Empatia e Alteridade

Como a alteridade pode trazer qualidade para a pesquisa em design

Carol Zatorre
4 min readJul 5, 2016

Venho falando por aí, principalmente em workshops de pesquisa que eu conduzo, que, como antropóloga, prefiro usar o conceito de alteridade ao invés de empatia. Com este texto, busco explicar o porque da minha preferência.

Por anos durante a minha formação, aprendi que a Antropologia se faz na percepção da diferença dos pontos de vista. Segundo a antropóloga, de altíssimo calibre, Mariza Peirano:

“a alteridade é um aspecto fundante da antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si própria”.

Ou seja, a antropologia é feita no entendimento da diferença entre o meu universo cultural e o do outro. Sem estabelecer hierarquias e/ou gradações, mas reconhecendo, entendendo e explicando o universo cultural do grupo pesquisado. Ao observar o cotidiano alheio, devo buscar explicar o que vejo pela ótica de quem está sendo observado. Como diz o antropólogo Clifford Geertz, a antropologia é como se fosse uma leitura de segunda mão “por sobre os ombros do nativo”, que busca entender a cultura da perspectiva do outro.

Quando comecei a trabalhar com designers, ouvia sobre “ter empatia com o usuário”, popularizado pela D.School com o famoso bordão “EMPATHY HAPPENS”. Por um tempo achei que não tinha problema essa instrução prática e operacional de “vivenciar” o cotidiano dos indivíduos in loco com a finalidade de gerar insights. Porém, aos poucos, comecei a notar que alguns pesquisadores iam a campo sem abrir mão de seus próprios parâmetros.

Estes pesquisadores acabavam propondo soluções que eram familiares a eles mesmos, sem perceber como a pessoa, para quem o projeto estava sendo desenhado, de fato realizava seu uso. Isso me incomodava, pois ouvi coisas do tipo “não faz sentido (o indivíduo pesquisado) usar a interface assim”, ou designers simplesmente inferindo como o outro usaria determinada função. Cada vez que me colocava a pensar sobre, me incomodava o pesquisador ir a campo “apenas” experimentar as atividades pesquisadas, fazer fotos para relatório, ter alguns insights rasos e ir embora, sem entender os porquês.

Preparando aula e tentando me comunicar com o universo dos designers, fui buscar algumas referências visuais sobre empatia e reparei que, para ser explicada, ela é geralmente relacionada à simpatia. Foi nesse momento que entendi o que me incomoda. Foi com uma metáfora (recurso muito usado na antropologia) que meu incômodo se fez claro.

A explicação era a seguinte:

SIMPATIA: SENTIR-SE penalizado pela dor que o outro indivíduo sente ao usar tais sapatos.

EMPATIA: é uma pessoa USAR os sapatos de salto alto de alguém por quilômetros e PERCEBER como é desconfortável a experiência. (o texto original falava de usar mocassins de um apache por milhas…).

Deixe-me então utilizar esta mesma metáfora para apresentar o que é alteridade:

Estabelecer alteridade significa perceber-se em relação ao “julgamento” sobre os sapatos de salto, considerando que eles são desconfortáveis a partir do ponto de vista do pesquisador. Este ponto de vista pode divergir do entendimento do pesquisado, até porque com o uso frequente de sapatos de salto os pés podem se acostumar e deixar de doer. Por meio da alteridade, a pesquisa etnográfica se orienta ao entendimento dos MOTIVOS e RAZÕES que fazem com que as pessoas usem tais sapatos.

Conclusão

Meu incômodo é com o uso da EMPATIA de forma crua, apenas um vivenciar que não problematiza o espaço pesquisado. Por isso, prefiro usar o conceito de alteridade, quero não apenas vivenciar a experiência do outro, mas principalmente entender tal experiência a partir da lógica dele.

Há ainda um outro aspecto que precisa ser questionado: a dimensão política da alteridade em relação à empatia. Há casos em que simplesmente não se pode vivenciar a experiência prática do grupo pesquisado, tente imaginar um indivíduo do sexo masculino “vivenciando” uma gestação por exemplo. Em determinadas vivências, simplesmente não é possível sentir o que o outro sente de um ponto de vista biopsicosocial, mas isso ficará para outros textos.

Agradeço a revisão e colaboração de André Grochowicz.

Referências

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, c1989. 323p. (Antropologia social).)

PEIRANO, Mariza G. S. (Mariza Gomes e Souza). A teoria vivida: e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006. 197 p. Inclui bibliografia. ISBN 8571109419 (broch.).

SILVA, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religioes afro-brasileiras. São Paulo: EDUSP, 2006. 194 p., il. Bibliografia. ISBN 8531405718 (broch.).

https://www.ideo.com/images/uploads/news/pdfs/Empathy_on_the_Edge.pdf

http://midia.atp.usp.br/impressos/redefor/Sociologia/M2_PluraCult/M2_PluraCult_Tema2.pdf

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