Mandando a Ciência e Tecnologia para o Espaço

PoliticoBR
4 min readNov 4, 2018

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Sobre a escolha de Marcos Pontes para o Ministério de C&T

Marcelo Lélis/Agência Pará

Um dos quatro nomes confirmados para o ministério do presidente eleito Jair Bolsonaro é o de Marcos Pontes para o Ministério de Ciência e Tecnologia. A primeira semana após a eleição foi marcada por muito diz-que-me-diz no que concerne à montagem do time ministerial do recém-eleito.

A tática de confundir imprensa e oposição, claramente copiada de Donald Trump e que atende pelo pomposo nome de firehosing. O termo em inglês designa as mangueiras de incêndio, pelo grande volume de notícias (e desmentidos), fazendo com que a cobertura do governo — e sua crítica — fiquem impraticáveis. Mas isso é tema para outra coluna.

Muita gente comemorou a escolha de Pontes como um nome “técnico” para a pasta de C&T. Nada contra o currículo de Pontes — uma carreira sem deméritos nas Forças Armadas e um mestrado. No entanto, o astronauta brasileiro não é nem de longe um nome acertado para o cargo e nem seu currículo como astronauta o credenciaria para isso. Toda escolha é sempre política, mesmo quando querem fazer acreditar que seja técnica.

Num desses golpes de publicidade que o Lula sabia fazer tão bem, o governo gastou cerca de US$ 30 milhões de dólares para mandar um brasileiro ao espaço no aniversário de 100 anos do primeiro voo de Santos Dumont. Não havia demanda para a presença de um brasileiro no espaço, nenhum acordo de cooperação ou transferência de tecnologia. Foi apenas carona: Pontes embarcou junto de uma missão que já estava indo ao espaço.

Segundo o governo, ainda assim o negócio valia a pena porque teria dado “visibilidade” ao programa espacial brasileiro. Quatorze anos depois, podemos julgar com isenção: onde está o programa espacial brasileiro e qual foi o benefício dessa enorme “visibilidade”? Um mês após voltar do espaço, Pontes pediu para ser transferido à reserva. Qualquer oportunidade que ele pudesse ter de dividir sua experiência e conhecimento com colegas, bem, foi para o espaço.

Na época isso causou embaraço e consternação para o governo, que tentou disfarçar. Saindo da Aeronáutica, Marcos Pontes virou coach e palestrante motivacional, escrevendo livros de autoajuda, do tipo “Como Transformar seus Sonhos em Realidade”. Nunca trabalhou com nada relacionado à Ciência ou Tecnologia.

Em 2013, Pontes se filiou ao Partido Socialista Brasileiro com o objetivo de se candidatar à Câmara dos Deputados. O objetivo declarado era ganhar visibilidade para descolar um cargo mais alto. Qual cargo ele não sabia bem, mas era claro que podia ser qualquer um. Escreveu um livreto falando de si mesmo em terceira pessoa.

“Com sua grande experiência profissional, ele poderia assumir a presidência da Agência Espacial Brasileira, o Comando da Aeronáutica, o Ministério da Defesa, o Ministério da Ciência e Tecnologia ou o Ministério da Educação”. O fato de ele ter plantado feijão no espaço não o credencia.

Viagens como a de Pontes são comuns em países como EUA e Rússia, a herdeira da tradição espacial da URSS. Christa McAuliffe era uma professora de Ciências Sociais e foi escolhida entre 11 mil concorrentes no programa Professores no Espaço. Ela não sabia nada de Ciências, mas serviu como garota-propaganda do programa espacial dos EUA ao módico custo de US$ 65 milhões em 1984.

Porém, o Brasil não tem o cofre tão abastecido como o Tio Sam e isso inviabiliza propostas do tipo. Um exemplo mais realista e próximo da realidade brasileira talvez seja a Índia — um país imenso, em desenvolvimento e desigual como o Brasil. Os indianos enviaram uma sonda à Marte por incríveis R$ 300 milhões — gastando 1% do montante gasto pelos norte-americanos para realizar a mesma façanha.

Isso foi feito com pouco dinheiro governamental, com farto uso de tecnologia, mão de obra e especialistas formados nas universidades indianas. Para efeito de comparação, o Brasil gastou 30% disso para que Pontes fosse passear no espaço. Uma discussão mais aprofundada sobre a importância de programas espaciais é oferecida pelo Leonardo Rossatto nesse ótimo texto publicado no site Gizmodo.

Sem falar no mal fadado acordo espacial entre Brasil e Ucrânia, celebrado em 2004 e jogado às traças pelo governo Dilma 10 anos depois. Nesse projeto foram consumidos US$ 1 bilhão sem resultado prático — não lançou o foguete proposto pelo projeto. Por mais que Pontes tenha sido astronauta, não tem formação técnica e nem tarimba política para lidar com as agruras de um ministério pouco reconhecido pela sociedade e de orçamento enxuto.

PS — Este é o primeiro texto do PoliticoBR. O intuito é analisar o cenário e as decisões políticas paulistas e brasileiras a partir de 2019.

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Jornalista desde 2001, passou pela Agência USP de Notícias, DCI, MSN, UOL e Yahoo. Já foi correspondente do site Opera Mundi. Mestre em Jornalismo pela USP