Cesar Ranquetat Jr
9 min readNov 7, 2017

Os liberais globalistas e agenda cultural da esquerda

Em 24 de abril de 2015, Hillary Clinton, então candidata à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, fez uma declaração altamente reveladora durante uma conferência sobre feminismo no Lincoln Center de Manhattan. Afirmou sem titubeios a ex-secretária de Estado: “Os códigos culturais profundamente enraizados, as crenças religiosas e as fobias estruturais precisam mudar. Os governos devem empregar seus recursos coercitivos para redefinir os dogmas religiosos tradicionais”.[1] Ainda, defendeu explicitamente o aborto e o financiamento governamental de organizações como a Planned Parenthood (maior rede de clínicas abortistas dos Estados Unidos), bem como outros pontos patrocinados pela agenda dos cunhados direitos sexuais e reprodutivos. Vale lembrar que, em outra oportunidade, num evento ocorrido em Gênova na Itália em 2011, já tinha dito que as convicções religiosas limitam os direitos humanos do coletivo LGBT. Por razões óbvias estas inquietantes declarações, de uma expressiva figura da política mundial, foram pouco noticiadas e comentadas na grande imprensa.

De uma maneira direta e explícita, sem camuflagens e fingimentos, a importante personagem do Partido Democrata condensa e sintetiza as metas e objetivos da agenda cultural “progressista” estimulada e financiada pelas (pseudo) elites globalistas. É todo um plano de mutação antropológica radical e de “desconstrução” cultural anunciado de um modo cristalino e de forma patente.

A afirmativa de Hillary Clinton é uma espécie de confissão e proclamação de guerra cultural e psicológica não apenas contra o cristianismo, mas contra as religiões e os códigos morais tradicionais. É o esboço de um programa mais amplo de desmantelamento planejado e deliberado de todas as estruturas e valores que configuram uma determinada comunidade, objetivando em última instância minar e destruir as identidades culturais e práticas sociais milenares. A líder democrata, sem perceber, desvelou o próprio coração do projeto da Nova Ordem Mundial.

Contudo, a ex-secretária de Estado americana não é evidentemente a única agente, e nem sequer a principal, que trabalha para levar a cabo os planos de engenharia social e mutação antropológica acalentados pelo globalismo. Um dos mais importantes e conhecidos personagens deste estranho e perturbador projeto é, sem dúvida alguma, o megainvestidor e filantropo George Soros. Por meio de sua fundação chamada Open Society, o magnata promove e financia uma série de iniciativas, movimentos sociais e ONGs espalhadas por todo o mundo. De um modo geral, estas organizações defendem bandeiras e debatem temáticas simpáticas à agenda cultural esquerdista como por exemplo: o abortismo, o ateísmo, o secularismo, o ambientalismo e ecologismo radical, a legalização das drogas, o feminismo, a educação sexual, o controle de armas, os “direitos humanos”, a luta pela diversidade e a defesa de minorias étnicas, o multiculturalismo, a causa LGBT e a ideologia de gênero.

Interessante notar que George Soros, assim como Hillary Clinton e outros personagens, de maneira alguma esconde a sua ideologia globalista e multiculturalista. Em várias declarações públicas, em artigos e livros advoga abertamente por uma sociedade libertária, mundializada, “pós-moderna”, sem rígidas fronteiras geográficas, politicas e morais. Conforme o analista politico Igor Pshenichnikov: “Soros esboçou sua visão do mundo em seu livro ‘A Era da Falibilidade’, cujo objetivo principal é criar um mundo sem fronteiras, onde todos sejam iguais e livres, onde os interesses de todas as minorias, especialmente as sexuais, não só são garantidos por meio de legislação, mas prevalecem sobre os interesses da maioria”.[2]

A Open Society de Soros, entidade criada em 1993, tem este nome devido ao livro do filósofo liberal austríaco Karl Popper A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (1945), obra que influenciou decisivamente a visão de mundo do financista húngaro. Ele tomou contato com a obra de Popper quando estudou na famosa London School of Economics. Seu objetivo inicial com a Open Society foi divulgar as ideias liberais de Karl Popper.

Não obstante o fato de financiar organizações de esquerda, não me parece correto caracterizá-lo como um marxista, socialista ou comunista. Soros é um típico liberal cosmopolita. Na realidade, parte significativa da pseudo(elite) globalista é composta por liberais cosmopolitas.

