Neymar não fala comigo

Cesar Cardoso
4 min readJul 9, 2018

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Um esporte que se tornou popular no entorno do futebol mundial é falar de Neymar. Todo mundo tem uma opinião sobre suas atitudes, sua relação com os pais, seu corte de cabelo, sua relação com Bruna Marquezine e por aí vai. Em geral, e ainda mais forte na imprensa, uma opinião moralista, paternalista, de projeção de vontades ou qualquer coisa nesse meio tempo.

Só tem um problema nisso tudo: nós queremos falar com Neymar, mas Neymar não está querendo falar conosco.

A quem prestar contas

Entre 2014 e 2016, Neymar mudou fortemente sua relação com a imprensa esportiva, com o mundo do futebol e, até, com as gerações mais velhas. Trocou as entrevistas por recados via Instagram, trocou as demonstrações de “assumir as responsabilidades” por cortes de cabelo e idas e vindas com Bruna, trocou os “bons exemplos” pela transformação em um outdoor ambulante de si mesmo. Cada vez menos fazendo aquilo que os “mais velhos”, os “mais experientes”, os “analistas” e outros esperavam que ele fizesse e fazendo aquilo que ele, um millennial dono do mundo aos 24–26 anos, e seu fandom, fiel e que compra tudo que ele vende, faz e prega, está disposto a fazer. O resultado dessa transformação veio à tona na Olimpíada, em que passou a adotar o “eu e meu time contra o mundo”, se fechou ainda mais, e ganhou uma medalha de ouro sofrida mas absolutamente essencial para entender como o jogador se relacionaria com o mundo nos próximos anos¹.

Ou seja, desde agosto de 2016 já deveríamos saber que Neymar não é, não quer ser e não será nem Adriano, nem Ronaldinho, nem Romário — jogadores que eram tolerados, já que abriam alguma concessão ao “mundo do futebol” — quanto mais Kaká e Ronaldo, jogadores que certamente vêm à tona, voluntária ou involuntariamente, quando se diz que “Neymar tem que ser exemplo”. Neymar decidiu que será Neymar. Sem concessões². Sem ligar para o que acontece em torno dele. Rompendo as convenções da relação com a imprensa³.

E foi assim que Neymar chegou à Copa do Mundo de 2018. Sem recorrer à imprensa, fez toda a cobertura jornalística e o interesse brasileiro na competição girar em torno dele: as trocas de corte de cabelo e o seu Instagram sendo tão ou mais importantes que as decisões táticas de Tite, com a diferença que as decisões táticas do treinador são mais influenciáveis pela imprensa, pela torcida e por praticamente todo mundo que não seja parça.

Só que Neymar não contava com o “fator CBF”, ou seja, a coroação de todo o caos na confederação ter ocorrido antes da Copa do Mundo, com o coronel Nunes rompendo o acordo de voto da CONMEBOL para a sede da Copa de 2026 e a bola de neve das trapalhadas da sua defesa. As faltas a serem conquistadas foram transformadas em cavadas malsucedidas, pênaltis sofridos foram ignorados pelo VAR e Neymar sai da Rússia como um xíter rolador em campo.

Era a nossa vingança! Era quando nós, os mais velhos, os sabichões da imprensa, os especialistas de bar, teríamos a chance de ensinar a um garoto imaturo e irresponsável o “caminho verdadeiro”, “do Bem”, a ser tomado, para se tornar o que ele “deveria ser”. Infantilização por atacado, cartas voando para todos os lados, paternalismo, moralismo, ismos pra lá e ismos pra cá.

E a resposta de Neymar foi protocolar, como protocolares são as concessões de Neymar ao establishment do pitaco futebolístico.

O post de Neymar no Instagram após a derrota para a Bélgica, nas quartas-de-final da Copa de 2018.

O conflito geracional

Neymar acabou meio que se tornando um símbolo involuntário do conflito geracional entre os millennials e as gerações anteriores.

As reprimendas ao comportamento de Neymar espelham as reprimendas ao comportamento millennial; as “lições de moral” aos millennials são as “lições de moral” ao jogador. Todo dia aparece um estudo sobre os millennials em todos os campos possíveis, todo dia aparece uma análise sobre Neymar. Os millennials são a geração mais estudada e menos compreendida da História, e Neymar é o grande exemplo desta contradição — todo mundo estuda Neymar e ninguém compreende, quer dizer, ninguém quer compreender Neymar.

Ninguém quer ouvir os millennials, ninguém quer ouvir Neymar. Todo mundo quer passar sermão para os millennials, todo mundo quer passar sermão para Neymar.

Não por acaso, Neymar está cada dia mais erguendo um muro de Instagram e Twitter e produtos Njr, defendidos ferozmente pelo fandom próprio e pelo fandom Brumar: desistir de ter uma conversa mais ou menos franca com gerações interessadas apenas em passar sermões e se limitar a passar recados em posts é uma decisão racional e lógica.

Por isso Neymar não fala e cada vez menos falará comigo. Nem com você. Nem com a imprensa e seus repórteres e talking heads e pundits. Nem com seus críticos de boteco. Porque não há conversa possível entre Neymar e nós, porque não há conversa possível entre millennials e gerações anteriores.

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1: tá, boa parte do sofrimento da medalha de ouro aconteceu porque a pressão de vencer é o principal adversário do esportista brasileiro em competições no Brasil, mas este é outro assunto.

2: com a exceção, talvez, das fotos com Davi Lucca, para mostrar que, sim, é um excelente pai. Mas não sei se, no final, o único “mais velho” a ter o desfrute dessa concessão seja seu próprio pai.

3: basta ver que Neymar não fala com a Globo desde a Copa de 2014… para desespero da emissora.

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