Entrevista com Eliana Alves Cruz

Carolina Freitas da Cunha
14 min readMay 5, 2020

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Transcrição da entrevista do Bondelê #43 (07 de dezembro de 2018)

Eliana Alves Cruz nos recebeu em sua casa no Rio de Janeiro, um dia antes do segundo turno das eleições de 2018.

ALVES CRUZ, Eliana. O crime do cais do Valongo.
Entrevistadora:
Mariana Mendes (do Bondelê, canal no YouTube que entrevista exclusivamente escritoras brasileiras contemporâneas)
Entrevistada: Eliana Alves Cruz
Contexto: Após revisitar a saga de sua família em Água de barrela (reed. Malê, 2018), a jornalista e escritora Eliana Alves Cruz (Rio de Janeiro, 1966) escreveu um segundo romance histórico, O crime do cais do Valongo (Malê, 2018). Na reconstituição do Rio de Janeiro do começo do século 19, a autora faz um retrato dos muitos povos que constituíram o maior contigente de escravizados a aportar no continente americano. “Acho que todo mundo que escreve sobre essa história negra busca devolver a dignidade.” Confira a entrevista!
Data: Outubro, 2018
Link da entrevista no Canal Bondelê: https://youtu.be/AvHSBWglH98

Mariana Mendes
Olá, espectador e espectadora do Bondelê! Apresento a você hoje O crime do cais do Valongo, da Eliana Alves Cruz, publicado pela editora Malê, em 2018. Para quem não conhece, a editora Malê é uma editora carioca que se dedica a publicar escritores afrodescendentes, afro-brasileiros, escritores da diáspora. A Malê tem um trabalho muito importante, inclusive, de agenciamento desses escritores. Vale a pena conhecer o site, o catálogo e esses livros. O crime do cais do Valongo é um livro muito envolvente, porque parte de uma narrativa policial que se passa no Rio de Janeiro marcado pela escravidão, o Rio de Janeiro de Don João VI. Um comerciante próspero é encontrado morto nessa região específica, que é a região do Valongo, e a partir desse assassinato, isso é logo no início do livro, dois narradores, duas vozes, a voz de um mestiço livreiro — que é um personagem muito interessante, diz a Eliana que nas pesquisas que ela fez, esse personagem é baseado numa figura real -, e também uma outra voz, da Moana, que é uma moçambicana escravizada. Então, essas duas vozes vão contando a história e vão deixando as pistas para que o eleitor vá, aos poucos, acompanhando esse suspense e mistério em torno desse assassinato. Essa trama toda já é, por si só, muito envolvente, e a Eliana também parte de artigos de jornais, ela tem uma um trabalho de pesquisa histórica muito interessante, então ela resgata artigos de jornais para compor essa cidade muito marcada por essa violência da escravidão. E eu fico me perguntando o quanto nós não nos familiarizamos com essas histórias, quando não deveria ser. É uma história que que está no nosso DNA, como a própria Eliana nos conta na entrevista. Então, fique agora com a entrevista da Eliana Alvez Cruz.

Eliana Alves Cruz (Rio de Janeiro, 1966) é jornalista e escritora. É formada em comunicação social pela Faculdade da Cidade e tem pós-graduação pela Universidade Candido Mendes.

Eliana Alves Cruz
Eu formei em jornalismo e fui trabalhar com esporte. Fui anos e anos chefe de imprensa da Confederação de Natação, esporte aquático. Aí cobri muito evento esportivo, Olímpiada. Mas uma coisa esse trabalho me deu, que foi uma andança pelo mundo. Eu conheço muitos países, acho que já dei a volta ao planeta algumas vezes. E esse contato com a diversidade humana foi absolutamente crucial para que a escritora saísse das profundezas, viesse à tona. Eu acho que eu sempre fui escritora. Encontrei uma vez aí, nessa mudança de casa que eu fiz, um diário — 11 anos, aquele garrancho. E aí falei: “gente, olha aqui, como eu já escrevia!”. E, um dia — eu trabalhava muito, viajava alucinadamente e tal, e eu passei muito tempo sem férias -, um dia tirei umas férias, e falei: “acho que agora vou começar isso, né? Vou tentar. O máximo que pode acontecer, é não acontecer nada”.

