Café para três.
Eu não sei ser uma mulher só.
Desde que aprendi a passar um café, o faço para três. Dentre os poucos rituais do meu lar, tomar um cafézinho no fim da tarde com minha mãe e irmã era um dos meus preferidos e para tornar esse momento cada vez melhor, fui me aprimorando na arte de passar um bom café.
Elas eram simpatizantes do “chá-fé”, eu uma grande fã de café forte, tão preto que nem se vê o fundo da xícara. Encontrar um meio termo foi desafiador, mas entre testes e caras torcidas da minha irmã, cheguei no café perfeito para nós. O café era protagonista, mas também haviam outros personagens: o jogo americano de crochê, as bolachinhas e os pratos e xícaras que descombinavam entre si, mas combinavam com a personalidade de cada uma.
Naquela mesa circulava um mundo inteiro: ciência, política, religião, o conhecido e desconhecido. Entre um gole de café e outro, eu refletia sobre o privilégio de conviver com mulheres inteligentes — Mesmo que em diversos momentos testemunhasse as dúvidas que possuíam sobre si mesmas. Em alguns momentos me via questionando a decisão divina de mandar uma mulher medíocre como eu, numa família de mulheres tão extraordinárias.
Sempre que entro no espiral da dúvida sobre mim mesma, me lembro dos nossos cafés e de um poema de Rupi Kaur que dizia:
“me levanto
sobre o sacrifício
de um milhão de mulheres que vieram antes
e penso
o que é que eu faço
para tornar essa montanha mais alta
para que as mulheres que vierem depois de mim
possam ver além” — Rupi Kaur, Legado.
Como posso me considerar tão pouco, quando essas mulheres desbravaram mundos inteiros por mim? É injusto eu me querer tão pouco, quando sacrificaram tanto por me querer muito. Assim como o café, pensar nisso me traz aconchego, quentura e afago. O Universo pode ter mandado uma mulher medíocre para essa família, mas sabendo que se tornaria extraordinária — E confio no meu potencial de ser.
Os cafés que eram diários se tornaram anuais, fui desbravar outros mundos, distante daquela mesa. Tudo mudou, mas o que continuou o mesmo foi meu café: continuo fazendo com a medida perfeita para agradar as três e mesmo sozinha, conto três xícaras.
Eu não sei ser uma mulher só, porque não sou. Sou três.