Classificação do Panamá para a Copa dá orgulho e esperança ao país

Carlos Massari
4 min readApr 23, 2018

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10 de outubro de 2017, última rodada da fase final das Eliminatórias da Concacaf para a Copa do Mundo. Três países disputam uma vaga no mundial e outra na repescagem. No Estádio Rommel Fernandez, na Cidade do Panamá, 26 mil torcedores vêem o tempo passar e a seleção local mais uma vez morrer na praia após se aproximar muito do sonho da classificação: o empate em 1 a 1 com a Costa Rica não é suficiente para a inédita glória.

Quatro anos antes, a eliminação fora traumática: a vitória contra um já classificado Estados Unidos levaria o Panamá para a repescagem contra a Nova Zelândia e, já nos acréscimos, ela acontecia por 2 a 1. Gols de Graham Zusi, aos 47, e Aron Johansson, aos 48 minutos do segundo tempo, deixaram um clima de velório e uma ferida enorme no mesmo Estádio Rommel Fernandez e no povo panamenho.

O final do jogo tira, o final do jogo dá. 43 minutos do segundo tempo, lançamento para o ataque, desvio de cabeça. A bola se oferece, como pede a desorganização tática no momento, para o zagueiro Román Torres. Com uma certa veia goleadora (já são dez gols marcados com a camisa do país), ele fuzila a rede. A loucura toma conta do estádio, do país, de milhares de panamenhos espalhados pelo mundo. O narrador David Samudio não se contém em uma das narrações mais emocionantes que este planeta já presenciou:

Uma dessas milhares de panamenhas espalhadas pelo mundo é Chris Murillo. Há dois anos e oito meses, ela mora em São Paulo, onde veio estudar gastronomia, hotelaria e português. Conta que não conhece outros compatriotas na cidade e que, naquele 10 de outubro, estava em um ônibus, indo para a Avenida Paulista. Chorou e gritou sozinha enquanto recebia mensagens de familiares e amigos relatando a classificação.

Conversei com Chris e pude aprender algumas coisas sobre o futebol no Panamá. Ao contrário do que acreditamos por aqui, o nosso esporte preferido não perde em popularidade para o beisebol por lá, há uma loucura igual pelos dois. No dia seguinte ao feito histórico, foi decretado feriado nacional. Román Torres se tornou um ídolo de toda uma população e é comum encontrar pessoas com tatuagens do zagueiro.

Comemorar a primeira classificação de seu país a uma Copa sozinha, em uma avenida gigantesca de um país distante é um grande marco na vida da menina que aprendeu a amar futebol com seu pai, mesmo não torcendo para o mesmo time que ele. Ela tem os irmãos Dely Valdez como ídolos, bem como, é claro, Román Torres. Poucas coisas podem exacerbar tanto o sentimento patriota como a solidão em um momento tão feliz.

Apesar de ter o segundo melhor IDH da América Central, atrás apenas das Bahamas, o Panamá também convive com sérios problemas sociais (essa reportagem de Fernando Moura, para Puntero Izquierdo, sobre o assassinato de jogadores e o bairro pobre de El Chorrillo é sensacional). Como acontece na maioria desses casos, o esporte serve como escape, com o futebol e o beisebol dividindo as atenções desse povo na hora de adoçar um pouco o amargor da vida com bolas sendo chutadas ou rebatidas por um bastão.

São quatro milhões de habitantes nesse istmo (porção de terra estreita cercada de água pelos dois lados, segundo definição geográfica) que sempre teve enorme importância estratégica desde a descoberta da América. Era lá que o ouro do Peru, indo pelo Pacífico, e o do México, pelo Atlântico, se encontravam para serem levados em uma só frota para enriquecer a coroa espanhola. Com corsários normalmente à espreita, as primeiras fortificações começaram a surgir.

A independência da América Espanhola fez do Panamá parte da Colômbia por muitos anos, mesmo existindo uma grande rivalidade entre os dois povos. Foi mais uma vez a importância estratégica do istmo que garantiu a sua existência como país: interessados em construírem um canal ali, os ianques encorajaram e apoiaram a separação, que aconteceu em 1903. Onze anos depois, o canal estaria pronto.

Com todas essas histórias, fico surpreso quando Chris me conta que as maiores rivalidades do Panamá não são com Colômbia, nem com Estados Unidos, mas sim com o México. Não há rival mais odiado pelos “canaleros”, como é chamada a seleção. Essa raiva foi ainda mais alimentada na semi-final da Copa Ouro de 2015, quando La Tri venceu por 2 a 1 com uma arbitragem catastrófica e muito prejudicial ao país da América Central.

Chris também acredita que o país pode chegar até as quartas-de-final da Copa, mas sabe que isso é um pouco utópico. Lembra da recente derrota por 6 a 0 para a Suíça em um amistoso disputado em março. Com Bélgica e Inglaterra no grupo, Román Torres, Luis Tejada, Blas Péres e os demais comandados do técnico Hernán Darío Gomez (o mesmo que levou o Equador ao seu primeiro mundial, em 2002, e que foi demitido da seleção colombiana por agredir uma mulher em um pub de Bogotá) terão uma vida dificílima.

De qualquer forma, a história já está feita. Román Torres escreveu seu nome na galeria de honra (e na pele de muitos habitantes) do país. Chris Murillo chorou sozinha na Avenida Paulista. Crianças pobres tiveram motivos para sorrir no El Chorrillo. David Samudio será assistido no Youtube por muitos anos após sua incrível narração. Pessoas do mundo todo estão colecionando figurinhas dos atletas do Panamá.

Se o conto de fadas vai continuar ou se o Panamá não resistirá a belgas, ingleses e tunisianos, saberemos em junho, quando será Copa do Mundo. Até lá, que o sonho seja sonhado.

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Carlos Massari

Jornalista, roteirista, escritor. Falo aqui sobre cinema e os esportes que não falo em outros lugares.