O que vêm depois do pós-moderno?

Deguy - not a gringo
9 min readApr 14, 2020

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considerações sobre sinceridade, internet e o Zeitgeist da era digital;

Então, a principio eu tava afim de fazer uma parada por sua própria naturaza meio pós modernosa, colocar uma série de videos e textos que ao longo do tempo eu fui achando e ligando, meio que uma colagem de ideias, mas depois eu saquei que, se eu fosse fazer isso, quem me lê teria que dedicar no mínimo uma meia hora só para ver os vídeos e, se fosse eu lendo, não iria ir ver os vídeos porque eu não sei sobre o que eles tratam. Em vez disso então vou escrever aqui brevemente suas ideias e deixar os links

Dito isto, são vídeos em inglês (o primeiro tem legendas em português, o resto não) e que tratam fundamentalmente da questão pelo ponto de vista de um estadunidense, coisa que eu não queria tentar desviar um pouco, descolonizar o pensamento, mas esse é um tema tão relevante para minha formação e que eu acho tão interessante que não vou deixar de trazê-lo por isso

Eu só gostaria que de vez em quando você pare para pensar o Brasil e nossa realidade nesse contexto — eu estou escrevendo em português por um motivo — mas fica a questão se é que faz sentido pensar pensar nessas questões como parte do nosso contexto ou se são meio alienígenas a ele. Podem comecar por esses vídeos se os títulos interessarem:

Eu em geral não sou tão chegado em Wisecrack mas nesse vídeo eles arrasam

Tá, agora para a ideia (explicando os vídeos)

Eu suponho que que lê sabe o que é pós-modernidade (se você é como o jovem eu de 15 anos, que já ouviu a palavra mas não saberia definir, vai atrás que é divertido). Mas se pá você é um a pessoa que saca um bocado de pós-modernismo, Baudrillard, Deleuze, Jameson, Lyotard e tal. Se esse é o caso, gostaria de esclarecer: não é dessa pós-modernidade que eu estou falando; a definição que eu uso é aquela de boteco, daquele debate safado mas gostoso que a gente tem de vez e quando. Suponho que dê para sacar quando minhas base são vídeos no youtube.

Okay, eu vou traçar então algumas características do pós-modernismo: o fim da certeza, do sentido e dos grandes paradigmas; a relativização do mundo. Se focarmos na mídia, literatura e em geral nos textos que nós consumimos esses fatores em geral se apresentam de uma mesma maneira: A ocorrência de meta-referências e meta-textos, referencias à cultura pop, cinismo, niilismo e ironia. Tudo ok? Todo mundo concorda que essas são partes cotidianas do Zeitgeist Pós-moderno? Beleza. Se quiser exemplos é nos vídeos mesmo.

O rolê então é: esse cinismo e niilismo que aparentemente viraram cool tem efeitos meio que danosos. Quem diria que quebrar todos os grandes paradigmas e estruturas de pensamento sem oferecer nada novo para por no lugar teria consequências serias? Então surge aí uma nova onda (ao menos na arte e cultura) que busca ir além do cinismo, e usar o vazio deixado pela quebra das estruturas para construir um pilar novo para se sustentar, que não seja um dos antigos sistemas (a crença no progresso, em uma divindade moral, essas paradas).

A solução para o que se sustenta nesse local novo, sobre constante ataque dos cínicos, acaba sendo em geral a mesma: uma espécie de sinceridade perante o absurdo sem sentido da vida que admite em si a busca pelo outro e o desejo pela conexão humana, porque o cinismo pós-moderno acabou servindo como uma defesa, uma barreira entre pessoas que têm medo de se mostrarem frágeis.

Sinceridade pós cínica

Além dos exemplo das obras e teoria de David Foster Wallace (e usando os sitcons para exemplificar) e de Bo Burham, eu acho válido explorar mais obras:

Perante a frase “uma espécie de sinceridade perante o absurdo sem sentido da vida que admite em si a busca por conexão humana”, acho que nenhuma série pode vir antes de BoJack Horseman.

A serie se apresenta de uma maneira tão boa que eu acho ridículo. É um show com uma carga sentimental enorme que, ao mesmo tempo, carrega consigo um cinismo sem fim. BoJack para mim também clareia o fato que não basta ser honesto no mundo pós-pós-moderno, é preciso que haja a busca pelo lado humano que nos conecta, e que ela venha exatamente do enfrentamento com o vazio que se sente, vazio que é fonte do cinismo que muitas vezes nos distancia um dos outros.

