Perguntas e Respostas sobre o PL das Teles
Ainda que sob uma avalanche de críticas de entidades como Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, órgãos de defesa do consumidor e organizações da sociedade civil, OAB e da própria consultoria do Senado Federal, tramita a toque de caixa no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Câmara nº 79/2016 (originalmente PL nº 3453/2015).
O projeto, também conhecido como “PL das Teles”, pretende transferir uma infraestrutura estratégica da União avaliada em R$ 100 bilhões para o patrimônio privado de poucas operadoras: trata-se — entre outros bens chamados de “reversíveis” — da infraestrura de redes de telefonia de fixa, considerada essencial à prestação dos serviços de telecomunicações e chave para o provimento e expansão da conexão banda larga no Brasil.
Além disso, o PLC 79/16 muda as regras de exploração do serviço de telefonia fixa no país — transformando os contratos de concessão do regime público em autorizações no regime privado.
Na prática, qualquer possibilidade de universalização do acesso à internet será enterrada, preços de tarifas podem ser elevados e os serviços de telecomunicações prestados nas regiões interioranas correm o risco de sofrer uma piora na qualidade ou até de serem descontinuados.
É crucial entendermos as falhas desse projeto e porque ele está na contramão do interesse público.
A seguir, perguntas e respostas organizadas por diferentes integrantes da Coalizão Direitos na Rede buscam esclarecer algumas questões em jogo com “a reforma oculta das telecomunicações no Brasil.”
1. A telefonia fixa perdeu importância como meio de comunicação e relevância econômica para a evolução das telecomunicações?
Em certa medida sim. O SERVIÇO de telefonia fixa, cuja exploração foi responsável por gerar recursos que promoveram a universalização da infraestrutura por todo país, com a assinatura básica paga durante anos pelos consumidores brasileiros, hoje não tem mais a mesma relevância, tendo em vista os serviços de dados que viabilizam também o transito de voz sobre protocolos de internet.
2. A infraestrutura que serve de suporte ao serviço de telefonia fixa tem relevância para a inclusão digital?
Sim. As redes de transporte, acesso, backhaul e última milha vinculadas aos contratos de concessão do SERVIÇO de telefonia fixa são essenciais para a inclusão digital. Hoje, mais de 50% do provimento de banda larga fixa se dá sobre estas redes.
Além disso, hoje existe uma nova tecnologia já homologada há mais de 2 anos pela União Internacional das Telecomunicações que possibilita o casamento das redes de cobre da telefonia fixa com fibra ótica para dar provimento de conexão à internet em alta capacidade.
Ou seja, não podemos cair no discurso falacioso de que a telefonia fixa perdeu o interesse e relevância econômica. Uma coisa é o serviço e outra coisa são as redes associadas aos contratos de concessão da telefonia fixa. porém o PLC 79/16 não faz esta distinção.
3. Qual o valor das redes associadas aos contratos de concessão da telefonia fixa?
Segundo a ANATEL, as redes associadas aos contratos de concessão valem aproximadamente R$74 bilhões.
4. O projeto de lei da Câmara (PLC) nº 79/2016, caso aprovado, terá efeitos prejudiciais sobre essas redes?
Sim, terá efeitos extremamente prejudiciais para a sociedade brasileira:
a) Essas redes hoje estão sob regime público, o que significa dizer que as concessionárias têm obrigações de compartilhamento das redes com pequenas e médias empresas e que o valor da comercialização da capacidade dessas redes é regulado por tarifa fixada pela ANATEL. Caso o PLC 79/16 seja aprovado, essas redes serão privadas e o Poder Público terá poderes bastante reduzidos para estabelecer obrigações de universalização, continuidade e modicidade tarifária, em prejuízo inestimável para a competição e direito dos consumidores;
b) Essas redes são estratégicas para o país. A Constituição Federal estabelece que as telecomunicações são atribuições exclusivas da União (art. 21, XI) e que é obrigação do Poder Público garantir a prestação dos serviços públicos (art. 175). Considerando que o que prevalece no regime privado é a mais ampla liberdade e a menor interferência do Estado quanto à exploração dos serviços (art. 128, LGT), não há como compatibilizar os preceitos constitucionais com as propostas do PL.
c) Para piorar, a ANATEL tem subavaliado o valor dessas redes. Antes dizia que eram R$ 74 bilhões. Agora diz que são R$ 17 bilhões. Considerando que este valor servirá de base para estabelecer as novas obrigações de investir em fibra ótica, o Brasil sofrerá uma tunga de mais de R$ 50 bilhões.
5. O PLC 79/16 vai ampliar o investimento no setor de telecomunicações e resultar na universalização da banda larga?
Não. O PLC 79/16 vai apenas tranferir bens públicos (art. 99, do Código Civil), para o setor privado e reduzir a capacitade de regulação e fiscalização do Estado. Não há garantias de aumento do investimento em um modelo de autorização, como mostra o exemplo da telefonia móvel que até hoje enfrenta problemas de cobertura e qualidade do serviço.