Outro destacado ator liberal globalista foi Zbigniew Brzezinski, geopolítico, estrategista e membro do Conselho de Segurança Nacional Norte-Americano durante a presidência de Jimmy Carter de 1977 a 1981. Homem de grande inteligência e cultura o polaco Zbigniew Brzezinski em sua obra A era tecnotrônica (1971) afirmava que o mundo estava passando por uma gigante transformação social e cultural cujas principais características seriam o surgimento e a proliferação de novas tecnologias, que, dentre outros efeitos, permitiriam um maior controle da população por meio de técnicas de engenharia social. Estas novas tecnologias como a microeletrônica, a bioindústria, a nanotecnologia, a inteligência artificial e outras do mesmo tipo provocarão uma verdadeira revolução cultural e antropológica. As possibilidades de manipulação mental e genética, vigilância social e condicionamento psicológico serão imensos, conforme admite o geopolítico Brzezinski. Entretanto, o ponto mais importante nas estratégias e elucubrações globalistas do estrategista polaco é a noção de tittytainment. Trata-se de uma palavra inglesa composta por dois termos: titty que se origina de tit que significa seios, mas que, também, pode ter o sentido de idiota, imbecil; e a palavra entertainment, que significa entretenimento, diversão. Zbigniew Brzezinski ao utilizar esta palavra pela primeira vez em 1985 em uma reunião realizada no Hotel Fairmont de São Francisco, patrocinada pela Fundação Gorbatchev, e contando com a presença de centenas de importantes líderes políticos e empresariais, estava pensando na elaboração de estruturas sociais e políticas que estimulassem a formação de um sistema cultural que, grosso modo, anestesiasse o povo através de entretenimento estupidificante e pueril e alimentação barata. O tittytainment é um mecanismo psicológico e sociológico que visa tornar as sociedades letárgicas e passivas através da velha tática do pão e circo.

Na verdade, a escolha destes termos (titty e entertainment) para formar uma nova palavra,quer sinalizar,metaforicamente, para o efeito tranquilizante e mesmo sedativo que o leite materno tem sobre o bebê, deixando-o satisfeito. Ora, é exatamente isto que buscam as forças globalistas, percebendo os indivíduos como crianças mimadas, bebezinhos, que, facilmente, podem ser manipuladas e, portanto, sem capacidade de ação, resistência e autonomia pessoal. Oferecendo prazeres, divertimento e enchendo a barriga do povão as oligarquias dominantes mantém as pessoas sob controle. O estrategista polaco defendia a tese de uma sociedade dos dois décimos, ou seja, um sistema de organização social na qual apenas 20% da população mundial seria suficiente para manter e sustentar a economia mundial. A grande maioria, 80 % da população, terá que ser controlada através de operações psicológicas e ferramentas de condicionamento social do tipo tittytainment.

Um personagem central na configuração das estratégias mundialistas é a do diplomata americano Henry Kissinger. Em 10 de dezembro de 1974 o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, dirigido pela citada figura que era também neste período secretário de Estado, emitiu um documento de 250 páginas cunhado como Memorando 200: implicações do crescimento da população mundial para a segurança dos EUA e Interesses Além-Mar. Este memorando sigiloso foi adotado como política de Estado pelo então presidente dos Estados Unidos na época o presidente Gerald Ford. Mais conhecido como Relatório Kissinger, este assombroso documento afirmava que o crescimento populacional dos países do Terceiro Mundo configurava-se como uma ameaça significativa à segurança nacional dos Estados Unidos. O relatório Kissinger defendia abertamente a promoção da contracepção e de outras medidas de controle populacional. Considerava-se por razões geopolíticas e estratégicas 13 países-chave (Índia, Bangladesh, Paquistão, Nigéria, México, Indonésia, Brasil, Filipinas, Tailândia, Egito, Turquia, Etiópia e Colômbia) como alvo destas “operações”, pois, o crescimento populacional nestas nações redundaria em desenvolvimento econômico, político e militar que poderia colocar em xeque a hegemonia norte-americana. Anteriormente, em 1972 o relatório Meadows, elaborado por pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) com o patrocínio do Clube de Roma (importante organização globalista criada em 1968 pelo industrial italiano Aurélio Peccei e o cientista escocês Alexander King e constituída por destacados pesquisadores, políticos e grandes capitalistas) ressaltava a necessidade de impedir o crescimento populacional para garantir a estabilidade econômica mundial e preservar os recursos naturais. É notório que políticas malthusianas de controle demográfico e restrição à natalidade são uma das táticas preferidas das oligarquias cosmopolitas.

Além disso, não é nenhuma novidade que poderosas e influentes organizações transnacionais como a ONU, a Unesco, a OEA, a União Europeia, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Trilateral, o Conselho de Relações Exteriores (CFR), o Clube de Bilderberg, o Diálogo Interamericano, a Sociedade Fabiana, a Round Table assim como Fundações internacionais como a Ford, a Rockfeller, a MacArthur e outras similares, apoiam, estimulam e em alguns casos financiam os programas ideológicos e culturais da esquerda. A questão é entender as razões e os motivos doutrinários e práticos desta estranha aliança entre organizações e atores “liberais” e “capitalistas” com forças políticas e atores progressistas. Por que organismos internacionais e grandes capitalistas promovem e injetam dinheiro em propostas, projetos e ações que acabam por favorecer agenda cultural da esquerda?

Ora, a formação de um ambiente cultural e de uma atmosfera societal que propicie o enfraquecimento e mesmo a abolição de todos os entraves e imperativos morais, espirituais e legais à expansão das “forças naturais” do mercado, assim como, a constituição de um indivíduo “emancipado e liberto” dos freios da religião, dos costumes e tradições culturais “arcaicas e preconceituosas”, projeto próprio da esquerda atual, é essencial para o fortalecimento e ampliação do grande capital e da lógica “mercantil” e consumista do gozo imediato e da multiplicação artificial de desejos.

