O último torcedor da Seleção Brasileira

Cesar Cardoso
3 min readAug 11, 2016

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“A Pátria de chuteiras”, “90 milhões em ação”, a Seleção Brasileira, a Seleção do Brasil. Só os mais velhos lembram disso.

Os mais novos só conhecem a Seleção que estranha jogar no Brasil, que durante muito tempo preferiu morar em Londres, que rejeita seu torcedor. E, não por acaso, o torcedor respondeu da maneira que respondeu: estranhando a Seleção, dando de ombros a cada fracasso, pouco se importando se esta mesma Seleção está “à beira do caos”, de ficar fora da Copa do Mundo e tudo. Este processo ainda foi exarcebado com a gentrificação acelerada na arquibancada dos estádios usando a Copa do Mundo como desculpa; o torcedor de maior poder aquisitivo, este que é cada vez mais disputado, tem uma relação bem mais comercial com a vida — e se a Seleção não entrega o produto, simplesmente troca o fornecedor.

(Não vou entrar aqui na questão da transformação da camisa da Seleção em bandeira de uma ala política.)

A Seleção Brasileira não tem mais torcedores, nem como desculpa para dizer que não tem/não quer revelar seu time de futebol. Com uma única exceção: Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno.

Galvão Bueno, figura central de nossa visão e memória de vitórias e derrotas esportivas nos últimos 25 anos (e sim, estou incluindo a passagem relâmpago pela Rede OM, onde narrou a primeira Libertadores do São Paulo, primeiro título de uma década em que os brasileiros dominaram a competição), o “vendedor de emoções”, nunca abandonou a seleção brasileira, mesmo nos tenebrosos tempos de 2010–2012, com Mano Menezes e uma Seleção cuja casa era o campo do Arsenal.

E, vendo que a Copa do Mundo de 2014 foi a encarnação de um futuro distópico em que a gentrificação foi atropelada pela grande festa feita pelos vizinhos pelos estádios, cidades e estradas do Brasil, Galvão passou a se acreditar com uma última missão no mundo da comunicação: reconciliar a Seleção e o Brasil. Não conseguiu muita coisa na segunda passagem de Dunga pela seleção, até pela qualidade técnica da atual Seleção.

Até que chegaram as Olimpíadas. Um torneio que se tornou uma obsessão para o futebol brasileiro, dando a ele uma relevância maior do que o que o torneio olímpico de futebol masculino realmente tem (um sub-23 glorificado), e o veículo ideal para que uma nova geração pudesse recuperar esse amor entre Seleção e torcida. Parecia que tudo estaria a favor: uma competição fraca, uma geração que promete, a decisão do COL de ir relativamente contra a tendência da gentrificação pelo aumento de preço dos ingressos, Neymar vendo a Copa América Centenário apenas como espectador.

Parecia… mas não aconteceu. O Neymar nervoso dos tempos da segunda passagem de Dunga reapareceu, escudado por uma geração e um treinador que sentiram a pressão, jogando em Brasília, cidade de gente cujos únicos amores envolvem concursos públicos e estabilidade, com uma torcida pouco receptiva e que abandona as coisas rapidamente. Não por acaso, dois 0x0 contra seleções bem inferiores, e uma enorme DR entre time e torcida de 90 minutos no domingo 7, contra o Iraque.

O torcedor anônimo vai no alambrado e xinga; Galvão Bueno faz isso ao vivo na Globo

Talvez, por isso, o enorme DR-desabafo de Galvão depois do jogo. Porque não era apenas um narrador reclamando de uma seleção perdida na vida, mas uma profissão de fé e desespero de quem se descobriu a única pessoa na face da Terra a se importar com a Seleção Brasileira, que viu seu projeto de reconciliação dos ex-amantes fracassar, que só tem como alternativa culpar o mundo pelo fracasso de uma missão que, talvez, nunca tenha tido chance de dar certo. As cobranças aos jogadores por ignorarem as explicações devidas, a repreensão ao estilo de vida de Neymar, até mesmo as comparações com Marta e Guga Kuerten, este último transformado em escada involuntário ao vivo, tem essa carga de desespero, paixão e desesperança.

Vimos um Galvão triste no domingo à noite, triste como nunca vimos antes. E isso nos chocou muito, porque a tristeza de Galvão revelou a enorme solidão que ele sente: o principal narrador do Brasil, tão íntimo de todos nós, está sozinho na paixão pela seleção brasileira e, revelando seu desespero, finalmente desmascarou o fim do amor entre Seleção e torcedor.

Talvez seja o que falta para repavimentar o caminho que liga Seleção e Brasil.

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