Um ciclo sem fim?

Reflexões sobre um dos maiores clássicos da Disney e suas infinitas continuações.

6 min readMar 7, 2018

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Sempre que me perguntam “Qual seu filme favorito?”, automaticamente penso em O Rei Leão, de 1994. Alguns torcem o nariz, por se tratar de uma animação direcionada para crianças. Outros, mais saudosos, compreendem minha afeição e fazem comentários carregados de nostalgia.

Hoje, aos 22 anos, consigo enumerar os motivos pelos quais o meu “eu criança” se encantou tanto com essa obra:

  • O fato de todos os personagens serem animais, o que me permitia brincar com meus leões de plástico, reproduzindo as cenas enquanto as assistia;
  • As músicas, tão icônicas que ainda sei de cor as letras de todas: Ciclo Sem Fim, O Que Eu Quero Mais É Ser Rei, Se Preparem, Hakuna Matata e a romântica Nesta Noite O Amor Chegou;
  • A estética do desenho, que me instigava a tentar imitar o traço no papel (até porque, cá entre nós, Simba adulto, no primeiro filme, é lindo).

Entretanto, apesar de reconhecer o valor que O Rei Leão tem para mim, enxergo algumas fissuras em sua narrativa. Vamos refletir a respeito?

Mufasa e Scar

Sem dúvidas, a trágica morte de Mufasa é uma cena que fez com que crianças do mundo inteiro chorassem. Eu fui uma delas. Ver o pequeno Simba, com os olhos cheios d’água, chamando pelo pai e deitando ao lado do corpo sem vida, é de partir o coração.

Por isso, durante minha infância, nutri um ódio imenso por Scar. Afinal, nada justifica que alguém planeje um golpe contra o irmão e o sobrinho, a fim de assumir o trono, certo?

“Vida longa ao rei.”

Certo, nada justifica… Mas há uma explicação para o comportamento maligno de Scar. Em primeiro lugar, seu nome real é Taka — segundo o que um livro oficial da Disney chamado A Tale Of Two Brothers conta. Desde pequeno, ele teve que lidar com o favoritismo do pai, Ahadi, em relação ao seu irmão Mufasa, que sempre foi visto como um exemplo de força e virilidade.

“Em matéria de cérebro, eu tenho a herança dos leões. Mas em matéria de força bruta, eu receio não ser um bom representante da espécie.”

(Scar)

Dessa forma, Taka cresceu sendo o príncipe rejeitado, que não foi escolhido pelo rei como sucessor do trono, e assumiu o nome Scar, em referência à cicatriz em seu olho.

*Para mais informações, recomendo que você assista este vídeo aqui*

No fim das contas, Mufasa não era um rei tão justo assim. Ele simplesmente excluía as hienas das Terras do Reino e usava a falácia do “ciclo da vida” para defender sua posição no topo da cadeia alimentar. O típico macho alfa, cheio de privilégios.

*Leia este texto e talvez sua visão a respeito do personagem mude drasticamente*

O Reino de Simba (1998)

Se formos parar pra pensar, até parece que O Rei Leão 2 — O Reino de Simba surgiu para quebrar certas impressões polêmicas deixadas pelo filme anterior. Quase um pedido de desculpas por parte da Disney.

“A história só mostra filhotes machos como herdeiros do trono, onde está a representatividade feminina?”
De repente, somos apresentados a Kiara, filha de Simba e Nala e futura rainha.

“Scar é o macho desviante! Mesmo depois de se tornar rei, ele não teve filhotes.”
Então Zira aparece como uma ex-companheira de Scar, juntamente com Nuka, Vitani e Kovu. Fica claro que Kovu não é filho de Scar, mas nada é explicado a respeito de seus irmãos mais velhos.

“Por que apenas Scar, o vilão da história, tem pelos e juba mais escuros?”
Logo é inserido um “catálogo mais diversificado” de leões e leoas na história, com pelos das mais variadas tonalidades.

