Como escrever sem usar “por isso” em 2 passos com exemplos

Porissomaníacos do mundo, uni-vos!

Christian von Koenig
6 min readJun 29, 2018
Edição sobre imagem de yanalya e brgfx via Freepik.

Aqui eu mostrarei como se livrar do vício do “por isso”, da obsessão com “então”, do encanto pelo “portanto” e muito mais. Estas dicas são uma continuação do artigo Como criticar o trabalho de alguém — do jeito produtivo e a leitura dele pode ajudar no entendimento do assunto, já o leu?

Nele, usei meu exemplo de como lidara com a crítica ao meu antigo modo de unir frases e parágrafos em um texto. Porissomaníaco foi o termo que usei para definir a minha dependência exagerada de conjunções e expressões de ligação.

Você também é um porissomaníaco ou uma porissomaníaca? Não será mais!

Com estes truques e alguma prática, sua escrita vai deslizar feito um tobogã de azeite. O melhor de tudo é que ainda trarei no final do artigo exemplos bem práticos dos “além disso”, “porque” e afins que deixei de usar neste texto e quais foram as minhas estratégias para evitar isso.

Só espero que você me perdoe de antemão pelos palavrões que lerá no caminho, como silogismo, lógica aristotélica e, claro, um eventual p0##@ aqui e ali.

Sem mais delongas…

Passo 1: Vá direto ao ponto

A primeira coisa que você deve ter em mente para excluir ou reduzir ao máximo o “por isso” na comunicação é que, antes de mudar seu jeito de escrever, é preciso mudar seu jeito de pensar. Sem um raciocínio claro é impossível escrever com clareza.

E como funciona o nosso pensamento?

Ele funciona por meio de silogismos. Entender esse conceito é essencial para testar todas as conclusões a que você chega e às quais seu público também precisa chegar.

“O silogismo é a fórmula do raciocínio por excelência.”

Irmã Miriam Joseph

Parafraseando a definição da Irmã Miriam Joseph no livro O Trivium, o silogismo é o ato de raciocínio pelo qual a mente percebe que, de uma relação entre duas premissas que têm um termo em comum, necessariamente emergirá uma conclusão. Você inclusive já deve conhecer a fórmula:

1) Todo homem é mortal.

2) Sócrates é homem.

3) Portanto, Sócrates é mortal.

Nesse exemplo, 1 e 2 são as premissas que têm um termo em comum (homem) e 3 é a conclusão delas. É essa estrutura que precisamos desmontar para deixar a escrita mais fluida, em vez de recorrer ao “portanto”, uma conjunção conclusiva, que amarra o pensamento. Mas com ou sem nós visíveis, o raciocínio só pode ser amarrado se as duas premissas forem verdadeiras.

Ao analisar essas três etapas do silogismo você pode até identificar conclusões inválidas. Vejamos outro caso:

1) Sistema público de saúde é coisa de país comunista.

2) A candidata Y do Brasil luta por um sistema público de saúde.

3) Portanto, a candidata luta por um Brasil comunista.

Ali, 1 e 2 trazem um termo em comum (sistema público de saúde), porém a premissa 1 é falsa. Basta ver países longe de serem comunistas que oferecem tal serviço, entre eles Canadá, Austrália e Japão. Eis uma lição valiosa para quando for desmontar o silogismo e evitar o “por isso” desnecessário: partir sempre de premissas verdadeiras.

Agora transformaremos o silogismo clássico de três etapas em um entimema, ou seja, vamos abrir mão de explicar a premissa mais óbvia. E o que aconteceria se a afirmação restante fosse contestável como no esquema anterior? Por exemplo, eu poderia defender o argumento deste artigo da seguinte maneira:

Escrever “por isso” é um erro. Veja como eliminá-lo em seus textos.

Isso é um silogismo disfarçado, tendo pulado a premissa 2:

1) Escrever “por isso” é um erro.

2) Erros devem ser eliminados do texto.

3) Portanto, você deve eliminar “por isso”.

Mesmo que eu não tenha usado uma conjunção conclusiva para amarrar aquela defesa (nela pulei diretamente para “Veja como”), teria levado você a uma conclusão inválida e até a premissa 2 oculta perderia o crédito por causa da premissa 1 falsa. Vamos deixar bem claro: expressões e conjunções de ligação não são erros, mas se deve evitar o uso excessivo delas para não tornar o texto repetitivo.

Diga-me se a seguinte defesa não é melhor:

Veja como tornar o texto mais fluido para o público ao evitar o excesso de “por isso”.

Ou, de acordo com a lógica aristotélica:

1) O excesso de “por isso” torna o texto menos fluido.

2) O público prefere textos mais fluidos.

3) Portanto, você deve evitar o excesso de “por isso”.

Resumo do passo 1: Abra mão do silogismo quando o conteúdo não demandar uma linha de raciocínio com provas detalhadas, deixando algumas premissas subentendidas: Igual a todo homem, Sócrates é mortal; Todo homem é mortal, como Sócrates.