Ainda, com os atuais preços, a banda larga pode ter chegado ao limite de acessos, independentemente do grau de investimento. Sem instrumentos eficazes para garantir infraestrutura em locais remotos ou de baixa atratividade econômica, ampliar a competição e garantir preços mais baixos para atender o mercado consumidor em potencial, de nada adianta ampliar o investimento, pois o serviço ficará concentrado nas grandes cidades como já ocorre hoje. É provável que, com a transferência definitiva da infraestrutura da telefonia fixa para as operadoras e o fim do regime público, a internet — o principal meio de acesso a informação, comunicação, entretenimento e pelo qual depende grande parte da economia — se
mantenha acessível apenas para a metade mais rica do País, aprofundando o fosso de desigualdade, uma das grandes barreiras para o nosso desenvolvimento.
6. O regime público, que inclui a reversibilidade dos bens, impede o investimento no setor?
Não. O único serviço prestado em regime público no Brasil, a telefonia fixa, foi também o único a atingir as metas de universalização enquanto todos os outros serviços ainda deixam a desejar em termos de cobertura, preços e qualidade. Hoje, ainda 30% dos municípios brasileiros não possuem
cobertura de rede do Serviço Móvel Pessoal. Não é a obrigatoriedade de devolver os bens para a União que impediu a expansão de outros serviços no Brasil, nem o que vai impedir o desenvolvimento do setor no futuro, com o fim dos contratos de concessão da telefonia fixa em 2025.
Na verdade, a Anatel deveria ter impedido que a rede de telefonia fixa subsidiasse outros serviços, conforme prevê a LGT, o que deixou as empresas acomodadas sobre a infraestrutura pública, sobrecarregando a rede sem investir na expansão, elevando os preços e implementando o modelo de franquias na banda larga movel e, mais recentemente, na fixa. Foi exatamente a desregulamentação do setor, no mesmo sentido do que propõe o PLC 79/16, que tem resultado nos atuais problemas de ampliação do acesso aos serviços de internet. Ainda, os recursos do FUST que deveriam ser usados para investimento no setor de telecomunicações tem sido desviados para usos que não tinham nada a ver com o setor devido à uma série de equívocos do Poder Executivo. Anualmente são recolhidos
cerca de 6 bilhões que deveriam estar vinculados às políticas públicas de inclusão digital, com vistas à universalização e modicidade tarifária, e cumprindo exigências de compartilhamento de redes.
7. Há recursos suficientes para que se estenda o regime público para a banda larga de modo a garantir os investimentos suficientes?
Sim. Nós brasileiros pagamos por ano, entre FUST e FUNTEL, mais de R$ 6 bilhões, que nunca são usados para a universalização. Caso o governo cumprisse suas obrigações constitucionais (art. 175, CF) e legais (art. 65, § 1o, LGT), estes recursos poderiam estar sendo utilizados para a realização de novos contratos de concessão para implantação de redes de fibra ótica, ampliando a competição e democratizando o acesso às telecomunicações e à internet.
8. As obrigações da telefonia fixa não podem ser aplicadas para a banda larga?
Sim, podem. Hoje já é assim. Mais de 50% do provimento da banda larga fixa é feita sobre as redes associadas aos contratos de concessão. Essas mesmas redes cobrem quase todo o Brasil, pois estiveram sujeitas às regras do regime público para a sua implementação, às metas que foram
cumpridas em 2005. Em última instância é o regime público que permite atualmente o acesso à banda larga no Brasil, e não a atuação desregulada do mercado.
9. O mercado de telefonia móvel e banda larga são competitivos?
Não. Na banda larga fixa o Brasil tem atualmente três grandes grupos que juntos concentram 85% do mercado: América Móvil (Claro/Embratel/Net), Telefônica/Vivo, e Oi. Dados de 2012/2013 concluíram que 95% das cidades do país apresentam uma concentração na oferta da banda larga fixa. Nas cidades com menos de 50 mil habitantes o cenário se aproxima à situação de monopólio efetivo, enquanto que nos grandes centros urbanos apenas se aproxima a uma situação de moderadamente competitiva. Nas periferias das grandes cidades tampouco há oferta de banda larga, já que muitas operadoras se negam a prestar o serviço em áreas por elas consideradas “de risco”.
No caso da telefonia móvel, o mercado está concentrado em apenas quatro operadoras: Vivo, Tim, Claro e Oi. Na banda larga móvel, apenas quatro cidades em todo o Brasil contam seis operadoras prestando o serviço, enquanto que 33% das cidades tem apenas uma operadora capaz de oferecer
esse serviço.
10. O “interesse” em telefonia fixa reduziu?
É preciso avaliar com maior atenção os dados apresentados sobre a superação do uso do telefone fixo e reconhecer o valor da infraestrutura que dá suporte a esse serviço.