“As hienas são caricaturas racistas.”
Nesse caso, a Disney optou por removê-las da história, tanto que o conflito mostrado ocorre apenas entre leões (os que vivem nas Terras do Reino contra os que foram exilados).

Sabemos também que Simba e Nala tiveram um filho chamado Kopa, que é aquele que aparece ao final de O Rei Leão. Ele chegou a ser introduzido no universo Disney (também em A Tale of Two Brothers) como o “príncipe da Pedra do Reino”.

De fato, se compararmos as cenas do fim do primeiro filme com as do início de sua sequência, percebemos diferenças. Além de os filhotes não serem os mesmos, Simba e Nala parecem mais maduros.

O Rei Leão (1994) — O Rei Leão 2 (1998)

Diante de seu sumiço inexplicável nas narrativas posteriores ao clássico, muitos fãs teorizam que Kopa teria sido atacado por Zira — alguns acreditam que ele morreu; outros acham que ele fugiu (assim como Simba) e aguardam pelo seu retorno. Bem, na minha opinião, o personagem foi descartado por fins comerciais, para que, ao trazer uma leoa como protagonista, o público feminino fosse ampliado.

Hakuna Matata (2004)

Apesar de pouco comentado pelos fãs, tenho um carinho especial pelo terceiro filme — que, basicamente, mostra a história do clássico sob a perspectiva de Timão e Pumba: os conflitos com a família, a forma como os dois amigos se conheceram e os desafios que encontraram ao cuidar do pequeno Simba. É uma sequência cômica e leve, que não interfere no desenrolar da trama.

A Guarda do Leão (2015)

Confesso ter me decepcionado ao ver a série animada, cujo protagonista é Kion, filho caçula de Simba e Nala. Eu esperava assistir um desenho que se passasse após os eventos de O Rei Leão 2, com Kiara se preparando para assumir o trono de seu pai. Ao contrário disso, me vi diante de uma “meia-sequência” de O Rei Leão, onde os filhos de Simba ainda não passam de filhotes.

  • Por que Kion não aparece em O Rei Leão 2?
  • Onde está Kopa?
  • Impressão minha ou mudaram a cor do pelo de Kiara?
Um Simba — que mais parece uma réplica disforme da versão original — orienta Kion sobre as responsabilidades de ser o líder da Guarda do Leão (organização nunca antes mencionada nos filmes).

Reconheço que o enredo não é de todo ruim. Aos poucos, personagens dos filmes (Zira, Kovu, Nuka, Vitani e até mesmo Scar) também são inseridos no roteiro — algo que eu sinceramente espero que não ocasione mais erros de continuidade.

Outra coisa interessante é ver o desenho explorando os conflitos internos de Kion, que teme a todo custo alguma semelhança com seu falecido tio-avô.

O Rei Leão (2019)

(Imagem não oficial)

Como se já não fosse o bastante, a Disney anunciou o lançamento (até então previsto para julho de 2019) de um remake de O Rei Leão, dessa vez todo feito em CGI. Aparentemente, a trama será a mesma do original, mas nada impede que alguns detalhes sejam mais explorados nessa nova versão.

Como a própria música diz, é um ciclo sem fim.

Conclusão

Não é exagero dizer que O Rei Leão é um dos melhores filmes da Disney. Essa afirmação é tão verdadeira que a própria companhia continua a elaborar produtos — filmes, séries de desenho animado, livros, jogos, brinquedos, isso sem falar no renomado musical da Broadway — , mesmo que o original tenha sido lançado há décadas.

Por mais que eu tenha notado as descontinuidades aqui mencionadas, claramente influenciadas pelo desejo de vender mais com a mesma história, nada é capaz de apagar a importância que esse filme tem para mim. Acredito que cabe a nós, fãs, a responsabilidade de apontar tais falhas, estimulando, assim, o senso crítico das futuras gerações.

Gostou do texto? Leia também:

  1. O Rei Leão e o Patriarcado
  2. Análise Sociológica do Rei Leão
  3. Crítica: “O Rei Leão”

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