Literatura juvenil e formação pessoal

Carla Bitelli
7 min readJun 30, 2016

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Esta semana, uma querida amiga (também editora) postou a seguinte imagem no Facebook dela:

“O livro que você lê na infância se torna parte da sua identidade; nenhuma leitura em outro momento da vida faz isso.” [Tradução e adaptação minhas. O trecho é do filme Mens@gem pra você.]

No caso, a personagem da Meg Ryan está falando de literatura infantil, mas não é absurdo estendermos a ideia para as leituras da adolescência. Querendo ou não, são períodos formativos: é quando descobrimos quem somos, como queremos nos apresentar ao mundo, como nos relacionamos com amigos, sociedade, família etc.

Assim, a questão não é se são ou não os melhores livros já escritos, mas o impacto dessas leituras na vida da pessoa. É entender o tamanho desse impacto, de modo a nos tornarmos produtores (autores, editores etc.) melhores.

Gostaria de propor, então, um compartilhamento de experiências. Vou apresentar a seguir alguns dos livros que, de um jeito ou de outro, marcaram a minha pré-adolescência e adolescência. São os livros que me vêm à cabeça, ou seja, títulos que por qualquer motivo estão registrados na minha memória. Vocês vão ver que alguns motivos parecem bem bobos, na verdade.

Convido a compartilharem as suas listas nos comentários! Acho que pode ser um troca bacana, especialmente para tentar identificar possíveis diferenças (regionais, etárias, de gênero etc.), mesmo que, óbvio, não sirvam para fins estatísticos.

Minha lista

A ilha perdida (Maria José Dupré, Ática): leitura obrigatória na minha 4ª série, não gostei nem um pouco. Achei a história arrastada e velha. Muitos anos depois, ao reler, tive a mesma impressão. (Desculpa, Maria José Dupré, mesmo assim eu te admiro muito.) O que mais me marcou foi perceber que, apesar de ser leitora voraz, não iria gostar de todo livro que caísse nas minhas mãos.

O mistério do cinco estrelas (Marcos Rey, atualmente da Global): li não lembro por quê, mas não era leitura escolar. Acho que foi indicação de uma professora, a meu pedido. Amei de paixão e fui atrás de todos os Marcos Rey da Vaga-Lume, bem como outros livros policiais para jovens. Se tornou meu gênero favorito da época. Quando descobri, mais velha, que o Marcos Rey tinha livros para adultos, quase chorei de emoção (e amei os que li). Por causa de O mistério do cinco estrelas, fiquei obcecada por 1) livros da Vaga-Lume e 2) livros da Ática.

O escaravelho do diabo (Lúcia Machado de Almeida, Ática): na toada dos livros do Marcos Rey, acabei neste aqui. Na verdade, eu estava tão doida pela Vaga-Lume que pedi de Natal livros da série à minha escolha, dentre os quais este aqui. Enfim, achei bem fraquinho, larguei no meio e voltei meses depois pra ler porque na época eu jamais abandonava leitura (ainda tenho essa dificuldade). Hoje continuo achando um livro meio esquisito; apesar de não ter visto o filme ainda, fiquei feliz que foram feitas adaptações para o roteiro, porque precisava.

Os Karas (Pedro Bandeira, Moderna): comecei a série com Pântano de sangue, que peguei emprestado do meu primo. Adorei. Depois arranjei os outros quatro Karas e fui buscar outros Pedro Bandeira. Me impressionava que os personagens sabiam código Morse. Meu favorito era Anjo da morte, mas eu gostava muito também de Droga de americana!, especialmente porque, ao contrário dos outros “droga”, que envolviam alguma substância, o título era uma exclamação.

Mariana (Pedro Bandeira, Ática): um que me traumatizou. Eu achava muito condescendente uma menina que fica inventando um namorado para a amiga, parecia fruto de um imaginário fútil sobre uma pré-adolescente/adolescente, afinal, que tipo de garota fazia uma coisa dessas? Ela também queria muito menstruar e desenvolver corpo, algo que não reverberava para mim. Só fui entender o apelo do livro quando, anos depois, tive uma colega de escola que mentia que nem doida sobre o namorado (inexistente) dela. Hoje em dia gosto bastante do livro.

A marca de uma lágrima (Pedro Bandeira, Moderna): novela de investigação+amor platônico, receita de sucesso para a Carlinha. Gostava muito do livro. Tempos depois, quando assisti ao filme Roxanne, fui saber que era uma adaptação de Cyrano de Bergerac.

Tive o prazer de trabalhar na edição da obra pela Ática.

Revolução em mim (Marcia Kupstas, atualmente da Ática): um dos livros que mais me marcaram. A personagem, Maria Rita, passa por transformações profundas e reconstrói as relações e os desenhos que tem de família (os pais se separam no início da narrativa), pátria (é a luta pelas eleições diretas) e amor (e sexo). Tive o prazer de editar a obra quando ela foi para a Ática, e o livro se mostrou tão bom quanto eu lembrava. Sou fã.

