O que esta capa nos ensina sobre comunicação de causas?

CAUSE
3 min readApr 19, 2018

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Capa da National Geographic americana de abril de 2018: mea culpa que serve de exemplo

Por Christian Miguel*

Na ânsia de abraçar a causa do momento, muitas empresas erram — e erram feio — ao subestimar o bom senso de seus consumidores.

Parece básico, e é, mas não faltam exemplos de companhias que desconsideram esse cuidado primário.

Basta lembrar das inúmeras campanhas de publicidade de conglomerados globais de comida duvidosa que, de uma hora para a outra, passam a ditar regras sobre saúde à mesa. Ou das empresas que erguem a bandeira da diversidade sem sequer ter uma mulher em seu corpo de diretores.

O “faz-me rir” é generalizado, e em alguns casos se torna uma crise de reputação de contornos catastróficos.

A nova capa da edição Americana National Geographic é um sinal de bom senso para quem não suporta oportunismo na defesa de causas.

Quando decidiram dedicar a edição de abril ao que há de mais atual na discussão sobre raça, os editores da revista se perguntaram se não seria uma boa ideia analisar a própria cobertura da National Geographic sob o prisma do racismo.

Foi aí que entrou em cena o professor John Eddwin Mason, da Universidade da Virgínia, um especialista em história da fotografia e História da África. Eis as suas principais conclusões:

  • Até 1970, a NG só retratou negros como trabalhadores domésticos ou como seres exóticos (caçadores, selvagens, nativos de lugares do além-mundo, e todo tipo de clichê);
  • Diferentemente de revistas como a Life, a NG fez pouquíssimo para vencer o estereótipo negativo do negro na sociedade americana;
  • Mesmo quando reportou os conflitos sociais na África do Sul, na década de 60, a NG pouco se esforçou para dar voz aos negros do país — e os retratou como meros nativos com danças peculiares.

O total vexame seria completo, não fosse a postura da revista em assumir seus erros. Deu o que falar. The New York Times, New Yorker e The Guardian reportaram o mea culpa, mas mencionaram o que seria um primeiro passo de uma nova postura da publicação.

Em carta aos leitores, a editora Susan Goldberg escreve que o mês que marca o 50º aniversário do assassinato de Martin Luther King foi uma boa oportunidade para a revista fazer um balanço de suas atitudes.

“Quero que os futuros editores da revista olhem para essa edição com orgulho — não só das histórias que escolhemos contar e do jeito como as contamos, mas também do diverso grupo de repórteres, editores e fotógrafos por trás desse trabalho”, disse ela.”

A lista de boas intenções, naturalmente, não apaga as marcas do passado. O reconhecimento do erro é o mínimo que se espera — mas o esforço de reparação não deveria parar por aí.

Dar um passo atrás já é algo de grandioso num mundo em que marcas subestimam a capacidade de discernimento de seus seguidores. Ir adiante é qualidade só de quem consegue transformar equívocos históricos em motor de mudança positiva.

Quem já passou por um divã sabe como é duro dar de cara com partes de nós mesmos das quais não temos orgulho. Só quem tem a coragem de persistir é capaz de sobressair com orgulho.

Ainda é cedo para saber se a National Geographic conseguirá sair dessa. Ainda assim, a postura da revista tem muito a ensinar a quem quer defender uma causa — seja ela qual for — com um mínimo de coerência.

*Christian Miguel é Diretor de Comunicação da CAUSE. Gosta de analisar como as grandes instituições, mídia, setor público e organizações, têm lidado com as causas do nosso tempo.

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Consultoria que apoia marcas e organizações na identificação e gestão de causas por meio de estratégias integradas de comunicação, engajamento e advocacy.