Ademais, através de sofisticadas e sutis técnicas de engenharia comportamental e controle das percepções busca-se sublinhar, acentuar e exacerbar as diferenças secundárias e acessórias relativas à gênero, orientação sexual, raça e etnia. Objetiva-se, deste modo, fragilizar os vínculos comunitários, os laços de solidariedade, dividindo e jogando os indivíduos e grupos sociais uns contra os outros. Mais ainda: intenciona-se com isso fazer com que a população concentre toda a sua atenção em questões “identitárias” e lutas pela inclusão e a diversidade, a fim de que, assim condicionada, os autênticos problemas jamais sejam focalizados e enfrentados. Enfim, eis a velha e clássica tática de “dividir para reinar”, fundada em estratégias muito bem planejadas de desestabilização, “balcanização” e estímulo de conflitos sociais. Por meio da atomização, segmentação, desagregação, fragmentação e desorganização normativa das sociedades nacionais, fica bem mais fácil controlá-las e manipulá-las. Uma sociedade onde não existe coesão, integração social e valores compartilhados, onde as autoridades, hierarquias e disciplinas normativas são relativizadas é facilmente dominada e dirigida por forças exógenas.

Sejamos francos e objetivos: a estratégia diretriz das oligarquias cosmopolitas é disseminar o caos e a desestabilização social. A palavra de ordem das classes falantes progressistas é desconstruir e desmitificar todos os valores e instituições tradicionais. Parece que, conscientemente ou inocentemente, ambas trabalham para atingir um mesmo objetivo.

Inegavelmente, estamos a viver em um cenário social, político e econômico marcado pelo consenso liberal-libertário, conforme aponta o cientista social Rodrigo Agulló. É interessante em nossa época observar o estranho casamento entre o ideal liberal da “sociedade aberta” pregado por filósofos como Karl Popper e Friedrich Hayek, que, em linhas gerais, caracteriza-se pela ênfase nos valores “mercantis” e econômicos, bem como na implementação de políticas sociais de teor privatista, juntamente com medidas radicais de desregulamentação dos mercados, abertura das fronteiras, livre-comércio e Estado mínimo e, por outro lado, a predominância na esfera cultural e midiática dos ideais libertários e emancipadores próprios da esquerda progressista. Neste sentido, cabe sublinhar que Michel Foucault, um dos mestres da esquerda pós-moderna, interessou-se por autores e correntes de pensamento de orientação liberal, em especial os trabalhos do economista Gary Becker. Foucault via no liberalismo uma importante arma teórica em sua luta contra a “sociedade disciplinar e as suas instituições opressivas”. Como alguns liberais, defendia uma sociedade autogestionária de feições anárquicas. Além disso, é necessário ressaltar, que este consenso liberal-progressista começa a se consolidar a partir das décadas de 1960 e 1970, quando configura-se no mundo ocidental um novo tipo de ordenamento social, que, resumidamente, muitos analistas definem de neocapitalismo libertário, de tonalidades hedonistas, anárquicas e consumistas. Em suma, conforme sublinha o cientista social espanhol, presenciamos a simbiose dos valores culturais “progressistas” do maio de 68 com a economia de livre-mercado e a sociedade de consumo.

Não é preciso ter muita inteligência para perceber que nada pode ser mais benéfico e frutífero ao turbocapitalismo globalizado do que a afirmação de “sociedades abertas”, despidas de qualquer tabu moral e religioso. A consolidação de um tipo humano fugaz e infantilizado que, dentre outras características psicológicas, se jacta de viver sem limites, princípios e fronteiras espirituais e físicas é um trabalho que a esquerda pós-moderna e multiculturalista está realizando com grande maestria, ao propagandear os mecanismos e as operações ideológicas de desconstrução, desmitificação e libertação antropológica. A formação de uma nova (des)civilização humana sem culpas, sem complexos, repressões e tabus, exaltada pelos progressistas e pós-modernos à esquerda do espectro político e cultural, é justamente a menina dos olhos das oligarquias políticas e financeiras liberais e cosmopolitas.

Transformar os homens em seres animalizados voltados unicamente à satisfação de seus instintos primários, destruindo seus vínculos comunitários e tradições morais e culturais, assim como rebaixá-los à condição de robôs consumistas que só se importam em produzir, comprar e ostentar bens materiais é o objetivo número um das (pseudo)elites globalistas endinheiradas e suas tropas de choque.

[1] Disponível em: https://pt.aleteia.org/2015/05/04/hillary-clinton-declara-abertamente-uma-guerra-contra-a-religiao/ Acesso em: 20/09/2017.

[2] Disponível em: https://br.sputniknews.com/americas/201702207727055-george-soros-ordem-mundial/. Acesso em: 23/09/2017.

Cesar Ranquetat Jr

Pesquisador e professor universitário na área de Ciências Humanas.