Estreou na literatura com o romance histórico Agua de barrela (reed. Malê, 2018), vencedor da primeira edição do Prêmio Oliveira Silveira, oferecido pela Fundação Palmares, em 2015.

Eliana Alves Cruz
Mas eu sentia que passou a ser uma necessidade, uma forma de dar vazão a muita coisa que estava represada, uma forma de minorar o sentimento de impotência que a gente tem com relação a muita coisa, né? Porque a gente tem esse sentimento de que, meu deus, eu não consigo agir para mudar essa realidade de alguma forma. E a literatura me deu essa possibilidade. Muita gente que leu Água de Barrela, eu tenho relatos muito bacanas, muito incríveis, de muita gente que, pela primeira vez, se interessou em resgatar o seu passado a sério. Porque isso passa na cabeça de todo mundo, mas ninguém se move para fazer e muitas pessoas se moveram para buscar o seu passado, encontraram coisas maravilhosas, reencontraram parentes. Então isso não tem preço. Isso é muito bacana e é muito necessário. Se a gente tivesse um pouco mais de consciência… Quando se fala assim: “consciência negra”, eu acho que é disso que se fala: a consciência de onde você veio, em que momento você está e para onde você quer ir. A consciência de que a gente precisa mudar o eixo do nosso pensamento que é todo eurocentrado. A Europa é maravilhosa, Europa tem lá suas coisas incríveis, mas acontece que a África é o berço do mundo. São 54 países que a gente tem no nosso DNA e que a gente não sabe absolutamente nada sobre eles. A gente que falo é a sociedade brasileira, como um todo. E aí trazer esse conteúdo para a literatura me estimulou muito, me acendeu uma…. [estalo de dedos] Quem é que está fazendo isso hoje? Muito pouca gente, no Brasil, e eu achei que podia contribuir. Eu me senti convocada, como diz a amada Conceição, né?, que a literatura tem esse poder de convocação. Eu me senti convocada.

O romance histórico Água de barrela conta a saga da família da autora desde sua origem, na África, até as relações constituídas no Brasil do século XX.

Eliana Alves Cruz
Uma das coisas mais cruéis que aconteceu, para nós, foi o apagamento da nossa história pessoal. A gente não sabe, muita gente não vai até o avô. E eu dei a sorte — não sei, né? -, de conviver com todos os meus avós, com a minha bisavó, e eu sempre tinha muita curiosidade de saber mais sobre nós, saber e ir mais fundo nas nossas origens. Eu perguntei muito para eles, quando eram vivos. Algumas coisas me disseram, outras não.

Mariana Mendes
Desde criança você tinha essa curiosidade?

Eliana Alves Cruz
Desde criança, sempre tive essa curiosidade, sempre, sempre quis saber. E aí eu tenho uma tia-avó, que é portadora de esquizofrenia, e ela é assim: ela tem uma memória preservada que é um negócio absurdo, ela lembra detalhes de cenas, de ambientes, de lugares, de pessoas, nomes. Ela lembra. No início, eu fui muito tímida e aí não deu certo, conversar como você agora está me entrevistando, não deu certo. Então qual foi a chave para eu virar esse jogo? Eu meio que me inseri no universo dela, como se eu estivesse lá em 1930, quando ela era criança, e aí pronto: o mundo se abriu. Ela começou a conversar comigo: “você conhece fulano? Você conhece ciclano? Esse lugar, assim, aconteceu isso, isso, isso”. E a gente começou a conversar, ela me trouxe um mundo de coisas, e eu precisava separar dali o que era realmente memória e o que era a criação dela. Então eu fui buscar na academia, com profissionais, com pesquisadores, um pouco mais sobre a região, porque elas são do recôncavo baiano. Depois de procurar um pouco mais sobre a região, um dos professores, o professor Walter Fraga Filho, ele me falou assim: “porque você está duvidando dela? Acredita, ela lembra. Esse lugar existe, essas pessoas existiram”, e tal. Ele me deu todas as luzes e aí ele me falou uma coisa que eu guardo até hoje, ele disse para mim assim: “olha, escrever esse livro, não é uma questão de opção para você, é uma obrigação. A gente não tem essa memória, o Brasil não tem essa memória, muitos dos nossos problemas advêm daí, porque as pessoas não sabem que elas são, na verdade, elas não sabem de onde elas vieram, e trazer essa história vai ser muito importante, não só pra você, como para toda a sociedade brasileira, todas as pessoas que tiveram esse apagamento tão cruel da história”. Demorei cinco anos para escrever, porque também precisava trabalhar. E essa pesquisa é difícil, não sou acadêmica, então eu não tinha um método. Na metade da feitura do livro, eu já meio que encontrei uma forma minha de pesquisar isso e…

