A dificuldade de ascensão da mulher no mercado de trabalho

Carolina Andriola
5 min readApr 9, 2018

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Carolina Andriola e Josiele Silva

Joana tinha 35 anos quando atingiu o ápice de sua carreira: tornou-se líder de uma das maiores exportadoras de soja do mundo. Esse caminho foi percorrido através de muito esforço e dedicação. Começou na empresa como aprendiz, logo após entrar na faculdade de Agronomia. O seu espaço dentro da multinacional foi disputado com muitos dos seus melhores colegas, porém, Joana se destacou por ser a melhor do grupo. As conquistas nunca incomodaram os colegas homens, e chefes sempre a incentivaram. A beleza jamais foi motivo de comentários. Apenas o seu potencial era discutido dentro da empresa. Ser mulher nunca dificultou nenhum aspecto de sua vida.

Foi dessa forma que Joana ascendeu. Tornou-se CEO da multinacional e hoje é respeitada pelos colegas que admiram suas conquistas e reconhecem seu talento e esforço.

Infelizmente, essa Joana não existe.

Em um mundo em que o sexismo impede que mulheres alcancem o topo em grandes empresas, histórias como a da Joana são raras e não refletem a situação da maioria, que luta para vencer as estatísticas que as mantêm na base da pirâmide hierárquica.

As mulheres entraram pela porta dos fundos no mundo do trabalho, tendo que “provar” que mereciam a “oportunidade” que lhes estava sendo oferecida sempre que o mercado se via com falta de mão de obra em algum setor específico.

Segundo a psicóloga Rachel Moreno, as mulheres continuam sendo tratadas como trabalhadoras de segunda categoria. E isso se observa basicamente em dois aspectos: nos salários mais baixos em relação ao homem e no famoso “teto de vidro”, responsável pelo escasseamento da presença feminina nos cargos superiores, ainda que tenham as competências necessárias para tanto.

Segundo o Instituto ETHOS e o BID, Banco Internacional de Desenvolvimento, que realizou em 2016 uma pesquisa sobre o perfil de raça e gênero das 500 maiores empresas do Brasil, as mulheres têm vantagem em relação aos homens ao contingente de aprendizes e estagiários, 55,9% e 58,9%, respectivamente, são mulheres nesses setores. Porém, ao subir a escala hierárquica o número começa a decair progressivamente. No quadro funcional, o número cai para 35,8%. Na supervisão são apenas 38,8% de mulheres no contingente. Na gerência o número decai ainda mais, chegando a 31,3%. No quadro executivo e no conselho de administração a situação é ainda mais caótica, considerando que as mulheres ocupam apenas 13,6% e 11%, respectivamente.

Dados: BID (2016)

Vale ressaltar que segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as mulheres são maioria da população, com 51,4%. Sendo também 43% da população economicamente ativa e 42,6% da população ocupada.

Dentro da pirâmide empresarial dessas 500 empresas analisadas, os únicos setores que refletem a proporção de contingente feminino em relação à população feminina total do Brasil, é o de estagiários e aprendizes. Isso acontece porque as mulheres, segundo o BID, possuem um nível de instrução superior ao dos homens, que estudam cerca de 7 anos, enquanto o sexo feminino, cerca de 7,5. Outra questão é o fato de o curso de administração, muito valorizado pelas empresas, ser um dos três cursos mais procurados pelas mulheres.

Dados: Rais (Relação Anual de Informações Sociais — 2012) e IBGE (2013)

Esses dados revelam que a mulher estuda mais e está mais interessada em ser uma aprendiz, porém, encontra dificuldades em subir na escala hierárquica dentro das empresas, que acabam afunilando o sexo feminino em setores mais baixos.

Dados do IBGE também apontam que o rendimento de trabalho da mulheres, estimado em R$ 1.097,93, continua sendo inferior ao dos homens que é de R$ 1.518,31. Ou seja, em média, as mulheres ganham apenas 72,3% em relação ao salário masculino. Mesmo quando comparados grupos mais homogêneos, com a mesma escolaridade e do mesmo agrupamento de atividade, a diferença persiste. A graduação superior não aproxima os rendimentos recebidos por ambos os sexos, mas acentua essa diferença. No caso do setor do Comércio, por exemplo, a diferença de rendimentos para a escolaridade de 11 anos ou mais de estudo é de R$ 616,80 a mais para os homens. Quando a comparação é feita para o nível superior, ela é de R$ 1.653,70 para eles.

A disparidade no mercado de trabalho é ainda mais cruel com a mulher negra

As mulheres negras arcam com, além do preconceito de gênero, o preconceito racial. Em todos os indicadores do mercado de trabalho, as mulheres negras se encontram em pior situação. Elas possuem as taxas de participação mais baixas, alta taxa de desemprego que chega a ser 100% maior em relação ao homem branco desempregado, enquanto também preenchem 66,7% dos trabalhos informais. Também lidam com os rendimentos inferiores em relação à mulher branca. A pesquisa do BID, também revelou um quadro dramático: as mulheres negras ocupavam apenas 2,1% do quadro gerencial 0,5% do quadro executivo em 2010, enquanto as mulheres brancas possuíam 22,1% e 13,7%, respectivamente.

As desvantagens das mulheres negras em relação às brancas são tão elevadas no ponto de partida, que, mesmo tendo um bom crescimento nos últimos anos, elas ainda se mantêm bem longe de se assemelhar ao perfil das mulheres brancas. Enquanto são minoria em cargos de chefia em grandes empresas, as negras ocupam maior espaço em trabalhos informais, principalmente vinculados ao serviço doméstico. Esse fato chama a atenção dos pesquisadores desde meados do século XX.

Dados: BID (2016)

Segundo os dados da PNAD, havia no Brasil, em 2009, cerca de 7 milhões de pessoas vinculadas ao emprego doméstico. Dessas, cerca de 500 mil eram homens. Entre as mulheres negras, 21,6% trabalhavam como empregada doméstica, enquanto pouco mais da metade, 13,5%, das mulheres brancas trabalhavam no mesmo setor.

A representação da população feminina e negra nesta categoria está relacionada não apenas a tradicionais concepções de gênero, que representam o trabalho doméstico como uma habilidade natural das mulheres. Além disso, há uma herança escravista da sociedade brasileira, que se combinou com a construção de um cenário de desigualdade no qual as mulheres negras têm menor escolaridade e maior nível de pobreza. O trabalho desqualificado, desregulado e de baixos salários, portanto, constitui-se numa das poucas opções de emprego.

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Carolina Andriola

Entre desgraças, crônicas, poemas e perfis eu sigo tentando manter a loucura apenas nos carácteres. Estou falhando.