Por que não gosto do termo “infantojuvenil”

Carla Bitelli
3 min readJun 22, 2016

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Sempre que vejo a divulgação de algum evento, debate, publicação ou qualquer coisa do tipo sobre literatura infantojuvenil, fico com um pé atrás. Porque eu sei sobre o que vai se falar ali: vários aspectos da literatura infantil e formação de leitores. Sem dúvida, são tópicos importantíssimos. Já fui a diversos desses eventos, e existem muitos outros de que gostaria de participar, mas já sabendo que não vou encontrar neles uma discussão sobre literatura juvenil como literatura: o texto, o conteúdo das obras, as edições, a influência do editor, temas, ilustrações, estilos etc.

Não gosto do termo “infantojuvenil”, em primeiro lugar, porque o juvenil é fagocitado pelo infantil nessa dinâmica, o que torna o termo, de certo modo, mentiroso. Acho que seria mais honesto e seria melhor para todos os envolvidos tratá-los separadamente.

Outro problema é que esse termo acaba pondo no mesmo balaio dois momentos muito distintos da vida de uma pessoa: a infância e a adolescência. Se quando adultos percebemos esses tempos primordiais como uma coisa só, basta recuperar lembranças da infância e da adolescência para lembrar o quanto a puberdade (e toda a cultura que a acompanha) muda tudo em nossas vidas, inclusive nossas experiências e expectativas em relação à leitura. Não raro o adolescente rejeita os produtos destinados à infância (ou parte deles), inclusive os culturais e literários.

Na atuação profissional não é muito diferente. Quem já editou infantil e juvenil sabe a distinção que existe entre projetos editoriais para esses dois grupos. Desde questões textuais e visuais até questões práticas, discussões que estão aí, como a participação autoral de ilustrador em livros juvenis (um dia darei meus pitacos sobre isso). Podemos ainda lembrar que, mesmo no grupo só “juvenil”, temos diferenças etárias importantes — não dá para achar que é a mesma coisa editar para um jovem de 11 anos e para um de 17…

Como editores, autores e produtores de literatura juvenil, é importante entender o impacto que os livros têm para seu público leitor. De fato é um público que precisa ser ampliado, a formação de leitores precisa ser discutida, debatida e intensificada; contudo, temos um grupo grande de leitores jovens, que consome muita literatura (especialmente literatura juvenil). Não à toa casas publicadoras têm lançado selos editoriais específicos para juvenil; não à toa é um mercado que movimenta muito dinheiro; não à toa é um dos públicos com maior participação em bienais, por exemplo. E essa literatura não tem sido debatida no Brasil como deveria.

Que temas tratar? De que modo abordá-los? E a complexidade do texto? E a extensão do texto? Essas são algumas dentre várias perguntas que exigem reflexão.

Um exemplo muito claro para mim é a série Vaga-Lume, esses clássicos da literatura juvenil nacional que conquistam tantos leitores até hoje… Será mesmo? Será que os leitores de hoje se sentem de fato cativados por narrativas como A ilha perdida? Ou será que é uma imposição dos adultos mediadores, saudosos de sua leitura da infância? Por falar nisso, qual a influência desses mediadores (pais, professores etc.) na experiência de leitura dos jovens? Será que a leitura desse livro que citei é gostosa para o jovem de hoje? Será que a leitura é feita para mera apropriação do clássico?

São questões para as quais eu não tenho uma resposta formal. E justamente por isso acredito ser tão importante desmantelar o termo “infantojuvenil”, para abrir espaço para discussões aprofundadas acerca do que os leitores jovens de hoje gostam e procuram na literatura juvenil. Afinal, como inovar na área, como elaborar narrativas de qualidade, que acompanhem a evolução do perfil do leitor, sem evoluir na compreensão dos desejos dele?

É evidente que, neste texto, transparece meu lado editora no processo. Afinal, como editores, estamos sempre em busca de atender nossos leitores. Isso, porém, não nos impede (aliás, longe disso) de surpreendê-los com novas alternativas. Para tanto, precisamos colaborar com autores e formar e profissionalizar novos autores de livros juvenis. Como editora, acredito que este seja um dos papéis mais importantes que podemos cumprir.

Os títulos vencedores do Prêmio Jabuti 2015, respectivamente nas categorias Juvenil e Infantil, evidenciam as diferenças entre esses dois tipos de leitores.

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