Mariana Mendes
E isso você fez sem oficina de literatura, sem….

Eliana Alves Cruz
Sem nada, na cara e na coragem! Sentei lá, não tinha tempo, não tinha dinheiro para fazer oficina, não tinha, enfim. Sentei e fiz. Já tive para desistir várias vezes, porque eu ficava pensando no depois, naquela ansiedade: tá, eu vou escrever isto, mas e aí? Primeiro, isso tem qualidade? Não tem? Quem é que vai querer publicar isso? Quem é que vai querer saber dessa história? Quem é que vai? É tão difícil, porque as notícias que a gente tem do mercado editorial é sempre: o brasileiro não lê, o Brasil não sei o quê, o mercado editorial é fechado. São todas essas crenças limitantes que também afastam, nem é só a questão do racismo institucional que te coloca fora do processo. O próprio acesso à literatura da população, de uma forma geral, já te desestimula. Eu já não me vejo nesse mercado, o conteúdo de livros que eu li a vida inteira, nunca me vi ali, não vejo autor negro, e ainda vou para um mercado que as pessoas não leem, que é difícil, que acessar uma editora é muito difícil. Como é que vai ser? E aí eu acho que aconteceu uma coisa, que eu acho que é muito importante para o Brasil, que é o seguinte: eu, Eliana, a escritora, sou fruto de uma política pública. De uma política pública cultural. A partir do momento em que a Fundação Cultural Palmares e o Ministério da Cultura abriram aquele edital buscando romances afro-centrados, com a temática afro-brasileira, eles disseram assim: “ei, vem aqui, escreve sua história!”. E, não fosse esse concurso, talvez hoje eu não fosse escritora, porque, realmente é muito difícil, né? Eu cheguei a mandar alguns originais para algumas editoras e as pessoas nem te leem, né? Não leem nem o seu e-mail, quanto mais o seu conteúdo! E aí, empolgadíssima com o sucesso literário, eu então resolvi escrever outras coisas, tirar umas poesias da gaveta, escrevi uns contos. Entrei nos Cadernos Negros, que foi onde começou a Conceição, pela primeira vez, publicou. Eu acho que esse movimento é muito maravilhoso, este ano vai para o 41º Cadernos Negros.

Mariana Mendes
Você publicou em 2?

Eliana Alves Cruz
Eu publiquei no 39, que foi poesia, e no 40, contos. Este ano é poesia de novo, não vou participar esse ano, talvez volte no ano que vem. E ali achei minha turma, achei minha patota, sabe? Um pessoal muito bacana, muito criativo, muito cheio de talento, e essa publicação, tão resistente, por 40 anos. Que publicação, que antologia brasileira tem 40 anos? Então isso é sinal de que a gente tem um poder de resistência muito grande, que foi o que nos manteve vivos, até hoje, apesar dos quase 400 anos de escravidão.

