrevista se torne irrelevante.

3 — A importância das entrevistas

Foi tentando compreender o novo cenário que estava surgindo que os agentes começaram a entrevistar os assassinos em série. A partir dessas conversas foi possível identificar características e até as motivações dessas pessoas e desta forma o FBI conseguiu criar os perfis criminais.

Nós sabemos que é importante conversar com nosso usuário, mas é sempre bom relembrar o quão ricas são as conversas com quem utiliza nossos produtos. Além disso, ainda há empresas que se opõem a aplicarem entrevistas por acreditar que seu conhecimento técnico e de negócio é suficiente para prover soluções, assim como os agentes do FBI que achavam um absurdo utilizar criminosos como fonte de informações. Outro ponto importante que a série nos lembra é sobre encontrar padrões e obter dados que nos ajudem a tomar decisões em relação ao projeto.

Netflix

4— Taxonomia e porque todos devem falar a mesma língua

Uma das coisas mais legais de Mindhunter foi ver como eles criaram alguns dos termos criminais mais importantes, como Serial Killer. Como estavam lidando com assuntos até então desconhecidos, constantemente esses novos termos eram testados. É importante ressaltar também que esses termos deveriam ser fáceis de compreender, para que qualquer policial pudesse entender e aplicar.

Taxonomia se aplica no nosso trabalho também. Aplicamos card sorting para validar os textos que utilizamos em nossas interfaces e como os usuários os interpretam. Durante o desenvolvimento de um projeto, também é importante que todos utilizem o mesmo vocabulário e se expressem da mesma maneira, desta forma não há dúvidas sobre o assunto que está sendo tratado. Criar um dicionário próprio, que represente o projeto e o problema que está sendo resolvido é uma ferramenta poderosa e que enriquece o processo.

5 — Co-criação e discussões

A série é construída em cima de diálogos, os personagens estão o tempo todo discutindo e debatendo os casos, as motivações, sobre o estudo que estão fazendo. Além disso, o time também conta com perfis e skills diferentes. Isso também é um dos motivos que torna a série tão especial.

Aplicando isso a nossa realidade, fica muito claro a importância de trazer desenvolvedores, product owners e qualquer um interessado no projeto que possa trazer uma visão diferenciada. Desta forma todos ficam alinhados, todos contribuem e todos veem a relevância do que está sendo feito ali. Não podemos esquecer que o envolvimento do time no projeto também desperta o sentimento de pertencimento e engajamento sobre o produto.

6 — Empatia

Todos esses assassinos são monstros certo? Mas em ordem de entender porque eles são da forma como são, não é o suficiente se contentar apenas com “se nasce ruim, se nasce bom”. Mesmo com aqueles que tiraram friamente a vida de pessoas inocentes, foi necessário ter empatia para entender o background desses criminosos e desenvolver os perfis criminais.

Já foi discutido a exaustão como o trabalho de UX Designers só pode ser completo com uma boa dose de empatia. É por isso que temos várias ferramentas que nos auxiliam no processo de colocar a nós e o time no lugar do usuário. É um exercício que nunca podemos parar de praticar, seja no trabalho ou na vida.

É interessante ver como métodos utilizados há 40 anos atrás, em um campo completamente diferente do design e da tecnologia, ainda podem trazer insights relevantes. Pesquisa com usuários é uma ótima ferramenta para descobertas e tomadas de decisões e, quando unimos a pesquisa com análise de dados e co-criações o processo se torna ainda mais rico e poderoso.

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