Só a honestidade e sinceridade não são o bastante para passar o ar e traçar a ligação que se indica aqui; Um labrador, por exemplo, pode estar sendo 100% honesto sobre sua animação com o mundo, e um sitcom como “horsing around” pode ser também ele honesto na forma que busca ser só um programa leve e tranquilo, mas eles estão longe da “pós-sinceridade” sugerida por Wallace, uma vez que ao enfrentar os vazios da pós- modernidade, acabam voltando a uma posição moderna, em vez de superá-la.

Ah, e eu queria perguntar: eu não assisti Rick and Morty, mas a imagem que eu tenho do show é uma de ser uma obra de cinismo puro, desespero cosmico, que, diferente de BoJack, quebra, além dos paradigmas tradicionais da modernidade, a possibilidade de criar um sentido próprio, subjetivo, para a vida; vai além do existencialismo de Sartre e entra num niilismo e pessimismo cósmico. Mas eu não vi a serie, então não poderia ter certeza.

nota: (Talvez o principal motivo de eu não ter visto é a forma como o personagem do Rick foi escrito e que ele é adorado pelos fãs — se a galera adorasse o personagem de BoJack da forma como adoram e idolatram Rick eu ia ficar mal, angustiado. BoJack não é um cara legal. Você não deveria se identificar com ele, e sinto, pelo que vejo dos fãs, que Rick é algo parecido com ele nesse sentido mas que tem um tratamento diferente pelos fãs (não sei se pela equipe que escreve, pode muito bem ser que eles tenham nocão); estou certo em minhas opiniões de quem não viu o show?).

Agora, eu não vou aqui fazer o trabalho de buzzfeed e só escrever o que os vídeos já trazem, só fazendo um resuminho. Se for para escrever que seja algo novo, não? Um comentário meu sobre o assunto.

O ponto que eu acho mais fraco dos vídeos é que eles se focam unicamente na análise de comédias, que, por terem como alguns de seus elementos comuns a ironia, a meta-referência e recentemente às referencias à cultura pop, têm mais facilidade em chegar a esse ponto depois do pós-moderno, mas eu não acho que esse seja um fenômeno exclusivo das comédias. Em especial eu creio que em diversos lugares do youtube podemos achar diversos exemplos diferentes desse mesmo fenômeno.

Eu primeiro me dei conta disso nesse vídeo daqui:

“Being earnest”, Youtube e relações parassociais

para quem não sabe, Vlogbrothers é um canal com dois irmãos que fazem vlogs, foi um dos primeiros canais do youtube a fazer sucesso e é talvez a coisa que mais me moldou enquanto pessoa de todas as coisas que existem (o irmão barbudo é também o cara que escreveu a culpa é das estrelas, se você conhece ele por aí: John Green, e antes mesmo dele publicar seu primeiro livro ele já tinha esse canal). Eu amo eles, de verdade.

Dito isso, vou clarificar: há um momento bem no começo do vídeo em que John fala sobre “being earnest” (que é uma parada bem difícil de traduzir em sua totalidade para mim, earnest, tem algo a ver com sinceridade ou autenticidade, honestidade, franqueza, mas nenhum desses termos captura bem). Eu acompanho vlogbrothers a anos, 7 anos para ser mais preciso, e comecei a pensar se não era por conta de já estar acostumado ao tipo de conteúdo deles que eu fiquei tão fã de Bo Burham (do vídeo lá de cima) quanto sou.

O coisa é que esse momento, essa expressão, me fez entender é que eu sentia esse mesmo tipo de reação que as obras de humor pós-cínico trazem, uma espécie de identificação e afeto pelo outro, e isso é a mensagem e o núcleo dos VlogBrothers. Esse tipo de conexão é algo especial e eu vejo outras pessoas comentando que sentem coisas parecidas com outros canais, como Zefrank, Casey Neistat, Contrapoints e philosophytube.

Enquanto pesquisava sobre o tema, com o texto á quase completo, achei esse vídeo que explica quase que na totalidade o que eu sinto, então vou por ele aqui, mas talvez eu devesse ter feito meu texto todo ao redor dele; Agora á foi, vou só retocar umas coisinhas para encaixar ele

Esses são canais de Vlog, de educação ou de política, muitas vezes os três misturados.