O crime do cais do Valongo

Eliana Alves Cruz
No trabalho com o esporte, eu fiquei acompanhando todo aquele movimento de obras de remodelação por conta da Olimpíada, e tal, e teve lá, aconteceram as obras do Porto Maravilha, a região portuária do Rio. E acompanhando, eu vi quando surgiu, no meio dessas obras, o cais do Valongo. O Valongo era uma região para onde foi transportado todo o mercado negreiro no Rio de Janeiro. É um sítio arqueológico. Qual era o ciclo: os escravizados chegavam, quem estava muito mal ia para os lazaretos, para tentar, minimamente, ficar em condições para a venda; quem ia para a venda, ia para armazéns que, segundo relatos, comportavam 300, 400 pessoas; e quem morria ia para o Cemitério dos Pretos Novos, que é um pouco mais antigo esse achado, foi dos anos 90. Em 96, a Mercedes, dona de uma casa ali naquela região, fez uma obra no banheiro e achou ossadas. Chamou a polícia, a polícia viu que aquelas ossadas eram muito antigas, chamou o departamento de arqueologia. Os arqueólogos, então, localizaram o Cemitério de Pretos Novos, que estava ali soterrado há 200 anos. Hoje, se você vai lá, é um Instituto, e tem lá uma torrezinha de vidro onde a gente vê, no fundo, alguns de alguns pedaços disso. Acharam objetos… na verdade, é um grande lixão porque, junto com aqueles corpos, eram jogados o lixo da cidade, foi achado também osso de animal, ou seja, a pessoa comia um frango e jogava lá…

Mariana Mendes
Restos.

Eliana Alves Cruz
Restos, restos. E as pessoas estavam ali como restos. Eu acho que todo mundo que escreve sobre essa a história negra, na verdade, faz um trabalho de devolver dignidade. A gente busca devolver dignidade. Essas pessoas construíram o Brasil. Elas não ajudaram a construir, mas construíram, efetivamente, o Brasil.

Romancistas Negras

Eliana Alves Cruz
Fez contato comigo uma pesquisadora, uma vez, eu acho que é doutorado que ela estava fazendo, mas era alguma coisa de literatura negra. Ela falou assim: “ah, você tem noção de quantas romancistas negras já publicaram no Brasil?” Eu falei “ah, muito poucas né, mas assim, não tenho um número na cabeça”. Ela: “não enche duas mãos e meia. Não chega a 15 pessoas. Dá por volta de umas 10”. Em 518 anos de história de um país você não ter 15 escritoras mulheres negras que publicaram um romance, isso é uma total ausência! Se caísse, sei lá, um meteoro aqui e as gerações futuras fossem olhar nossa sociedade apenas pelo que está escrito nos livros — vamos imaginar que acabou internet, acabou tudo — é a Suécia! Sim, é a Suécia! Porque, assim, tem até o estudo da professora Regina Dalcastagne: 70% dos autores são brancos, sudestinos, universitários e os personagens vão seguindo por essa linha. Então é a Suécia! Como é que um país diverso como Brasil abre mão da sua riqueza dentro da palavra escrita, dentro da literatura? Por isso aí o poder de convocação, quem estiver assistindo está convocado, sinta-se convocado a escrever. Eu acho que todo mundo pode, todo mundo deve, todo mundo que quer, né? E que se sente atraído por isso deveria, ao menos tentar, sair da inércia, escrever porque a gente precisa demais, demais.

Projetos

Eliana Alves Cruz
Deve sair um infantil, acho que até o início do ano que vem. Estou, basicamente, pensando em dois livros: um é uma sequência, mais ou menos, do Água de Barrela, que é uma história também sensacional, queria falar sobre esse início do século XX, sobre essa passagem para o trabalho assalariado, da população negra. Também por um personagem que é meu, que aparece no Água de Barrela, que é o Matheus Cruz, que era meu bisavô, e ele era um mecânico. Quando ele morreu, saíram duas matérias no jornal A tarde, ele é considerado o decano dos mecânicos da Bahia. Ele foi estudar na Inglaterra, ele foi. Tem um livro do Manuel Quirino, o abolicionista. Manuel Quirino tem uma minibiografia dele, que Manuel Quirino reuniu no livro dele todos os profissionais que achavam que eram de excelência, e que eram negros. Então está ele lá. Então é um personagem histórico muito bacana, com uma história, também, que desmistifica várias coisas sobre a população negra, né? Sobre a falta de especialização, sobre a falta de conhecimento. Mas é uma empreitada, né?

Mariana Mendes
Mas parece que você lida super bem! Você é muito pesquisadora, e está indo para uma coisa de romance histórico, meio policialesco.

