Missão Ecumênica no Maranhão: Em apoio e solidariedade aos que sofrem violações de Direitos.

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22 min readSep 12, 2023

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Aconteceu no estado do Maranhão, de 03 a 06 de setembro, a quinta Missão Ecumência, realizada pelo FEACT Brasil, sob a coordenação da CESE e em parceria com diversas organizações, seguindo seu legado de ​​realizar anualmente, uma missão ecumênica em regiões onde há conflitos territoriais e ameaça de direitos humanos.

As missões são organizadas a partir de diálogo e integração de movimentos sociais, igrejas, organizações baseadas na fé, entes públicos e agências de cooperação internacional.

Visita ao quilombo Santa Rosa dos Pretos — Foto: Tarsilo Santana

Conheça a situação do Maranhão

O Maranhão é o estado com o maior número de indígenas defensores de direitos humanos assassinados, e o segundo em violações contra defensores de direitos humanos no país, segundo dados de um relatório divulgado pelas entidades Justiça Global e Terra de Direitos.

Reprodução de Mapas do Brasil

Segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, no momento há 114 pessoas incluídas no Programa Estadual de Proteção e Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, totalizando 37 casos. São 44 posseiros, 34 quilombolas, 19 indígenas, 11 ambientalistas e 05 pescadores.

O Maranhão é o terceiro estado que mais registra conflitos agrários no Brasil. As violações incluem invasão e grilagem de terras, racismo religioso e assassinatos. Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra — (CPT 2023), de 2020 a junho de 2022, 14 lideranças foram assassinadas e mais de 30 mil famílias estão ameaçadas nos territórios quilombolas e comunidades tradicionais maranhenses.

Em 2021, o estado foi líder em assassinatos em conflitos no campo no Brasil. Dos assassinatos contra quilombolas no campo no período, todos aconteceram no Maranhão. Em 2022, o Maranhão liderou, junto com Rondônia, o número de assassinatos deste tipo no Brasil. São sete casos para cada. As vítimas são quilombolas, trabalhadores/as rurais e indígenas. Foram 178 conflitos no estado no ano.

Ainda em 2022, o avanço do agronegócio foi o principal responsável pelo aumento da violência no Maranhão. O desmatamento ilegal, a grilagem de terras, mineração, o racismo religioso contra população de religião de matriz africana, entre outras violações se somam a ele nesse histórico de violência. Para se ter ideia, os estados da Amazônia Legal somaram 34 das 43 mortes em conflitos agrários no Brasil, ou seja, 70% dos casos.

O Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil aponta que foram assassinados 42 indígenas no estado do Maranhão entre 2009 e 2022, sendo 32 Guajajaras, 4 Kaapor, 3 Timbiras, 1 Kanela Apanyekrá,1 Kanela Ramkokamekrá e 1 Gamela. Sem contar o alto número de suicídios e os constantes assédios do agronegócio.

Outro ponto relevante é o racismo religioso que constantemente tem afetado a vida e as celebrações do povo de terreiro do Maranhão. Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) apontam que somente em 2021 foram 586 denúncias de intolerância religiosa, o que equivale a um aumento de cerca de 141% em relação a 2020, quando houve 243 registros.

A violência contra mulheres aumentou no campo e na cidade e atravessa inúmeros conflitos, deixando-as em maior situação de vulnerabilidade social e econômica. No primeiro semestre de 2023, a Justiça do Maranhão concedeu 9.322 medidas protetivas de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. E até junho de 2023 já tinha sido registrado a ocorrência de 20 feminicídios.

A Missão Ecumênica

A Missão teve início ao entardecer do domingo, 03 de setembro com uma mística organizada pelo Grupo Caixeiras Calabrianas.

Apresentação do grupo Caixeiras Calabrianas. Foto: Kátia Visentainer/PAD

Ao som de tambores, e danças típicas, os participantes que vieram de diversos estados, levantaram a voz para pedir por Esperança, União, Partilha, Confiança, Fraternidade, entre outros.

Abertura da Missão — Foto: Kátia Visentainer/PAD

Após a apresentação, a Reverenda Bianca Daébs — Assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religios e Vinicius Benites Alves — Assessores da CESE apresentaram o material “Violações de Direitos Humanos no Estado do Maranhão -2023”. O relato de 26 conflitos levantados pela CESE na pré-missão, que envolvem: Racismo Religioso, Racismo Ambiental, Grilagem de Terras, Racismo Institucional, Conflito Agrário, Violações de Direitos, entre outros.

