Quase meia-noite.

Clara Dantas
2 min readAug 25, 2020

Enquanto lhe vejo subir a rua em direção à casa de seus pais, saltitando de um jeito que só você poderia fazer, sinto-me em paz.

Olho pra trás uma última vez e sigo meu caminho. Os passos tão fluidos e involuntários quanto o bater de asas de um pássaro.

Percorro o trajeto meio que meditando. Observo as casas e imagino as pessoas ali dentro.

Numa delas, pela janela, percebo o brilho da TV. Em outra, o ressonar de uma oração pelo rádio. Em mais outra, uma conversa entre amantes, cheia de promessas silenciosas.

Minha sombra segue os passos, firmes e calmos. Estou do lado de fora, mas me sinto acolhida.

Mesmo sendo apenas uma mulher, sozinha e vulnerável, estou na rua escura, em horário inconveniente. Logo, sou temida por aqueles que não me conhecem — tendo em vista que nenhuma presa se colocaria em perigo assim.

Essa sensação, por mais controversa que seja, me conforta. Como um predador que está caçando em segredo, sabendo da própria vantagem. Um instinto tão natural que é impossível descrever com exatidão ou racionalidade.

Distraída, penso que você já deve estar em segurança. Em sua cama e, com um pouco de sorte, pensando em mim. Estou perto, amor. Meu torpor está no fim.

Dobro a esquina, pego a chave e abro o portão, resignada pela chegada tranquila.

De volta à realidade.

Escrito em 08/08/2020.

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