Em compensação, era bem sarado. “A Morte de Sócrates”, de Jacques-Louis David, via Wikipédia.

Passo 2: Procure novas formas de ligar o texto

Ao fazer o exercício de evitar “por isso” em seus textos, perceberá que existem muitos outros recursos para ligar as partes do conteúdo. No começo será um pouco difícil, mas com o tempo pegará a manha e verá como sua criatividade só tem a ganhar com isso. Impor limites e desafios ao escrever é uma ótima maneira de você desenvolver novas soluções de comunicação.

O único perigo de escrever sem usar expressões e conjunções conclusivas é seu texto soar como um bate-estaca, pulando de pensamento em pensamento sem descanso. Cuidado! Você ainda precisará suavizar as ligações.

Quer um exemplo?

No começo do texto, antes de entrar no passo 1, escrevi “Sem mais delongas…”. Lá, o contexto pedia uma transição entre a introdução e as dicas propriamente ditas. Tudo que fiz foi acrescentar essas três palavras, que também poderiam ter sido “vamos lá?” ou “confira a seguir”, ao invés de “portanto, vejamos as dicas”.

Quer outro?

Na frase “Isso é um silogismo disfarçado, tendo pulado a premissa 2” eu poderia ter usado um “pois” ou ter feito o bate-estaca:

Isso é um silogismo disfarçado, pois pulou a premissa 2.

Isso é um silogismo disfarçado. Pulou a premissa 2.

Em vez disso, fiz valer esse recurso tão versátil no português do Brasil que é o gerúndio. É só não abusar dele.

Resumo do passo 2: Entre reescrever frases, explorando diferentes recursos da linguagem, e procurar soluções alternativas para conduzir o público da introdução aos argumentos e até à conclusão, sua missão é suavizar as ligações a ponto de serem quase imperceptíveis. Este próprio “Resumo do passo 2” tem a função de um “Logo/Portanto/Assim sendo” sem eu precisar deixá-lo explícito.

É agora que você diz: p0##@, nem tinha percebido!

Exemplos, exemplos e mais exemplos

Vamos fechar a lição com várias situações em que este artigo poderia ter sido escrito na linguagem porissomaníaca. Se ainda ficou alguma dúvida sobre o assunto, eu estarei de olho aqui nos comentários para ajudar você. E aproveite para aliviar minha curiosidade: gostou deste texto e da maneira como o conteúdo foi apresentado?

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Texto Original: “Estas dicas são uma continuação do artigo Como criticar o trabalho de alguém — do jeito produtivo e a leitura dele pode ajudar no entendimento do assunto, já o leu?”

Linguagem Porissomaníaca: “Estas dicas são uma continuação do artigo Como criticar o trabalho de alguém — do jeito produtivo, por isso a leitura dele pode ajudar no entendimento do assunto, já o leu?”

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T.O.: “O melhor de tudo é que ainda trarei no final do artigo exemplos bem práticos…”

L.P.: “Além disso, trarei no final do artigo exemplos bem práticos…”

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T.O.: “… antes de mudar seu jeito de escrever, é preciso mudar seu jeito de pensar. Sem um raciocínio claro é impossível escrever com clareza.”

L.P.: “… antes de mudar seu jeito de escrever, é preciso mudar o seu jeito de pensar, porque sem um raciocínio claro é impossível escrever com clareza.”

Em momentos como este, esquecer o “porque” dá vigor à afirmação. Teste falar o trecho em voz alta e perceba como a pausa no ponto final acentua a importância do que vem a seguir.

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T.O.: “Ele funciona por meio de silogismos. Entender esse conceito é essencial…”

L.P.: “Ele funciona por meio de silogismos. Logo, entender esse conceito é essencial…”

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T.O.: “Ali, 1 e 2 trazem um termo em comum (sistema público de saúde), porém a premissa 1 é falsa. Basta ver países…”

L.P.: “Ali, 1 e 2 trazem um termo em comum (sistema público de saúde), porém a premissa 1 é falsa, porque países…”

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T.O.: “Eis uma lição valiosa para quando for desmontar o silogismo…”

L.P.: “Então, tiramos daí uma lição valiosa para quando for desmontar o silogismo…”

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T.O.: “… pulando de pensamento em pensamento sem descanso. Cuidado!”

L.P.: “… pulando de pensamento em pensamento sem descanso. Por isso, cuidado!”

Neste último caso, não só o “por isso” é dispensável, como evitá-lo dá mais força a “cuidado!”.

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Muito obrigado pela leitura e siga-me para aprender com novos artigos!

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Christian von Koenig

Eu vim, vi e escrevi. Autor de "Passagem para lugar nenhum" e "Acende uma fogueira para a longa noite". Também escrevo a newsletter Newslenta. @chrisvonkoenig