Apresentação do Mapa “Violações de Direitos Humanos no Estado do Maranhão -2023” — Foto Tarsilo Santana/ CESE

Segundo dia

Ao nascer do sol da segunda-feira, 04 de setembro, o grupo de missioneiros partiu para o Quilombo Santa Rosa, que fica no município de Itapecuru Mirím.

Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto Tarsilo Santana/CESE

Quilombo Santa Rosa dos Pretos

O quilombo de Santa Rosa dos Pretos está localizado no município de ltapecuru Mirim, no quilômetro 135 da BR, que liga o interior à capital do Maranhão, São Luís. Santa Rosa dos Pretos é um dos 20 quilombos que compõem o território de mesmo nome em uma região que comporta mais de 80 quilombos e tem como origem ex-escravizados sequestrados de Guiné-Bissau, que herdaram por meio de testamento as terras do Barão de Santa Rosa em 1898. Apesar do testamento e Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do INCRA, que comprovam o direito de permanência nas terras, o território até hoje não foi titulado, sendo permanentemente invadido por megaempreendimentos.

Até hoje, cerca de 900 famílias seguem produzindo nessas terras e lutam para manter o maior quilombo do território de Santa Rosa dos Pretos, que juntos totalizam cerca de 5 mil pessoas. É lá também que acontecem os principais festejos e manifestações culturais do município, como a Festa do Divino Espírito Santo e o Tambor de Crioula.

A Visita da Missão

Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto Tarsilo Santana/CESE

A Missão foi recebida em uma das escolas municipais do quilombo Santa Rosa dos Pretos, pela líder quilombola Anacleta Pires e o presidente da Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos, Joércio Pires da Silva (Leleco), ao som de tambores de crioula.

Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto Tarsilo Santana/CESE

Escuta

Após a apresentação, a Missão abriu um espaço de escuta — para que a comunidade quilombola pudesse relatar as violações de direitos sofridas pelo quilombo, suas lutas e partilhar a sua história. O quilombo existe há 347 anos e ainda luta pela titulação de seu território.

O Quilombo Santa Rosa dos Pretos enfrenta três grandes violações, que impactam seu território e afetam a segurança de seu povo:

A ampliação da BR 135

A Ferrovia Carajás — e a Ferrovia Transnordestina

Linhões de energia

Sônia G. Mota — Diretora executiva da CESE fala sobre a importância de escutar as denúncias, no Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Desde 2018, eles reivindicam seus direitos junto à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público Federal sobre a suspensão da duplicação da BR-135, e da implementação de novos linhões de transmissão de energia da CEMAR.

Linhões de energia, que cortam o território do quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

O Linhão foi construído nas décadas de 70 e 80 e é o projeto que tomou mais terras do quilombo. A área que passa o linhão era onde se fazia a produção de arroz. Nesta época, cada família tinha o seu paiol, onde armazenava a produção e o quilombo vivia uma época próspera, com a produção de arroz e o pescado.

A pesca também foi impactada pela construção da ferrovia Carajás, na década de 80, com a construção de uma barreira de concreto no meio do maior igarapé do quilombo, o Grande Samauma, acabando com a fartura de pescado.

A comunidade sofre com o avanço de grandes empreendimentos, que têm avançado o espaço do território sem a realização de Consulta Prévia e Informada, como manda a OIT 169, da qual o Brasil é signatário. Esses empreendimentos também afetaram a segurança de lideranças do território, fazendo com que muitos deles fossem inseridos no programa de Proteção Estadual.

Anaclet Pires, uma das principais lideranças do quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Anacleta Pires, uma das principais líderes do quilombo, relatou também a falta de apoio para que a Cultura Quilombola seja também implantada nas escolas, e a dificuldade para conseguir que a legislação seja respeitada e que sejam contratados professores quilombolas para as escolas em seus territórios.

Após a escuta, os missioneiros partiram em comboio para acompanhar em campo as violações:

Grupo visita campo, trem carregado de minério corta o Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Ver de perto o território cortado pela linha férrea, que transporta trens com mais de 350 vagões cada, cheios de minério passando pelo território por horas ininterruptas é muito impactante. Além da poluição do pó do minério, que se espalha ao vento por todo quilombo, adoecendo as pessoas, ainda tem o impacto no ir e vir das pessoas. Para atravessar de um lado ao outro do território é preciso esperar o trem passar, ou andar por quilômetros até uma ponte para atravessar.

