Por que começar seu projeto com um designer?

Camilla Annarumma
5 min readApr 3, 2017

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Desde o meu primeiro contato com o mercado de trabalho, há quase 10 anos, eu vejo com frequência o design ser usado como a cereja do bolo. Depois que é definido o projeto, depois de resolvido o conteúdo, depois que todas as funcionalidades foram determinadas, aí sim o designer é chamado para “deixar bonito para o lançamento”. Especialmente quando falamos de design gráfico.

Incontáveis são aqueles projetos maravilhosos inscritos em um edital onde, depois de detalhar todos os métodos e métricas, são destinados aqueles 10 ou 20% do recurso para “comunicação”, o que inclui o designer, os canais, as gráficas, sem nem imaginar o que vai ser feito. Quem nunca? Isso é compreensível, ainda mais quando estamos falando de iniciativas socioambientais. Organizações sem fins lucrativos, negócios de impacto social e as famosas “euquipes” nem sempre dispõem de núcleos de comunicação, design ou marketing que possam acompanhar o projeto desde o princípio. Em geral, não existe uma estratégia e já caímos direto na geração de conteúdo e criação das peças, o que notoriamente reduz a eficiência e capacidade de alcance da ação.

Depois de 3 anos trabalhando com design no estúdio Umcomum, eu aprendi a fazer uma pergunta para nossos clientes: “Por quê?”. Por que você precisa fazer um aplicativo? Por que você precisa fazer uma publicação? Por que você precisa fazer um crowdfunding?

Por quê? Por quê? Por quê?

O resultado tem sido fantástico. Parece simples, eu sei. Mas é dessa forma que convidamos as organizações a se questionarem sobre os projetos, aprofundando o entendimento do contexto, que define o problema que querem resolver, e a solução proposta. Tudo isso levando em conta não só os resultados, mas prazos e custos, aspectos primordiais sobretudo no desenvolvimento de projetos socioambientais.

Eu gosto sempre de contar um caso que aconteceu com um empreendedor social que bateu na nossa porta pedindo um orçamento para um projeto, diga-se de passagem, lindo. Era uma iniciativa sobre educação ambiental para crianças por meio de métodos lúdicos, uma coisa que dava gosto de ver. O empreendedor chegou muito animado com ideias mirabolantes. Ele queria criar uma plataforma online interativa, onde professores da rede pública de todo o Brasil pudessem criar seus usuários, baixar conteúdos e subir registros de suas atividades a respeito da aplicação do projeto nas escolas.

Conforme ele ia mencionando funcionalidades, eu ia fazendo uma conta imaginária de quanto custaria aquele projeto considerando ilustradores, programadores, além de todo o trabalho de design que seria feito. As cifras só subiam e já passavam dos 5 dígitos quando eu o interrompi e perguntei se ele fazia alguma ideia da complexidade daquilo tudo e se ele tinha separado recursos consideráveis para a implementação. Ele disse que estava levantando orçamentos justamente para captar os valores. Ao menos ele tinha a consciência de que precisava de tempo para captar e que o desenvolvimento do projeto levaria uns bons meses.

Antes de começar um projeto precisamos sempre nos perguntar “Que desafio eu estou tentando resolver?”

Mas então eu comecei a questioná-lo. Precisa mesmo ser uma plataforma interativa? Você acha que os professores da rede pública vão engajar em mais uma plataforma, além das que eles provavelmente já dependem obrigatoriamente? Acha que a internet vai dar conta, considerando a precariedade dos laboratórios de informática e acesso à rede de grande parte das escolas públicas, especialmente as do interior do Brasil (aliás, foco principal do projeto)? Antes que o balde d’água fria fosse completo, perguntei quais eram os desafios que ele queria resolver. Foi quando chegamos a conclusão que talvez uma outra solução alcançaria resultados ainda melhores, custando aproximadamente 20% do valor e tempo da ideia inicial.

Isso se deu em 25 minutos de conversa. Expliquei para ele que aquela solução em que chegamos não era necessariamente o melhor caminho. Talvez sim, talvez não, só mesmo com um tempo para conhecer melhor o desafio dele e o público é que poderíamos investir de fato em uma ideia. Mas queria mostrar pra ele que era necessário dar um passo atrás antes de sair captando para desenvolver uma plataforma que possivelmente não funcionaria.

Em projetos como o Spindow, tivemos oportunidade de participar desde o início da ideia até a primeira tiragem que foi para as lojas. Nos aprofundamos no assunto, conhecemos o público-alvo e prototipamos junto com o empreendedor durante dois anos de trabalho e acompanhamento. Em breve escreverei um texto com mais detalhes sobre esse projeto que nos rendeu com muita alegria, recentemente, a prata no European Product Design Award.

Fonte: Spindow.com.br

Não quero dizer com isso tudo que o designer é uma espécie de oráculo e que nenhum projeto deveria começar sem ele. Mas o método projetual do designer permite que ele enxergue as reais necessidades e barreiras de um projeto. E os resultados desse método se potencializam quando estamos falando de iniciativas socioambientais.

Por meio dos três pilares que sustentam o trabalho de um designer (empatia, colaboração e experimentação) é possível pensar em soluções que gerem impacto positivo de forma genuína e usá-lo como uma poderosa ferramenta desde o início de uma ideia. É por meio da empatia que podemos compreender as reais necessidades de um indivíduo, comunidade ou ambiente e estabelecer com mais clareza o desafio que queremos sanar; é por meio da colaboração que incluímos o empreendedor, o usuário e beneficiário no processo criativo, somando a perspectiva e bagagem deles na criação de um projeto, tornando-o mais eficiente não só pela união de diferentes olhares, mas também por facilitar sua implementação uma vez que o público se percebe parte da solução; e é por meio da experimentação que podemos errar rápido e barato, testando protótipos e validando ideias diversas vezes para garantir que o investimento final seja feito com tranquilidade na melhor solução.

Dessa forma, com o designer acompanhando e participando desde o começo do projeto, o trabalho lá na ponta final, seja ele gráfico, produto ou serviço, é muito mais coerente e funciona muito melhor. Isso só acontece quando há um desenvolvimento estratégico. Não adianta fazermos um projeto bonito, intuitivo e simples, se toda a estrutura por trás de seu funcionamento não foi de igual forma pensada com cuidado, levando em conta a interação com o usuário final e suas anseios.

O que muita gente ainda não sabe, e cabe a nós designers esclarecer e conduzir os projetos de uma maneira mais compreensível, é que design é sobre resolver problemas e gerar soluções com responsabilidade socioambiental. Um trabalho muito mais profundo e complexo do que simplesmente colocar a cereja no bolo.

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