Lex Bos, o javanês do NPI que veio para o Brasil

Ceila Santos
4 min readAug 25, 2023

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NPI é a sigla para Instituto Pedagógico Holandês, uma consultoria de desenvolvimento organizacional, que abriu portas no país na década 70 e 80

Um javanês no Brasil.
Quando descobri que Lex Bos nasceu em Java lembrei na hora de Regina Machado, a mestra contadora de histórias, que me indicou o livro infanto-juvenil: Você fala Javanês?, de Tiago Melo de Andrade. Você pode ter lembrado de Lima Barreto, jornalista do século XIX e escritor do O Homem que sabia javanês...

Leandro Karnal, filósofo famoso, chegou até escrever a relação que Tiago faz da obra de Lima, mas o Estadão fecha o artigo só para assinantes.

Eu não li a obra de Barreto, mas a história infantil de Tiago é uma boa analogia para começar a trazer a relação de Lex Bos com Brasil. O motivo é que a história traz a essência do diálogo, da pergunta, da língua e do poder de uma rainha Doidivanas na nossa vida social. Poderíamos até brincar em transformar o javanês de Lacônia (nome da cidade onde a Doidivanas decretou o silêncio em função da conversinha de que o “reino não ia bem) em sinônimo de FDJ — sigla a qual inicia o meu vínculo profissional com Lex, cuja descrição pode ler no artigo, que escrevi em 2021.

Lex faleceu no dia 30 de agosto de 2006. Dezessete anos!
Eu não o conheci pessoalmente. No entanto, ouço sua história desde 2019, quando descobri os Cadernos de Pedagogia Social, os quais Lex é autor de três deles: Os Caminhos para Formação do Pedagogo Social, Nada a ver comigo? e Uma Revisão da Economia.

Encontrar com esses cadernos foi parecido com os exemplos que Lex cita dos jovens de 1968 e 70 no Nada a ver comigo? quando conta do entusiasmo deles com a política ou da busca pelo autoconhecimento dos movimentos de retiro como yoga. Ele explica que ambos movimentos, apesar de qualidades diferentes, vivenciaram “um limiar pela violência, se encontraram despreparados, expostos às poderosas energia de uma realidade oculta”, conforme a tradução do capítulo O caminho para fora e o caminho para dentro.

Aprendi na minha relação com a obra de Lex a viver essa descoberta movida pelo entusiasmo (dos ativistas) somado à busca (dos espiritualistas): aquilo que eu busco é diferente do que encontro.

Quando recebi os cadernos, a sensação foi de encontro com a fonte. Com a diferença que vivo no século XXI, tinha 45 anos e lido com dilema social da maternidade na questão de gênero. A fonte que Lex representa chama Pedagogia Social. Com a diferença de ser baseada no que ele explica no capítulo seguinte: Manipulação da Fraqueza Interior quando traz os exercícios de domínio do pensamento como resposta para a pergunta formulada no capítulo anterior onde você se questiona interiormente responsabilizando pela situação.

Minha experiência na prática daquilo que me entusiasmou no encontro com a obra de Lex também me levou para a impotência citada como a pista para interiorizar mais o que vem de fora e se responsabilizar para mudar o possível no seu campo social. Faz quatro anos que tenho convivido com a curiosidade pra descobrir o que Lex encontrou nas 25 visitas feitas no país e esse mergulho prático cresceu a ponto de imaginá-lo: alto, sério e reflexivo.

Foto da IADJ

Essa é a imagem retirada do site da International Association Dinamic Judgement Formation, organização fundada em 2007 por consultores, que acompanhavam o trabalho de Lex junto com Maarten van den Broek e Maarten Klate, na Foundation Dialoog, fundada por eles em 1990.

Quem o conheceu conta que de fato era alto e reflexivo.
Sério, talvez, para o meu jeito tão aberto ao social, cheio de tatos e sem papas na língua como sou. Definitivamente, penso que Lex não iria muito com meu jeito social de ser. Tudo isso é julgamento, suposição e ilusão.

Ainda assim, quando olho para imagem deste javanês gosto de imaginar um carinho de quem observa aqueles que falam antes de pensar como deve estar agora na cidade Falalogo, que Marcelo mudou o nome desde que a Doidivanas saiu de fininho, achando que o povo estava maluco por ter encontrado a língua do P que nem os guardas saberiam que não se tratava do javanês.

Um carinho cheio dessa força europeia, cujo azul do céu ou verde das águas predominam na cor dos olhos de quem veio de lá, pra observar os que amam uma conversa até que se eduque suficiente para pensar antes de falar ou falar pedagogicamente a partir das suas necessidades para trazer suas capacidades diante das realidades.

Nascido em Djember, no dia 3 de abril, de 1925 numa sexta-feira. Na época em que nasceu Java ainda era colônia da Holanda. Sociólogo e geógrafo, formado pela Universidade de Amsterdã, na Holanda, ele integrou o grupo de consultores, que fundou o Instituto Pedagógico Holandês, conhecido pela sigla NPI, em 1958, quando conheceu Bernard Lievegoed, psiquiatra, acadêmico, reconhecido pelas metodologias de desenvolvimento humano e organizacional de base antroposófica.

Bos fez doutorado, com a tese Formação Dinâmica de Juízo, em 1974, motivado pelo seu compromisso e seriedade com o desenvolvimento da nossa civilização. Visitou o Brasil pela primeira vez, em 1972, responsável em liderar a condução dos Seminários de Pedagogia Social, entre 79 a 90, quando decidiu fundar a Fundação Dialoog para disseminar sua metodologia e pesquisa. Sua pesquisa virou prática entre mais de 1,6 mil pessoas..

Livros traduzidos no Brasil: Doze Dragões; Confiança, Doação e Gratidão e Formação de Juízo.

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