Desenhando o Afrofuturismo

Rodrigo Cândido
4 min readJul 19, 2017

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Yohance, quadrinho dos gringos da Midas Monkee

Tem muita gente bacana falando de afrofuturimo na interwebs brasileira. Falando. Falando. Falando. Mas penso em como é difícil tirar esses conceitos da cabeça e transportá-los para as artes visuais, dar vida à um personagem mega inspirado na cultura iorubá ou mesmo criar um épico baseado em mitologia egípcia, por exemplo. A treta começa quando não sentimos o quanto os estudos acadêmicos (ou não) são eurocentrados e nos impelem de retratar erroneamente o que vem da Africa como resquício de cultura pop, uma caricatura de nós mesmos e dos ancestrais.

Lápis cor de pele

Frequentei algumas escolas de arte, tenho “alguns” livros sobre o assunto. Em ambos os casos é notório que temos como norma aprender a como desenhar caucasianos. Ok, impossível algum material de estudo inicial abordar todos os biotipos e etnias da Terra, pensa-se que esse aprofundamento é papel do futuro desenhista. Mas quando sua base é fortemente inserida e torna-se norma, a base passa a ser o que é reproduzido pelo aluno como padrão e as vezes apenas sua vivência o ensinará o contrário. Quantos ilustradores cresceram vendo anime e começaram seus trabalhos reproduzindo a estética do nariz pontudo e olhos arregalados, mesmo que nem todo personagem se encaixa-se no perfil? É sabido que um negróide tem características próprias em sua face, não é apenas trocar o “lápis cor de pele” pelo marrom que virou negro, ou mesmo caricaturizar ao extremo pra deixar a diferença mais clara, tipo queles cartoons do século passado em que os de descendência africana mais lembravam alguém fazendo black face do que tudo.

Então pra começar a ilustrar o seu afrofuturismo comece do básico, desenhe o negro com características de negro. Parece simples, e é.

Mas eu gosto de cavaleiros medievais

Outro ponto comum em nosso referencial criativo é que toda cultura pop bebe quase das mesmas fontes, por agora se buscarmos nos produtos de entretenimento mais populares voltados à fantasia veremos por lá super-heróis, cavaleiros medievais, ninjas, bruxos…novamente produtos de culturas que vem pra nós com tanta força que se tornam norma quando buscamos ideias para material próprio, que aliados à nosso ensino médio em que aprendemos mais sobre a Europa do que sobre o Brasil, e menos ainda sobre a Africa. Mas “então eu não posso fazer histórias com cavaleiros e dragões?”. Claro que pode, mas onde está o afrofuturismo se o seu referencial é apenas eurocentrado? E por que não buscar na Africa, um continente tão vasto e antigo, temas para os mais demasiados títulos? Digamos que lá tem 54 países, muitos com sua própria língua, mitos, religiões, coisa pra alimentar milhares de histórias que estão por aí no campo as ideias só esperando alguém por no papel.

Se ainda assim for difícil se soltar das referências de sempre, lembremos que certos arquétipos podem ser usados pra facilitar essa transição. Imagine que queira contar uma história de um cavaleiro medieval que quer enfrentar um dragão pra salvar uma princesa. Troque cavaleiro medieval por guerreiro zulu ou massai, o dragão por um ninki nanka ou impundulu e a princesa, bem, você decide se ela será uma mocinha indefesa de conto de fadas ou não. Mas sacaram que basicamente a história é a mesma, mas visualmente é outra coisa, talvez até algo inédito para o público?

Sem Limites nos panos

Parece que estou do fim pro meio, mas vocês entenderão o raciocínio. Se no começo falei de como representar o negro fisicamente e depois do rumo que sua história fictícia poderia tomar, faltou um aspecto para completar esse novo imaginário: cenário. É muito simples pensar em uma história de super-heróis, mas pensando em um mundo afrocentrado, será que ele usaria mesmo um collant com cueca por cima da calça? E a heroína, seu traje seria mais vantajoso para apreciação dos voyeurs ou para manter a integridade de seu corpo durante uma batalha? Essa discussão pode ser levada desde as roupas até a arquitetura de nossas histórias, ao invés de apenas travestir o que existe ao redor para um viés africano, o ideal seria imaginar como reagiria a própria estética negra sem a influência externa, ou mesmo como ela cresceria em conjunto com alguma nova tecnologia baseada em outros princípios que não o dos grandes pensadores brancos. Um amigo comentou que Wakanda (dos quadrinhos do Pantera Negra) talvez seria a Africa sem a influência dos colonizadores. Porque edifícios certamente seriam construídos um dia, talvez só não teriam a aparência das caixas de sapato que vivemos hoje.

Wakanda

Estou caminhando pelo afrofruturismo a pouco tempo, admito que muito do que teorizei acima ainda não foi aplicado em minhas ilustrações. Mas já sei onde quero chegar e qual o caminho, e quanto mais gente me acompanhar nessa jornada melhor. Venham!

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