Grupo de missioneiros, ouve relatos de Leleco, na visita de campo no Quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Ferrovia Carajás

No território da comunidade Santa Rosa dos Pretos, existe uma linha de trem mais antiga, construída na década de 1980, utilizada principalmente para transportar o minério de ferro das minas de Carajás da Vale S. A. para o porto, em São Luís, e outra mais recente, que integra o projeto de duplicação da ferrovia e de escoamento da produção de ferro de uma nova mina no Pará (Projeto S11D), também da mineradora Vale S. A.

Ferrovia Carajás, que corta o quilombo Santa Rosa dos Pretos. Foto: Tarsilo Santana/CESE

O território quilombola de Santa Rosa dos Pretos foi atravessado pela a Estrada de Ferro Carajás (EFC), operada pela companhia mineradora VALE S.A, a ferrovia Transnordestina São Luís-Teresina, a rodovia BR 135, dois linhões da Companhia Energética do Maranhão (CEMAR), chamados Coebinha, e mais três que pertencem à companhia Eletronorte chamados Coheb Grande. Portanto, as terras vem sendo gradativamente destinadas a projetos que não contemplam seus moradores.

Após a visita de campo, os missioneiros foram recebidos com o som dos tambores e foi servido um almoço maravilhoso, produzido com produtos locais pelos integrantes da comunidade.

Missioneiros e quilombolas na entrega do estandarte da Missão Ecumênica. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Ao se despedir, missioneiros entregaram um estandarte, assinado por representantes de todas as igrejas, movimentos e organizações que estavam na missão, com o compromisso de divulgar as reivindicações do quilombo e apoiar sua luta.

Contra o Racismo Religioso

Na noite de segunda-feira, missioneiros visitaram o Terreiro Fanti Ashanti. A visita da Missão ao Terreiro Fanti Ashanti deveu-se ao fato do aumento do Racismo Religioso que os povos de terreiro vêm sofrendo no estado do Maranhão. Preconceito religioso, ataques por grupos neopentecostais e ameaças físicas.

Terreiro Fanti-Ashanti. Foto: Tarsilo Santana/CESE

O Terreiro Fanti Ashanti

O Terreiro Fanti Ashanti é a primeira Casa de Candomblé fundada no Maranhão. Uma casa de Tambor de Mina e Candomblé, que fica no bairro do Cruzeiro do Anil em S. Luis. Comandada pela Yalorixá, mãe Kabeca de Xangô.

Mãe Kabeca, Terreiro Fanti-Ashanti. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Segundo o fotógrafo Márcio Vasconcelos, que se dedica há mais de 20 anos à pesquisa e registro da cultura popular e religiosa dos afrodescendentes no Brasil, especialmente no estado do Maranhão,

“A Casa Fanti-Ashanti, foi fundada por Pai Euclides de Menezes em 1º de janeiro de 1954. Entretanto, o IXÊ da Casa (Mastro Central de um Terreiro), foi plantado no dia 24 de dezembro de 1957, às cinco horas da manhã, seguindo orientação das falecidas Mãe Piá e Mãe Anastácia Lúcia dos Santos, fundadora do antigo Terreiro da Turquia.

No dia 1 de janeiro de 1958, deu-se a inauguração oficial da Casa Fanti-Ashanti, dirigida então pelo babalorixá Euclides Menezes Ferreira (de Oxaguian com Oxum).

Além de ser um dos mais importantes terreiro de culto afro do Brasil, é mais que um templo das religiões de matriz africanas: constitui-se em verdadeiro patrimônio cultural brasileiro, um celeiro de manifestações da cultura popular e afro-religiosa do Maranhão.

Pai Euclides faleceu em 2015 aos 78 anos, mas já vinha preparando a Mãe Kabeca para sucedê-lo na chefia e manutenção dos rituais da Casa”.

A Visita ao Terreiro

Os missioneiros foram recebidos por Mãe Kabeca e sua comunidade em seu Terreiro ao som de tambores e cânticos.

