CODIV-19 e a exploração: qual parte do mundo devemos ver com novos olhos

Carolina Fernandes
8 min readJun 12, 2020

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Desde o começo da crise, muito tem-se dito a respeito das mudanças que o covid-19 traria para a nossa sociedade. Hoje, praticamente três meses depois do primeiro marco grave da crise na Itália, vemos dois cenários muito distintos se formando no mundo: um correlacionando países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e outro pessoas vivendo em situação privilegiada com aquelas em situação de vulnerabilidade dentro de um mesmo país, como no Brasil. Um olhar macro e o outro micro, do mesmo problema: a falsa imagem de segurança e estabilidade construída na base da exploração, que cuida de poucos e abandona muitos.

O pacote alemão para a recuperação econômica pós-covid-19 prevê um investimento de 130 bilhões de euros — hoje 735 bilhões de reais — para este e o próximo ano, visando a instalação de escolas, o desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis, o incentivo a novos empreendimentos e startups, um programa de perdão de dívidas dos municípios e até um prêmio para os cidadãos que trocarem seus carros por bicicletas e pelo uso da malha do transporte público. Especialistas dizem que além deste primeiro pacote emergencial, a Alemanha precisará de outros 195 bilhões de euros — 1,1 trilhão de reais — para se re-estabilizar e se desenvolver nos próximos 10 anos.

Em comparação com os 209 milhões de habitantes do Brasil, a Alemanha possui apenas 83 milhões de habitantes - menos da metade da nossa população. Se fossemos calcular o investimento necessário para o Brasil seguindo o mesmo padrão alemão, chegaríamos a um investimento econômico necessário de 1,9 trilhão de reais para este e o próximo ano, e um segundo pacote de 2,8 trilhões de reais para a reestruturação e desenvolvimento do país nos próximos 10 anos, somando 4,7 trilhões de reais. Até o momento, o Brasil planejou um investimento de 350 bilhões de reais para “segurar” a crise enquanto o covid-19 ainda se alastra pelo país, ou seja, irrisórios 7,5% do valor total necessário.

Nesta comparação, vale citar também, que os 4,7 trilhões de reais necessários para o reestabelecimento do Brasil equivalem à 67% do PIB brasileiro anual de 2019, ou seja, quase 2/3 da renda total do país em um ano. Para a Alemanha, esse investimento necessário de 1,8 trilhões de reais representa apenas 9% de seu PIB anual, ou seja, aproximadamente 1/10 da renda total do país.

Com alguns desses números, fica clara a enorme disparidade econômica entre os dois países e também o nível da injustiça econômica que ainda rege o mundo. Países como a Alemanha, já desenvolvidos, conseguem se reestabelecer facilmente, após uma crise, sem retirar investimentos básicos, enquanto países como o Brasil, ainda subdesenvolvidos e com enormes problemas sociais e estruturais, precisam arcar com um investimento para a recuperação do país que para nós infelizmente é ilusório. Se investíssemos 67% de nossa renda anual na recuperação do país — mesmo que dividida ao longo desses 10 anos — deixaríamos áreas fundamentais para o bem-estar do país em grande déficit.

Quando economistas brasileiros, como Míriam Leitão da CBN, elogiam a política de recuperação e reestruturação sendo implantada pela chanceler alemã, Angela Merkel, infelizmente fazem isso, sem sequer mencionar a problemática do atual sistema capitalista. É evidentemente claro que o atual governo Bolsonaro está desestruturado e despreparado para lidar com a crise e que não tem a mínima intensão de cuidar do meio ambiente e se posicionar humanamente perante a população. Contudo, este governo atual, como todos os outros anteriores, é apenas um fantoche do sistema de globalização imperialista que ainda rege o mundo. Ou seja, trazer elogios a tais sistemas, sem falar sobre a exploração dos países desenvolvidos sobre países subdesenvolvidos, acaba gerando um problema ainda maior em nossos valores como sociedade:

gera uma crença enganosa de que se deve idolatrar os planos econômicos das nações desenvolvidas como a Alemanha, ou seja, nos leva à desejar um modelo econômico estrangeiro, que só pode ser implementado por que outras nações, inclusive a nossa, estão sendo saqueadas, para que acumulem todo o dinheiro necessário para manter seu maravilhoso desenvolvimento.

Essa é a perversidade da noção paradoxa da admiração ignorante do explorado pelo seu explorador…

Peço aqui à todes brasileires que sempre, mas sempre mesmo, critiquem um modelo econômico estrangeiro imperialista, e façam, dentro dos elogios cabidos, essa tão importante ressalva sobre o sistema explorador que até hoje, 198 anos depois da independência do Brasil, nos saqueia. Temos que olhar para frente e nos tornar mais sustentáveis, inovadores e sociais em nossas políticas também? Sim. Mas não podemos continuar elogiando, na ignorância, nossos próprios opressores econômicos.

Cidades como Amsterdam na Holanda estão dando os primeiros passos em direção a Economia da Rosquinha de Kate Raworth. Neste novo modelo, a cidade estará harmonizando as atividades da cidade com seus limites ambientais, ou seja, deixará de procurar atingir lucro a qualquer custo, e começará a medir seu desenvolvimento com base no bem-estar da sociedade como um todo — incluindo o meio ambiente e olhando para toda sua cadeia de produção, assumindo responsabilidade sobre a mesma, e certificando que não existe exploração de nenhuma de suas partes, sejam elas negócios e trabalhadores de ou fora de Amsterdam.