Eliana Alves Cruz
Eu tenho vontade de escrever outras coisas. Eu pensei em fazer um livro de crônicas, porque eu também tenho uma história muito sui generis, que é assim: eu nasci em Realengo, meus avós e tal, minha mãe, em Realengo. E depois fomos morar em Madureira. Aí meu pai passou em concurso, a gente melhorou de vida e veio para um bairro mais classe média, que é a Tijuca. Essa transição… a Chimamanda sempre fala que se descobriu negra quando saiu da Nigéria e foi para os Estados Unidos. Eu me descobri negra quando eu saí de Madureira e fui para a Tijuca. Porque eu vi que ali era uma questão, a cor da pele. Então eu tenho uma vontade de escrever algumas crônicas sobre algumas coisas dessa passagem e da convivência com essa classe média branca, e esse espaço de solidão que a gente vive. Porque se fala muito de solidão da mulher negra e tal, mas é uma solidão muito além… falam muito para falar da questão afetiva, dos companheiros e dos casamentos, mas é para muito além disso. É uma solidão institucional, porque quando você ascende, intelectualmente ou financeiramente, vai para o espaço onde só tem você, mais um aqui, outro ali. É uma solidão lato sensu, né? E eu queria fazer umas crônicas sobre a minha experiência com isso, com essa questão da classe média negra.

Mariana Mendes
Então ideia para um novo livro não falta!

Eliana Alves Cruz
O que falta é tempo!

Mãe

Eliana Alves Cruz
Ela morreu aos 46 anos, de infarto fulminante, na minha frente. Acho que a minha mãe teve acesso a muitas coisas, ela era professora, mas ela vivia esses massacres todos, sabe? Esses massacres subjetivos que a gente vive, pela solidão de estar numa classe média em que a gente não está. Essa solidão eterna. Então ela se viu nesse lugar e ela não aguentou, não suportou. Eu tenho isso nítido hoje. Na verdade, ela foi engolindo angústias, engolindo angústias, e aquilo, uma hora, foi demais para ela. E aí a literatura é bacana, porque a gente bota essas angústias para fora, às vezes de uma forma absolutamente leve. O crime do cais Valongo, embora ele traga temas barra-pesada, tem seus momentos de emoção, mas ele tem humor, acho que tem uma leveza. Tem uma forma de narrar que vai fazendo com que as pessoas transitem nesse universo. É para ela, tudo é para ela. E é para nós, para nós todas, mulheres. A gente, nós brasileiros. Eu falei da questão do feminismo negro e feminismo branco, porque são pautas diferentes, mas isso não significa uma animosidade, isso significa que a gente precisa ter humildade de enxergar o outro, e de ver, reconhecer os nossos próprios privilégios. Têm que enxergar isso e reconhecer isso. E reconhecer não é dizer “ah, legal, existe, bacana”. É se engajar em uma melhoria, em uma luta, enfim, empatia! Ao fim e ao cabo é a famosa empatia! E não deslegitimando os discursos e as narrativas, porque a partir do momento em que você diz assim: “é mimimi”, ou “ah, não é tão assim!”, “ah, não sei!”, você está deslegitimando um sofrimento, deslegitimando a vida de outra pessoa.

Viver sem escrever

Eliana Alves Cruz
Tem aquela coisa: “Ah, não viveria sem isso!”. A gente vive sem tudo! O ser humano é uma barata, a gente se adapta a tudo, a gente se adapta. É lógico que eu viveria. Mas viveria mais triste, sabe? Porque quando a gente tem um talento, acha que desperta para um talento, a gente quer dar vazão a isso. Eu queria viver em um país que valorizasse isso, sabe? Que não perguntasse para um músico assim: “tá, mas você faz o quê para viver?” Né? O artista, tem muito disso, “mas você trabalha em que?” Atores ouvem isso a toda hora: “Mas e aí, o que mais você faz?”

Mariana Mendes
“Tá, mas e pra ganhar dinheiro?”

Eliana Alves Cruz
“E pra ganhar dinheiro?” Eu queria que a gente pudesse viver disso. Esse país seria muito…

Mariana Mendes
Esperança a gente tem, né?

Eliana Alves Cruz
É, a gente tem. Tanto é que estou aqui, com o filho, desempregada, não sei o quê, e eu fiz, escrevi, estou escrevendo! Então a gente vai resistindo, vai fazendo, vai acontecendo. Tenho fé de que no futuro meus filhos viverão em alguma coisa melhor.

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