Os pastores e padres das religiões cristãs que estavam na Missão chegaram paramentados, num ato ecumênico, que entende que todas as religiões têm o mesmo direito livre de culto.

Mãe Kabeca recebe os sacerdotes de outras religiões. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Mãe Kabeca os recebeu saudando os orixás, deu boas vindas e disse que ela e todos do Fanti-Ashanti estavam abertos para escutar os missioneiros e os sacerdotes de outras religiões. Também salientou que a família Fanti-Ashanti está correndo atrás dos seus direitos e liberdade de expressar seus rituais, sua missão e religião.

Acolhimento

A Pastora Romi Bencke convidou todos os pastores e padres a se juntarem à Mãe Kabeca e começou sua fala agradecendo à Yalorixá e a todos os seus filhos pela acolhida.

“Obrigada pelo acolhimento, esta noite é muito especial para nós, esta delegação ecumênica, que somos cada um e cada uma de uma igreja diferente”, falou Romi Bencke.

Estavam presentes:

Padre Marcos, igreja Católica Apostólica Romana (CNBB), Graciely Sander, pastora da igreja Luterana; Marinez Vassoto, Bispa Anglicana; Sônia Mota, pastora da igreja Presbiteriana Unida, Francisco, pastor da igreja Presbiteriana Unida e Romi Bencke pastora Luterana e representante do Conselho Nacional de Igreja Cristãs e represente da Aliança de Batistas do Brasil.

Pastora Romi Bencke. Foto: Tarsilo Santana/CESE

“A gente ouve notícias de igrejas que atacam os terreiros, durante a pandemia eu participei de duas audiências sobre intolerância religiosa, para falar sobre intolerância religiosa aqui no Maranhão (…) e houve um Fórum sobre a intolerância religiosa no Maranhão. A gente sabe que a história deste estado se confunde com a história de africanos e africanas que vieram pra cá de forma escravizada, pelo que vimos num quilombo hoje pela manhã, não existe história do Maranhão, sem a história da população negra daqui”, afirmou Bencke.

E continuou:

“Então não tem como, eliminar deste estado esta espiritualidade, que é forte, que é viva, que é resistência e que também quer esperança. A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), que é coordenada pela Sônia organizou esta Missão Ecumênica”

A Missão Ecumênica é sempre um movimento da gente ir em direção ao outro, mas não de qualquer outro, e sim aqueles que têm os seus direitos violados. Portanto, face ao grave aumento do racismo religioso, não poderia deixar de estar num terreiro no Maranhão.

A Pastora Romi Bencke faz uma fala sobre a importância da resistência, nas religiões de matriz africana:

“A gente sabe a resistência que é, a gente sabe que o Brasil tem uma liberdade religiosa, que é garantida pela Constituição Federal, mas sempre digo que a liberdade religiosa no Brasil é excludente. Porque ela beneficia somente aquelas tradições que têm poder. As tradições religiosas como as africanas, as indígenas, quando a Lei de Liberdade religiosa foi instituída no Brasil, não eram nem consideradas religiões. Então elas foram e não foram contempladas por esta lei. Mas no imaginário parece que era pra todo mundo, mas as religiões de matriz africana continuaram a ser discriminadas, por uma questão muito grave, que o Brasil não enfrentou ainda, que é o racismo”.

Missioneiros abraçam a casa Fanti-Ashati. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Após as falas dos religiosos, os missioneiros foram convidados a envolver a família Fanti-Ashanti num grande abraço de acolhida. Que representava um grande ato ecumênico de “abraçar” todos os terreiros que têm sido vítimas do racismo religioso e suas violações de direitos no Maranhão.

Emoção à flor da pele

Unidos pelo abraço, lágrimas foram trocadas entre a família Fanti-Ashanti e os missioneiros. Num compromisso de solidariedade e de luta coletiva contra a violência, violações de direitos e pela liberdade religiosa.

Jantar e entrega do estandarte

Ao final, a casa Fanti-Ashanti ofereceu um jantar aos missioneiros e à família, com pratos típicos deliciosos.

A CESE e os missioneiros entregaram um estandarte da missão com a assinatura dos participantes da Missão, como compromisso de luta contra o racismo religioso e pela liberdade religiosa no Maranhão.

Sônia G. Mota, Diretora Executiva da CESE entrega à Mãe Kabeca — Fanti-Ashanti o estandarte da Missão. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Audiência Pública sobre as Violações de Direitos denunciadas por comunidades, movimentos e organizações sociais.

