E quando a resistência vira fascismo?

Não podem falar o que quiserem e agir do jeito que quiserem, mas vão continuar existindo.” — Lillian Torres

Carolina Menezes
3 min readJun 7, 2018
Mulher negra enfrenta grupo de supremacistas brancos que realizavam passeata na Suíça em 2016. Fonte: The Guardian

Em nossa conversa com a professora e antropóloga Lillian Torres, colocamos em pauta o outro lado da formação de identidades culturais: aquelas que se formam com base em ideologias fascistas.

Não vejo linhas que separam isso, o que vejo é o seguinte: a questão da identidade e da alteridade funciona para ambos os lados. Até a intolerância une as pessoas. As pessoas se sentem mais confortáveis sendo preconceituosas quando estão juntas, o sentimento de união é suficiente para motivar a disseminação daquela ideologia.”

Discutindo essa questão, a professora nos mostrou que uma das raízes dessa persistência de grupos intolerantes na sociedade atual se deve à postura fechada das pessoas diante de ideias opostas às que elas acreditam.

“Estamos num momento no Brasil onde estamos vivenciando uma polarização, ninguém quer ouvir ninguém. Algumas pessoas não ouvem, não querem ouvir e não vão mudar de opinião por uma convicção de que tudo que vai contra ao que ela acredita está errado, então não abrem mais nenhuma possibilidade de ouvir o outro.”

Esse fator é decisivo para explicar como os grupos fascistas possuem espaço para agir em pleno século XXI, após tantos eventos históricos motivados por ideologias extremistas que deixaram sequelas profundas na convivência em sociedade como a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Em um momento atual onde a resistência das minorias ganha cada vez mais força e união, ela ressaltou a importância de não fechar os olhos para o outro lado que também continua se fortalecendo com base na intolerância e utiliza seu espaço para manter o silêncio daqueles que tiveram suas vozes tiradas há muito tempo.

Asad Haider, autor do livro “Mistaken Identity”. Fonte: The Intercept Brasil

Em entrevista ao The Intercept Brasil, o escritor Asad Haider discutiu o tema da identidade e como seu caráter político se manifesta nos dias atuais, especialmente no que diz respeito ao racismo. Quando questionado sobre como organizar os discursos da política identitária no contexto contemporâneo, Haider argumentou: “Considero que precisamos estar abertos à compreensão de que nossas identidades não formam a base de nada; elas são instáveis e multifacetadas, e isso pode ser incômodo. Precisamos, porém, aprender a aceitar esses aspectos, e parte do que podemos fazer a esse respeito é criar novas formas de nos relacionarmos, que podem surgir por meio dos movimentos de massa. Poderemos superar a fragmentação a que a identidade parece conduzir atualmente ao reconhecer o que o Coletivo Combahee River propunha: que conseguíssemos afirmar uma autonomia política, mas também estar unidos. Acho isso muito prático. Essa solução não virá das discussões intermináveis no Twitter; é algo que precisa surgir da atividade política. É trabalhando em projetos práticos e concretos, aliados a outras pessoas. (…)”

A fala de Haider complementa a ideia que Lillian nos mostrou. É essencial estarmos abertos à ouvir e compreender que esses grupos existem, suas identidades não podem ser ignoradas. É importante que haja esse reconhecimento a fim de que possamos pensar em maneiras de resistir à essas ideologias e lutar contra qualquer tipo de violência. Na fala da antropóloga: “Você tem que minimamente encarar que esses grupos estão ocupando espaços que tem o limite da lei. Não podem falar o que quiserem e agir do jeito que quiserem, mas vão continuar existindo. Nós temos que continuar a postos, não se isolar e decidir não tomar conhecimento dessas questões.”

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