Eu fiquei pensando aqui “essas pessoas são mais honestas, não tão cínicas. Mas se eles são só mais “earnests” isso não necessariamente significa que são pós-sinceras, podem ser só sinceras. Mas não é isso que parecem, não é isso que eu sinto; Eu consigo identificar um sentimento comum entre BoJack, Bo Burham e elas” (e já começo aqui a entrar em especulações sem muita certeza — ou, se quiser, fenomenologia). Foi aí que pensei que talvez o que resolvesse esse dilema fosse a noção de relações parassociais:

A questão principal que se coloca é que a “confiança” estabelecida entre os youtubers e o público é estabelecida com base em uma ficção. As pessoas que postam videos estão sempre postando videos de um personagem, uma versão de si curada, fabricada, melhorada (ou piorada, o que melhor servir a seus propósitos). É possível, que como a base dessa confiança é forjada numa ficção (Ficção: mentira aceita pelas duas partes), venha o sentimento de pós- sinceridade.

Não se está lidando com o biográfico nem como fictício, mas sim algo no meio. Isso é interessante.

Pontuacões flutuantes

Esses são comentários e ideias que eu não soube inserir no texto principal ou achei melhor não inserir, mas ainda acho válido comentar que existem, além de outras referencias divertidas e textos que eu acho que tem algo a ver:

  • o ultimo comentário, sobre ficção e biografia, acho que é algo bem maior, e eu estava pensando em fazer um texto sobre isso também
  • Será que esse sentimento de pós cinismo tem a ver com uma evolução do pós-modernismo ou tem mais a ver com essa mistura de ficção e biografia? ficção e realidade? Essas duas coisas (1)o pós-cinismo e 2) a uncão de ficção e realidade) estão necessariamente conectadas ou são ocasionais, acidentais? (nota: o vídeo sobre nerdwriter toca nesse assunto, mas eu escrevi essas coisas antes de vê-lo e ainda acho que tem espaço para explorar mais a fundo)
  • nota: pós-modernidade e pós-modernismo são coisas diferentes; pós-modernidade tem a ver com a cultura do capitalismo tardio, já o pós-modernismo foi uma escola artística/estética do fim do século XX que tem muito a ver com a pós-modernidade, mas não é parte fundamental dela. Eu digo isso porque nesse texto eu uso os dois como sinônimos, mas eles não são.
  • Esse texto me fez pensar mais nessa relação, e, apesar de eu não acreditar muito na utilidade de usar o conceito de gerações, é possível analisar ele de uma maneira interessante; Eu escrevi um comentário curto nele sobre como conciliar o texto com a descrença em gerações;
  • Já sobre o vídeo acima, eu acho que o ponto (que não é central) interessante a relação de como avanços tecnológicos podem ter sido influentes para a transformação da televisão de uma maneira que os personagem podem se melhorar ou piorar, passam por arcos, mudam, e talvez essa mudança seja uma das coisas que possibilitou essa mudança na televisão; BoJack não seria uma serie citada aqui se o seu personagem principal não passasse pelo arco que passa, tentando se melhorar e mudando como pessoa. Da mesma forma, sabe-se lá quantas series também não são diferentes do que seriam 10 ou 20 anos atrás por conta disso. Seinfeld tinha que ter personagens incorrigíveis, mesmo que quisesse diferente, enquanto the office pode traçar um arco com os seus
  • Eu tenho alguma ideia que vi algum vídeo sobre BoJack nessa linha e por isso soube/quis escrever mais sobre ele, que era um vídeo na linha dos de Bo Burham e de David Foster Wallace, mas eu não consigo mais encontrar; Se você achar o vídeo que eu estou pensando diz aí.
Eu não tenho uma ligação especial com Casey Neistat, mas tenho com Nerdwriter e acho esse vídeo muito bom
  • Além disso é importante lembrar que, numa análise meio cínica, estabelecer essa ligação humana pode ser unicamente uma ferramenta retórica para ser mais convincente, se mostrar vulnerável para abaixar a guarda daquele que você quer cativar, e é certo que há aqueles que fazem isso, mas eu sinto em meu peito que Vlogbrothers, e os outros canais com que eu sinto uma coisa parecida, eu sinto que eles são genuinamente sinceros e gentis, que querem tocar e serem tocados. E tenho minhas dúvidas se uma sinceridade-ferramenta consegueria enganar tantas pessoas assim, acho que a gente notaria detalhes e acabaria, sem saber exatamente porque, não gostando ou não se atraindo pelo canal;
de novo: não tão fã de Wisecrack, mas eles são quem mais falam sobreesses temas
  • por que eu tenho a opinião que tenho sobre BoJack, de onde tirei ela (sabendo que ela pode estar errada)

Com carinho,

Deguy

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Deguy - not a gringo

Já fui gordinho e gostinho, nerd, atleta, CDF, alterno, maconheiro, otaku e produtivo. Atualmente passo a maior parte do tempo no Youtube vendo video essays.