No dia 05 de setembro, terça-feira, aconteceu no auditório do Ministério Público do Maranhão uma audiência pública realizada pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), em que lideranças de movimentos sociais debateram e denunciaram violações de direitos humanos no estado. A atividade, que ocorreu no auditório do Centro Cultural do MPMA, teve parceria com o Fórum Ecumênico ACT Brasil, Processo de Articulação e Diálogo (PAD) e Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH). Os participantes foram recebidos com a música do grupo afro Akomabu.

Grupo afro Akomabu. Foto Tarsilo Santana/CESE

Representantes de comunidades tradicionais quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, trabalhadores rurais, povos de terreiro, população LGBTQIA+ e mulheres em situação de violência estiveram presentes. Para relatar segmento casos de agressões aos direitos humanos sofridos em todo o Maranhão.

Abertura

Após uma apresentação musical, Sônia G. Mota, Diretora Executiva da CESE fez a fala de abertura, salientando a importância da realização da audiência pública como um espaço de escuta das denúncias que acontecem nos territórios do maranhão.

Sônia G. Mota, Diretora Executiva da CESE fez a fala de abertura da audiência pública. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Primeira mesa

A primeira mesa foi formada por lideranças que trouxeram denúncias de violações em seus territórios. Casos de racismo, racismo religioso, grilagem de terra, racismo ambiental e uma gama enorme de violação de direitos.

Mesa 1. Foto: Tarsilo Santana/CESE

A primeira mesa contou com a participação do promotor de justiça José Márcio Maia Alves, diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais (Secinst), que destacou a importância de a instituição estar próxima da sociedade civil e ouvir suas demandas. Ele citou ações da atual gestão do Ministério Público que têm buscado essa reaproximação, como a criação das promotorias distritais em São Luís, a realização de escutas sociais para subsidiar a atuação dos membros da instituição e a implantação do Programa de Atuação em Direitos Humanos (Padhum). Mas ele ficou somente numa primeira parte da mesa, não acompanhando as denúncias detalhadas pelos participantes.

Breve relato de algumas denúncias apresentadas:

Os nomes das pessoas que participaram da primeira mesa serão omitidos por segurança.

Mesa 1. Foto: Tarsilo Santana/CESE

Quilombola

  • Situação dos quilombos do estado do Maranhão: passamos por um processo de acirramento dos conflitos nos territórios que são determinados pelo avanço do capital, ou seja, o agronegócio, principalmente. Um processo de saqueamento dos territórios. Com ataques aos territórios, que contam com a leniência do estado do Maranhão, pois os órgãos públicos não fazem a proteção destes territórios. E estas empresas ligadas ao agro invadem os territórios, promovendo a expulsão e inclusive assassinatos. Por exemplo, os órgãos têm facilitado a concessão de licenças ambientais, facilitando para o agro a expansão com invasão de territórios quilombolas.
  • De 217 municípios, 107 contam com quilombolas no estado do Maranhão, isso representa 50,6% do território tem presença de comunidades quilombolas. Mas apesar disso, há uma falta de assistência dos órgãos responsáveis por proteger essa população.
  • Apesar destes territórios serem reconhecidos, ainda estão em situação de insegurança jurídica, e essa insegurança é responsável por diversas violências que estas comunidades sofrem, especialmente na titulação de seus territórios. Noventa por cento das comunidades quilombolas do Maranhão ainda não foram tituladas.

