Por Christian Miguel*
Na ânsia de abraçar a causa do momento, muitas empresas erram — e erram feio — ao subestimar o bom senso de seus consumidores.
Parece básico, e é, mas não faltam exemplos de companhias que desconsideram esse cuidado primário.
Basta lembrar das inúmeras campanhas de publicidade de conglomerados globais de comida duvidosa que, de uma hora para a outra, passam a ditar regras sobre saúde à mesa. Ou das empresas que erguem a bandeira da diversidade sem sequer ter uma mulher em seu corpo de diretores.
O “faz-me rir” é generalizado, e em alguns casos se torna uma crise de reputação de contornos catastróficos.
A nova capa da edição Americana National Geographic é um sinal de bom senso para quem não suporta oportunismo na defesa de causas.
Quando decidiram dedicar a edição de abril ao que há de mais atual na discussão sobre raça, os editores da revista se perguntaram se não seria uma boa ideia analisar a própria cobertura da National Geographic sob o prisma do racismo.
Foi aí que entrou em cena o professor John Eddwin Mason, da Universidade da Virgínia, um especialista em história da fotografia e História da África. Eis as suas principais conclusões:
- Até 1970, a NG só retratou negros como trabalhadores domésticos ou como seres exóticos (caçadores, selvagens, nativos de lugares do além-mundo, e todo tipo de clichê);
- Diferentemente de revistas como a Life, a NG fez pouquíssimo para vencer o estereótipo negativo do negro na sociedade americana;
- Mesmo quando reportou os conflitos sociais na África do Sul, na década de 60, a NG pouco se esforçou para dar voz aos negros do país — e os retratou como meros nativos com danças peculiares.
O total vexame seria completo, não fosse a postura da revista em assumir seus erros. Deu o que falar. The New York Times, New Yorker e The Guardian reportaram o mea culpa, mas mencionaram o que seria um primeiro passo de uma nova postura da publicação.
Em carta aos leitores, a editora Susan Goldberg escreve que o mês que marca o 50º aniversário do assassinato de Martin Luther King foi uma boa oportunidade para a revista fazer um balanço de suas atitudes.
“Quero que os futuros editores da revista olhem para essa edição com orgulho — não só das histórias que escolhemos contar e do jeito como as contamos, mas também do diverso grupo de repórteres, editores e fotógrafos por trás desse trabalho”, disse ela.”
A lista de boas intenções, naturalmente, não apaga as marcas do passado. O reconhecimento do erro é o mínimo que se espera — mas o esforço de reparação não deveria parar por aí.
Dar um passo atrás já é algo de grandioso num mundo em que marcas subestimam a capacidade de discernimento de seus seguidores. Ir adiante é qualidade só de quem consegue transformar equívocos históricos em motor de mudança positiva.
Quem já passou por um divã sabe como é duro dar de cara com partes de nós mesmos das quais não temos orgulho. Só quem tem a coragem de persistir é capaz de sobressair com orgulho.
Ainda é cedo para saber se a National Geographic conseguirá sair dessa. Ainda assim, a postura da revista tem muito a ensinar a quem quer defender uma causa — seja ela qual for — com um mínimo de coerência.
*Christian Miguel é Diretor de Comunicação da CAUSE. Gosta de analisar como as grandes instituições, mídia, setor público e organizações, têm lidado com as causas do nosso tempo.