Somente quando pacotes e modelos econômicos mundo afora tomarem o mesmo rumo que Amsterdam está se propondo neste pós-crise-covid-19 é que veremos o mundo florescer como um todo, desmantelando as disparidades sociais hoje ainda gritantes entre nações e dentro de nações, representações macro e micro da mesma opressão e exploração.

No micro, podemos tomar também o Brasil como grande exemplo de opressões: temos um sistema econômico liberal capitalista regente que não só sucateia tudo que é nacional, e vende ao exterior nossas maiores riquezas, como também possibilita a exploração de grande parcela da nossa população em prol do bem estar de uma minoria irrisória. Aqui vão mais alguns números para entendermos o tamanho dessa disparidade: de acordo com o IBGE, o 1% das pessoas mais ricas do Brasil teve uma renda 34 vezes maior em 2018 que a soma da renda dos 50% mais pobres. Também é interessante citar que, enquanto a renda da parcela mais rica subiu no mesmo ano 8,4%, a renda dos mais pobres foi REDUZIDA em 3,2%. Percebem que estamos reproduzindo o mesmo modelo explorador aplicado pelas nações desenvolvidas dentro do nosso próprio país? E para quê? Para ver poucos superando bem crises como a do covid-19 à custa da morte silenciosa de muitos em extrema vulnerabilidade?

Não é atoa que o atual presidente Bolsonaro é contra ações estruturais e mais humanas que zelem realmente por TODA a população brasileira. Não é atoa que o atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está tentando acabar com a Lei da Mata Atlântica e aprovar projetos de lei que possibilitariam uma depredação ainda maior da nossa Natureza, especialmente visando a depredação da região amazônica, de grande interesse estrangeiro e das grandes empresas. Não é atoa que o atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, atrasa como pode até mesmo o irrisório pacote emergencial de 600 reais à nossa população mais vulnerável e os recursos que deveriam estar sendo direcionados aos municípios para combater a crise. Não é por acaso que o governo faz neste momento, mais uma vez dentro do nosso histórico de governos capitalistas liberais, uma escolha pelo capital financeiro e contra a vida. E assim segue também a parte abastada da população, que se recolhe em casa, deixando-se servir pelos “pobres” que continuam trabalhando e morrendo enquanto a crise do covid-19 se alastra mais e mais pelo país.

O vírus não escolhe quem atinge, mas o sistema no qual vivemos, sim, protege aqueles em situação já privilegiada, e desampara aqueles em situação vulnerável, deixando-os literalmente “jogados ao mar para serem mortos pelos tubarões”.

Mas por incrível que pareça, dentro de tudo isso existe uma esperança, quando vemos cidades como Amsterdam adotando um novo modelo econômico, querendo respeitar e cuidar da sociedade e do meio ambiente como um todo, extendendo a construção do bem-estar para além de si e englobando todes. Vemos também a própria comissão do congresso americano da câmara dos deputados reforçando que na gestão de Jair Bolsonaro, o Brasil não pode nem sequer ser considerado para um acordo comercial entre EUA e Brasil porque não atinge os padrões mínimos necessários na área ambiental e trabalhista para se fazer uma negociação… São movimentos iniciais dentro de países desenvolvidos querendo quebrar com o modelo explorador imperialista até agora utilizado para manter essas nações estáveis e fartas. É o mundo começando a demonstrar que está consciente de que só estaremos bem como planeta, se todes estiverem bem. Assim também ressurgem com força renovada, movimentos em prol da igualdade entre todas as etnias, quebrando o padrão da “hegemonia branca” e da opressão por ela causada. Vemos também um primeiro número de pessoas no Brasil de classe média-alta repensando a questão da valorização do trabalho doméstico, e até empresários reavaliando a estruturação de seus negócios para torná-los justos e inclusivos.

Precisamos que o resto da população abastada do Brasil e do mundo (e cada pessoa lendo esse texto), ainda presa na incerteza e no medo, tomem coragem para criar uma nova realidade na qual o bem-estar de todes será a regra e não a excessão.

A partir daí, então, poderemos, juntes, pensar em modelos belos de florescer local e mundial provindos de uma economia transformada, que mede seu sucesso com base no bem-estar de cada e tode ser humano e da Natureza. Assim, também preservando os habitats naturais e evitando que novos vírus, como o covid-19, migrem para o ser humano.

Veremos os países do globo investindo conjuntamente em indústrias renovadas, de baixa emissão de CO2, para que esta, um dia, volte a ser nula, mantendo a Terra como um lugar com boas condições de habitação para todas as formas de vida no planeta. Também, com o avanço da digitalização, evidenciaremos um êxodo urbano, “desafogando” as cidades e distribuindo nossas populações por vastos territórios sempre em proximidade e harmonia com a Natureza, assim levando estruturação e boas condições de vida para por todos os territórios. Vivenciaremos verdadeira qualidade de vida dentro de um novo sistema que valoriza o Bem-Viver e que gera Bem-Estar para todes, e que é construído com base na colaboração criativa. Olharemos, então, para 2020 como sendo o marco do final da era do “desenvolvimento” com foco no lucro baseado na exploração de muitos para poucos…

Hoje é o dia de deixar nossos medos, apegos e receios para trás e colocarmos nossas mãos, mentes e recursos à disposição do todo, ajudando a acelerar esse processo de transformação.

A transformação já está acontecendo, e pode se tornar realidade ainda mais cedo através de nós.

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Carolina Fernandes

Transpersonal Mentor for Leadership Development, Change Management, Digital Transformation and Spiritual Mentor of the Sacred Feminine