Membro do Movimento de terreiros

  • Os povos de terreiro são vítimas, são um povo aberto ao diálogo inter-religioso, para a paz, para o amor, no entanto há um resquício colonial de que as religiões de matriz africana sempre foram tratadas como demoníacas, satânicas, do mal, negativamente isso se perpetua até os dias atuais. E são convidadas a sair do lugar de vítima, com isso impedindo o Estado brasileiro a de fato criar políticas de proteção que reconheçam que de fato estas comunidades são vítimas históricas de processo de discriminação e violência.
  • O Maranhão é um estado com quase 80% de população negra e por isso é necessário honrar e zelar por esta ancestralidade negra fundamentalmente africana, sem desconstrução da cultura.
  • Povos de comunidades tradicionais vivem nos lugares mais bonitos do mundo, porque acreditam que só podem ser felizes em lugares preservados. São povos sustentáveis e são vítimas dos projetos desenvolvimentistas que não acreditam que a preservação da vida humana está nestes locais de natureza protegida.
  • A predominância religiosa do Maranhão é do Tambor de Mina, temos a umbanda, o candomblé. Essa diversidade religiosa precisa ser olhada como um patrimônio cultural desta sociedade.
  • Na parte de conflitos, o Maranhão vive uma explosão de racismo religioso. Racismos contra as religiões de Matriz Africana. Esses ataques também acontecem pela ausência de uma política de estado de proteção das comunidades e ele também é fruto do racismo institucional.
  • Os ataques das igrejas neopentecostais não são aleatórios, são planejados, organizados e têm um suporte político. Muitos processos jurídicos desses ataques enfrentam a lentidão e acabam não punindo os culpados.
  • Racismo institucional: foram suspensos os recursos do estado para a realização da festa do divino.
  • Até hoje os terreiros pagam taxas para liberação de realização de festas, essas taxas são cobradas indevidamente. São cobrados da mesma forma que quem realiza um evento comum.

Movimento dos Pescadores

  • Todos os impactos atingem os pescadores, pois o agrotóxico do agro, a contaminação da mineração, tudo chega às águas. O Maranhão é invadido pelos Portos, e considera-os como "sua fonte de riqueza".
  • São muitos os problemas enfrentados pelos pescadores, mas a omissão do estado é o mais relevante. Por mais que falem dos impactos causados por essas empresas, eles ocorrem com a conivência do estado. Porque a licença pública é dada pelo estado, a falta de fiscalização também é do estado, ele não fiscaliza, isso no âmbito municipal, estadual e federal.
  • O Estado tem sido omisso com os pescadores, com as comunidades tradicionais, a falta de política pública, de olhar, de acompanhar é muito grande.
  • O Estado recebe milhões do Fundo Amazônia pra não desmatar, fica com o recurso pra si e não dá atenção para as comunidades em questão. E o estado deveria fazer porque está recebendo pra isso.
  • Ainda há uma luta para provar que a comunidade é uma comunidade tradicional.
  • Eles tem sofrido perseguição do estado.

Promotor Público

  • Segundo o procurador, as causas sociais têm sido acompanhadas pela Defensoria Pública, pois o Ministério Público afastou-se um pouco dessas causas. A partir de 1988 passa a ter a função da Defesa dos Direitos Coletivos, elaborada pelas Leis.
  • Segundo ele, o MP tem a função de combate às violências, mas sobretudo estar atento à efetividade da defesa de direitos de quem sofre falta de efetividade, por exemplo: direitos básicos.
  • É preciso a implantação de uma Democracia participativa. O MP é uma instituição que tem esse papel, prioritariamente provocador. É um agente importante nesta engrenagem. Na mediação do poder público com a sociedade.

Quebradeira de Coco

  • "A situação das quebradeiras de coco, pescadores, quilombolas no estado do Maranhão é desesperadora. E acredito que o representante do MP e autoridades deveriam estar ouvindo os relatos, pois a nossa situação é de muito sofrimento".
  • Foi cobrada a presença do MP nos territórios que estão em conflito. Pois tem muitos ameaçados que estão fora dos seus territórios para garantir sua vida.
  • As comunidades estão à deriva, é casa queimada, roça queimada, gente assassinada e não há um retorno do Ministério Público.
  • Estão cansados de discursos do MP, querem ação. Não se pode esperar, os direitos estão garantidos desde 1988 na Constituição Federal.
  • As quebradeiras de coco vivem em estado de perigo, pois para colher o coco babaçu têm que passar por baixo de cercas elétricas. As palmeiras são derrubadas, elas denunciam e não obtém resposta.
  • Que o MP e o Governo de estado veja a situação das quebradeiras de coco, pois são gente. Quilombolas são gente, indígenas são gente, pesacadores são gente. E precisam de respeito e resposta.

Coordenadora da mesa

  • "Foi realizado uma grande esforço para convidar todos os órgãos públicos para participar da audiência, e vamos cobrar a participação. Precisamos de uma representação do MP para a escuta. Convocamos que o procurador acione algum membro do MP para estar aqui, já que ele não ficará na audiência".