Em primeiro lugar, os dados sobre o crescimento da banda larga móvel devem ser questionados, já que muitos planos móveis de voz contratados incluem alguma promoção de conexão à internet, que passa a ser contabilizado como acesso em banda larga móvel. Na verdade, cerca de 72% dos planos para celular contratados são pré-pagos, o que significa que a as franquias são extremamente baixas, com corte de conexão após o término, e disponibilizadas somente em áreas onde há cobertura. Isso significa que não é verdade que hoje a maioria da população usa mais vídeos, fotos e outras modalidades de serviço de voz, já que o acesso à banda larga móvel é bastante precário e as estatísticas são mal contabilizadas.
Em segundo, o acesso à banda larga fixa atinge apenas 50% da população, apresentando enormes disparidades regionais e distribuição desigual por classe social. É difícil deduzir com precisão se o interesse de fato caiu quando metade da população não tem outro meio de se comunicar que não
seja via telefonia fixa. Por último, mesmo que haja uma maior procura pela banda larga e telefonia móvel, a infraestrutura que dá suporte à telefonia fixa é ainda extremamente valiosa para a universalização da banda larga: hoje já existe tecnologia que permita o aproveitamento dos pares de
fio de cobre para a internet (ex:GFast). Portanto, a idéia de que a telefonia fixa é um serviço obsoleto não pode ser aplicada, é sobre essa infraestrutura que será construída a rede de banda larga fixa.
11. É necessário atualizar a LGT?
Sim, mas de uma maneira global e mais abrangente. O PLC 79/16 propõe mudanças casuísticas e pontuais que são inclusive incoerentes com a LGT e insuficientes na garantia de que o setor evolua de maneira sustentável. O único objetivo do PLC 79/16 é aliviar a crise econômica das operadoras, problema que foi gerado por incapacidade de gestão interna mais do que fruto da crise econômica global.
12. O PLC 79/16 é inconstitucional?
Sim. A proposta implica em inconstitucionalidades graves. Fere os arts. 21, inc. XI e art. 175, da Constituição, na medida em que acaba com a obrigatoriedade do regime público para serviços essenciais e que devem ser universais e reduzem o poder regulatório do Estado, que é o responsávelpela garantia da prestação das telecomunicações.
Além disso, viola o art. 37, inc. XXI, da Constituição, na medida em que, ao prever a possibilidade de antecipação do fim das concessões, desrespeita regras da licitação, especialmente o princípio da impessoalidade, pois viabiliza o repasse dos bens reversíveis para as concessionárias que passarão a autorizatárias; o que é ilegal, posto que, quando os leilões de privatização ocorreram, o valor fixado para a licitação foi calculado considerando-se que ao final das concessões a posse desses bens seriam transferidos imediatamente para a União (art. 102, LGT e contratos de concessão).
Sendo assim, acabar com os contratos sem a transferência da posse dos bens para a União, como viabiliza o PLC 79/16, significa uma quebra das regras legais e uma vantagem injustificada para as concessionárias que concentram mais de 85% do mercado de telecomunicações hoje no Brasil -
VIVO/TELEFONICA, NET/CLARO e OI.
13. A Anatel tem capacidade de cobrar as obrigações que cabem às operadoras?
Não. A Anatel não consegue calcular o valor dos bens reversíveis em questão, conforme avaliado pelo Tribunal de Contas da União, tem dificuldades na aplicação das multas e na troca das multas por investimento, demorou mais de 10 anos para desenvolver o modelo de custos, conferiu o “feriado regulatório” às operadoras.
14. Quais dispositivos legais e constitucionais são violados com o PLC 79/16?
A proposta viola os arts. 21, inc. XI e art. 175, da Constituição, na medida em que acaba com a obrigatoriedade do regime público para serviços essenciais e que devem ser universais e reduzem o poder regulatório do Estado, que é o responsável pela garantia da prestação das telecomunicações.
Além disso, viola o art. 37, inc. XXI, da Constituição, na medida em que, ao prever a possibilidade de antecipação do fim das concessões, desrespeita regras da licitação, especialmente o princípio da impessoalidade, pois viabiliza o repasse dos bens reversíveis para as concessionárias que passarão a autorizatárias; o que é ilegal, posto que, quando os leilões de privatização ocorreram, o valor fixado para a licitação foi calculado considerando-se que ao final das concessões a posse desses bens seriam transferidos imediatamente para a União (art. 102, LGT e contratos de concessão). Sendo assim, acabar com os contratos sem a transferência da posse dos bens para a União, como viabiliza o PLC 79/16, significa uma quebra das regras legais e uma vantagem injustificada para as concessionárias que concentram mais de 85% do mercado de telecomunicações hoje no Brasil -VIVO/TELEFONICA, NET/CLARO e OI.
—
Publicado por Coalizão Direitos na Rede
Grupo de Trabalho de Comunicações