O “não” que me trouxe de volta

Cândida Schaedler
4 min readAug 3, 2023

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Mas que, antes de proporcionar clareza, me derrubou

Abri o e-mail numa terça-feira de manhã corriqueira e lá estava, com toda a pompa em língua estrangeira com a qual as notícias que ninguém quer dar e ninguém quer receber vêm embrulhadas: o “não” que me derrubou. Era final de março e eu aguardava aquela resposta com muita ansiedade, oscilando entre o otimismo e o pessimismo com mais intensidade do que gostaria.

Ao ler o primeiro parágrafo e entender que não tinha saído como planejei, fiquei tão perplexa que mal consegui falar por dois dias. Silenciei, tamanha a incredulidade. Eu parecia uma criança birrenta. Fui chorar no banheiro do trabalho duas vezes, voltei com a maquiagem intacta e não contei para ninguém. Verbalizar aquilo seria admitir que foi real.

Meu lado Atenas seguiu, fez tudo o que tinha que fazer educada e prestativamente — mesmo que tão cabisbaixa que não tenha tido uma pessoa que não percebeu que alguma coisa havia saído do lugar. Minha Ártemis protestou, pegou o arco e a flecha e só queria acertar na cara de todo mundo — principalmente dos responsáveis pela dor (será que deveria mirar em mim mesma então?).

Olhei para um espelho gigante e enxerguei o monstro do “não foi bom o suficiente”. Doeu como poucas coisas já doeram. Caí do pedestal imaginário em que eu tinha colocado minha aplicação àquela oportunidade. Eu jurava que era perfeita. Como não viram???

Genuinamente, eu me perguntava: “o que vou fazer agora? Como vou justificar para mim mesma que tudo que eu tinha planejado minuciosamente se desmanchou?”. Meu maior medo era virar uma pessoa amargurada, porque “perdeu a chance da sua vida”, porque tudo o que mais queria não tinha dado certo e não haveria outra coisa melhor.

Há sete anos eu sonhava com aquela submissão. Foram meses de dedicação, mentorias, traduções e projetos. Eu sentia que era o momento certo, que o “sim” viria, que tinha que ser como eu queria. Quando a resposta oposta chegou, fiquei inconsolável, tão triste que nem conseguia chorar, imaginando que minha vida profissional tinha sido enterrada ali.

Sério. Foi exatamente isso que eu senti por dois dias. Vivi o arquétipo da canceriana dramática na potência máxima. Até que nem eu me aguentei mais.

Durante uma caminhada no fim do segundo dia de luto, entendi que não era aquela oportunidade, de forma concreta, que eu queria. Eu desejava o sutil que ela me proporcionaria. E isso eu poderia trazer para o meu cotidiano a partir daquele momento. Só teria que deixar de ser covarde.

A verdade é que quando a gente coloca um objetivo tão claro na nossa cabeça e mira especificamente em um alvo tão concreto, a gente esquece do que realmente há por trás daquele desejo. No meu caso, o “não” mais doído que recebi há muitos anos foi o “sim” mais profundo à minha vida criativa, para eu me dar um chacoalhão e voltar pros trilhos do que realmente brilha em mim: escrever, ter tempo livre pra viver minha verdade e meus sonhos, colocar minha voz no mundo.

Era isso que eu queria: tempo (todos os ex-bolsistas com quem conversei salientaram isso, e meus olhos chegavam a brilhar), dinheiro (a bolsa paga bem) e liberdade (eu poderia fazer o que quisesse, pesquisando justamente o que amo, sem o mundo acadêmico no meu encalço, porque saí do mestrado mais traumatizada do que admiti).

A dor deu lugar à clareza e a uma chama de inspiração que ainda agora brilha. Então, comprei passagem para a Argentina numa noite em que tomei uns vinhos a mais, comecei a fazer uma leitura conjunta do livro que desbloqueou minha alma artista, me matriculei na academia, iniciei aulas de skate, comecei a planejar melhor minhas finanças… e o principal: entendi que ainda dá tempo, que minha vida profissional não está enterrada, que só não era naquela porta.

Hoje de manhã, depois de quatro meses, recebi o motivo da rejeição. Doeu um pouco de novo, mas só pela nostalgia do que não vivi e pela busca intensa dos próximos passos que darei. Sinto que estou trilhando meu caminho com toda a autenticidade que consigo, genuinamente curiosa, com os roxos daquela queda quase curados.

Se foi preciso isso, aceito (até sem o beiço que me acompanhou por longos e doídos dias). Recolhi a flecha que queria atirar em todo mundo. Já estou mirando em outro alvo, confiando na clareza que aquele “não” me proporcionou. Tudo que tem acontecido me mostra que, se não fossem essas três letras, eu ainda estaria entorpecida, projetando em outro continente o que eu só encontrei dentro de mim.

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