Representante população LGBTQIA+

  • O Brasil é o país que mais mata a população LGBTQIA+ no mundo, mesmo com todos os instrumentos legais e equipamentos, com a criminalização da homofobia e transfobia, o Brasil é um país que ainda ataca, que viola e que mata e agride LGBTQIA+. Que nega atendimento a essa população.
  • Se perguntar ao estado do Maranhão, se tem relatórios anuais sobre a violação de direitos desta população, não tem. Quem faz o mapeamento é a Sociedade Civil.
  • Esperam que o estado tome as providencias pela garantia de direitos desta população. A parte dos movimentos é feita, falta o estado cumprir o seu papel.
  • É preciso que o estado olhe para os municípios e se comprometa com a agenda de proteção e garantia de direitos desta população. Pois não há política e nem investimento para cuidar da população LGBTQIA+.
  • Mulheres transexuais foram brutalmente espancadas e assinadas em diversos municípios do Maranhão. Eles (movimentos) fazem a auto proteção, porque o estado não faz.
  • Enquanto não houver proteção para esta população, não há democracia. Esta audiência é importante porque ela retrata a situação de todas as populações do estado. E que o estado é o maior violador de direitos. Enquanto houver racismo e LGBTfobia não há democracia.

Representante Indígena

  • Começou denunciando a ausência e desrespeito do estado no não comparecimento à audiência.
  • É um descaso com todo sofrimento e conflitos que os povos indígenas estão passando, um descaso com os povos a ausência do estado.
  • Os territórios estão sendo invadidos, os parentes estão sendo assassinados todo dia, os empresários acabando com a cabeceira dos rios, a soja dentro da divisa dos territórios indígenas, os rios sendo envenenados, e quando chega ao MP para relatar à autoridades, ele não vem!
  • O território indigena tem sido invadido pelo agro, por caçadores e quando reclamam, os indígenas são perseguidos e ameaçados e mortos.
  • Muitos estão correndo risco de vida, por participar da audiência para denunciar, então o descaso das autoridades é inadimissivel. Participaram de uma audiência pública no município de Imperatriz e após a audiência aconteceram mais assassinatos nos territórios.

Militante movimento de mulheres

  • A maioria das mulheres vítimas de violência são mulheres pretas e pardas e nos últimos 11 anos, atendemos uma única mulher indígena. Há uma deficiência no atendimento de mulheres pelo estado.E é preciso agir. No caso os ativistas de direitos através de uma articulação, a própria Lei Maria da Penha tenta garantir os direitos das mulheres, mas o machismo e o patriarcado ainda deixa as mulheres em uma situação de vulnerabilidade.
  • Em 2023 já teve 32 feminicídios no Maranhão. O Movimento já atendeu mais de 700 mulheres vítimas de violência. O Governo que saiu plantou uma raiz do ódio. Tudo que foi plantado ali foi um caos total, estamos na luta para refazer numa perspectiva melhor do que estávamos antes.
  • Os maiores índices de violência foram registrados no governo Bolsonaro. E estão na resistência pelas mudanças. Precisam estar unidos nesta luta.
  • A sociedade num pode se dividir, isso enfraquece a luta, é preciso se unir. E se auto-proteger e exigir do estado uma melhor.

Mesa 02: Órgãos Públicos de Justiça e Governo: Panorama acerca dos Conflitos e possíveis encaminhamentos

Foram Convidados para a mesa representantes das seguintes instituições: Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública da União, Tribunal de Justiça, Organização dos Advogados do Brasil — OAB, Secretária de Igualdade Racial, Secretária de Direitos Humanos, Secretária de Segurança Pública, Secretaria de Meio Ambiente.

As Instituições não compareceram à audiência pública

O descaso do poder público maranhense foi sentido pela ausência de representação dos órgãos públicos convidados e confirmados, que não compareceram para realizar a escuta das denúncias trazidas pelos cidadãos maranhenses, que deveriam ter suas demandas ouvidas e encaminhadas por estas autoridades. A ausência revela o descaso que há por parte dos órgãos de estado às demandas dos quilombolas, indígenas, povos de terreiro, pequenos agricultores, população LGBTQIA+, entre outros.

Secretária Adjunta de Direitos Humanos do estado do Maranhão. Foto: Tarsilo Santana/CESE

A Secretária adjunta da pasta de Direitos Humanos do estado do Maranhão chegou após a finalização da primeira mesa e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço decidiu cancelar a mesa e concedeu alguns minutos para que ela falasse, após as falas e denúncias na “fila do povo”. A CESE entendeu que não havia o que ser dito, já que e ela não havia estado presente na escuta da primeira mesa.