Depois daquela viagem (Valéria Piassa Polizzi, Ática): livro que me marcou bastante também, por apresentar a história impactante da autora, que foi contaminada com Aids aos 16 anos. Confesso que me lembro menos da jornada contra a doença e mais das experiências dela na juventude, como ir a festas etc. Tirou um estigma para mim ver que a doença não mudava o fato de ela ser jovem e ter uma vida para viver.

A história sem fim (Michael Ende, Martins Editora): quando ganhei o livro, não sabia que os filmes de que eu tanto gostava eram adaptações. Lembro direitinho de quando abri o pacote (ganhei, de uma vez só, este livro, Depois daquela viagem e Revolução em mim, todos indicados à minha mãe por uma livreira cujo nome desconheço mas que amo demais, obrigada!) e minha mãe explicou que, de acordo com a livreira, cada cor do texto do livro representava um mundo — o real e o da fantasia. Já reli umas boas duas vezes desde então, e só não releio mais porque a fila de livros é grande. Foi o meu primeiro livro grandão e com letras miúdas.

Um amor do outro mundo (Ganymédes José, Atual Editora): me marcou mais um fato logo do começo da narrativa, quando a protagonista Camila resolve se livrar dos longos cabelos, que a mãe tanto adorava, e corta bem curtinho. Nesse ato ela começa a descobrir quem é realmente. Parece tolo, mas a atitude dela me mostrou o impacto de atos simbólicos.

Mais que um amigo (Elizabeth Winfrey, fora de catálogo): primeiro livro que li de uma série água com açúcar da Ática. Comprei por uma notinha de recomendação da Capricho e viciei. Este livro cita muito Casablanca, e por causa dele vi esse clássico que adoro. Ele também fazia algo a que hoje estamos mais acostumados: mudança de ponto de vista narrativo (o livro intercalava capítulos da garota e do garoto, mantendo a sequência da linha temporal). Eu gostava tanto deste livro que ia às bienais de SP só pra ver se tinha lançamento da série. Outra coisa legal dessa série é que tinha representatividade. Eram histórias avulsas, e lembro de narrativas protagonizadas por personagens negras, filipinas (bom, só lembro desses dois, mas talvez tenha outros). Tinha também uma história sob o ponto de vista do rapaz. Outro volume da série de que eu gostava muito era O amor chegou de surpresa, uma adaptação de Sabrina, que também adoro. Apesar de todas essas qualidades que eu via, não eram livros de grande sucesso, e tempos depois a série toda foi descontinuada. (A minha coleção particular foi doada a uma prima que virou fã.)

Eu li esta edição de bolso, da Globo. O livro agora é publicado pela Companhia das Letras.

Olhai os lírios do campo (Erico Verissimo, Companhia das Letras): leitura obrigatória na 6ª série; só outra aluna além de mim leu o livro inteiro. Amei tudo nele: o texto, o ritmo do autor, as discussões que ele colocou ali. Depois da prova sobre o livro, agradeci a professora pela indicação. Reli uma vez por ano depois disso, até entrar na faculdade. (Nota mental: comprar novo exemplar do livro, porque doei o meu.) Anos mais tarde ganhei todo O Tempo e o Vento, só falta ler O Arquipélago.

Através do espelho (Jostein Gaarder, Companhia das Letras): me emocionei muito com este livro, e depois dele procurei (sem sucesso) outras obras que me proporcionassem emoções similares. Li alguns outros do Gaarder, até, mas não gostei de nenhum como gostei deste.

Menções honrosas

Harry Potter (J.K. Rowling, Rocco): apesar de eu amar a série, ela entrou mais tarde um pouco na minha vida. Foi uma grande companheira, mas que não teve um impacto tão forte na minha formação pessoal e leitora. O maior impacto que senti foi no mercado de literatura juvenil: existe “antes” e “depois” de Harry Potter, que eu já notei quando leitora e consumidora dessa literatura. Uma mudança pessoal causada pelo bruxinho foi que passei a me interessar mais por traduções que pelos nacionais. Na verdade, também passaram a existir mais traduções no mercado, então tem essa relação de causa e consequência.

O menino que caiu no buraco (Ivan Jaf, SM): queria ter entrado em contato com este livro no começo da adolescência, e não depois de ter saído dela. Sou muito fã, como leitora e como profissional, do Ivan Jaf, e este livro em particular teria sido muito importante para a Carlinha, pois trata de um garoto cujo pai sofre com uma depressão paralisante e que precisa compreender e aprender a lidar com toda essa situação.

Diagnóstico da minha lista

De cara percebo que minha lista é bem pouco variada. Li muito livro de autoria nacional, muita coisa da Ática. Sinto que parte disso era não ter de onde tirar referência: não havia internet e, quando ela surgiu, não havia conteúdo nela; nem minha família nem meus amigos eram grandes leitores (quando o eram)… Me restava apenas pedir indicações para as professoras, já que nunca tive o hábito de frequentar bibliotecas públicas e a escola onde estudei adolescente não tinha biblioteca.

A lista também é curta, de certa forma, porque li muito do mesmo (como um número expressivo de narrativas de investigação estilo O mistério do cinco estrelas).

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E vocês? Me contem um pouco da leitura que os formou! E me contem também se, como eu, vocês não ficaram morrendo de vontade de reler vários desses títulos!

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