Descaso das autoridades

Muitos participantes da primeira mesa relataram o descaso das autoridades públicas maranhenses por suas causas. Não basta abrir o espaço do MPMA para a realização da audiência, era preciso estar aberto para ouvir, fazer uma escuta sensível com cada um dos casos que foram relatados por cidadãos maranhenses, que deveriam ter suas demandas e suas lutas respeitadas pelo estado.

Relatório da audiência pública

Monica Alckmin, representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos e da Articulação para o Monitoramento de Direitos Humanos, seria a coordenadora da segunda mesa — que não aconteceu, e ela fez uma fala importante. Por conta dos movimentos que a missioneira integra, ela participa do Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente — o Conanda e o Conselho de Participação Social ligado à presidência da República.

Monica Alckimin, do MNDH e Articulação para o Monitoramento de DH. Foto: Tarsilo Santana/CESE

“O objetivo da segunda mesa era ouvir e debater como essa audiência irá se desdobrar nestes espaços. Não apenas nos espaços nacionais, como também nos internacionais, onde a Articulação de Monitoramento atua. Mas antes disso, gostaria de explicar, que a audiência pública é um instrumento constitucional da democracia brasileira que tem uma estrutura fundamental. A audiência pública é uma estratégia, junto com outras estratégias da participação social, popular, que vem da democracia participativa".

E continuou: "Uma audiência pública ela tem necessariamente dois momentos: o momento de escuta, que é o momento que você vai escutar a realidade e que foi muito bem feita aqui nesta primeira mesa; e o segundo momento que é normalmente com os representantes de estado que após esta escuta, vão pegar esses elementos e transformá-los em possíveis propostas, em análises, em discussão de políticas públicas, de legislação, em normativas.

Hoje, o que aconteceu foi que nós tivemos de forma excelente este primeiro momento, o momento da escuta. E teremos a continuação deste momento na fila do povo. Mas este segundo momento, que se faz presencialmente, que é o momento dos desdobramentos desta escuta, terá que ser feito via documentos. Não deixará de ser feito. Será feito um relatório desta audiência pública, este relatório é um documento oficial e será encaminhado não apenas aos órgãos que não estão presentes.

Essa audiência pública será um documento que incluirá tudo, inclusive as ausências. Porque o que está relatado aqui é o estado do Maranhão. Não foram movimentos oficiais, foi o esatdo do Maranhão que foi relatado aqui e é preciso que os gestores, sejam eles no executivo ou no legislativo ou judiciário, conheçam o estado do Maranhão e para quem eles trabalham. Não precisamos agradecer pelo espaço aberto, este é um espaço nosso. Este é um espaço do povo — é um Ministério Público e estar aqui é um direito nosso, é um direito nosso falar e um direito nosso encaminhar este relatório da audiência para os órgãos do Maranhão, para os orgãos nacionais e internacionais", concluiu Mônica.

Fila do Povo

Antes de iniciar a fila do povo, um espaço para que qualquer pessoa presente pudesse se inscrever e fazer a sua fala de três minutos, Bianca Daébs — Assessora da CESE explica que este espaço é importante para que todos e todas tenham direito à fala e expor suas demandas.

Mais de 40 pessoas puderam participar e trazer suas denúncias que também foram relatadas e estarão presentes no documento oficial da audiência.

Bianca Daébs — Assessora da CESE abre espaço para a "filado povo". Foto: Tarsilo Santana/CESE

A Audiência Pública também foi destaque na imprensa local:

Reportagem sobre a audiência foi exibida nas duas edições do Balanço Geral, da TV Record Maranhão no dia 05 de setembro. Acompanhe:

O Ministério Público do Maranhão também fez publicação sobre a audiência:

CESE

Fundada há 50 anos, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço atua na promoção, defesa e garantia de direitos em todo o país. É uma organização ecumênica composta por seis igrejas cristãs, fundada em 1973 para ser uma expressão do compromisso ecumênico em defesa dos direitos humanos.

Por Kátia Visentainer

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Há 50 anos, a CESE atua na promoção, defesa e garantia de direitos no Brasil.