Carta Aberta contra a campanha Vaga Livre da AMAF

Ciclo Rotas Jacarepaguá
5 min readJul 1, 2016

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A Freguesia, assim como toda baixada de Jacarepaguá, vem sofrendo alguns anos de aumento desenfreado no número de novos empreendimentos habitacionais, desconsiderando-se qualquer estudo preliminar de impacto ambiental e de vizinhança. O resultado de tal negligência combinado com a falta de incentivo ao uso do transporte público é o aumento vertiginoso da quantidade de carros nas ruas do bairro, cujas principais vias foram concebidas num momento em que o bairro ainda tinha feições rurais e possuía pouquíssima densidade populacional. Uma vez que o aumento na quantidade de habitantes não foi acompanhado de melhoria na mobilidade urbana, gerou-se inúmeras retenções no trânsito e dificuldades de cumprir deslocamentos a qualquer hora do dia. Por esse motivo, entendemos que a luta do bairro não deve ser, focada na melhoria da locomoção daqueles que optam pelo uso do automóvel como modal de transporte, mas na melhoria de todas as formas de circulação, seja na concepção e conservação de calçadas priorizando o deslocamento dos pedestres, seja no incentivo do uso de bicicleta como modal de transporte em distâncias curtas dentro do bairro, seja no aumento da oferta de transporte público.

A atual gestão da Associação de Moradores da Freguesia, AMAF, apresentou semanas atrás a campanha “ Vaga Livre”, que propõe a criação de vagas de estacionamento em passeios públicos com parquímetros eletrônicos da prefeitura. Tal medida nada mais é que ofertar vagas de estacionamento e estimular o uso do automóvel, ou seja, priorizar a utilização do espaço público para o atendimento das demandas dos usuários de automóveis e pondo em segundo plano as demandas de uma maioria que ocupa o espaço público (usuários do transporte público, pedestres, usuários de bicicleta, cadeirantes). Os estacionamentos para automóveis condicionam comportamentos e escolhas nas cidades, já que a opção pelo carro como meio de transporte é realizada já com a avaliação adicional de onde estacionar no destino final. Essa campanha além de ser desastrosa do ponto de vista ambiental e de sustentabilidade, sustenta um posicionamento contrário àquilo que tem sido implementado mundo afora e também nas principais cidades do território nacional, sobretudo desde o implemento da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Rua Araguaia, Freguesia. (Foto: Desa Nery)

A proposta de criação de novas vagas de estacionamento contraria as diretrizes fixadas na lei citada acima, formulada e publicada no Caderno MCidades do Ministério das Cidades. Alguns dos principais princípios desta publicação são: equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; integração da política de mobilidade com a de controle e uso do solo; a priorização de projetos de transporte coletivo estruturadores do território; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes meios e serviços; entre outras. Também através desta lei federal que foi criado o PMUS, Plano de Mobilidade Urbana Sustentável do Rio de Janeiro, que vai orientar os investimentos públicos em infraestruturas de transportes da cidade por dez anos, a partir de 2016. O PMUS deverá integrar modais motorizados e não motorizados em um sistema coeso e sustentável, priorizando o transporte público, o deslocamento a pé e por bicicleta e considerando emissões de gases do efeito estufa. Ou seja, investimentos em qualquer âmbito ligado à incentivo do automóvel como modal está fora das prioridades das políticas municipais e nacionais.

Nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, 40% dos deslocamentos é feito por transportes ativos (pedestres e usuários de bicicleta), 29% por transportes coletivos, enquanto apenas 27% transporte motorizado privado. Com base nisso, é preciso repensar o modelo de cidade que queremos para nosso futuro próximo, priorizando os transportes ativos, através de incentivos aos pedestres e modos de transporte não motorizados, levando em consideração as externalidades positivas, como economia para a sociedade, redução da poluição, economia de energia e equidade na distribuição dos espaços. Uma cidade adensada, compacta, conectada com redes de transporte público e infraestrutura cicloviária, que incentiva o caminhar e desestimula o uso do automóvel.

Dentre as outras causas relevantes e prioritárias para a região, destacam-se a priorização dos pedestres com ordenação urbana, a volta das linhas de ônibus extintas e/ou reduzidas, a extensão de outros modais de transporte de massa para a região e alterações de trânsito pela CET-Rio. São diversas causas que podem ajudar Jacarepaguá a se tornar um bairro melhor.

Organizações de grande importância no estudo da mobilidade urbana em todo o mundo preconizam a utilização de iniciativas de desestímulo ao uso do transporte individual motorizado em áreas específicas das grandes cidades, que combinadas com investimentos em transporte público e modos não motorizados, configuram importante instrumento de gestão da mobilidade urbana, com potencial de contribuições significativas para a melhoria da qualidade do ar e mitigação dos gases de efeito estufa. No entanto, medidas de desestímulo ao uso do transporte individual motorizado costumam dividir as opiniões sempre que abordadas, mas não podemos andar na contramão!

Vocês sabiam que…
… o fornecimento de espaços para estacionamento não é atribuição de nenhuma das três esferas de governo (Município, Estado ou União)?
…uma pessoa sozinha a deslocar-se dentro de um automóvel ocupa 60m² do solo urbano, enquanto uma pessoa em um ônibus com uma operação ideal ocupa 9,8m²?
… que essa é a causa da grande maioria dos problemas da sociedade do automóvel (congestionamento, poluição, desumanização do espaço urbano, falta de espaço para pedestres e outras atividades, etc.)?
… que em novos empreendimentos, o espaço dedicado ao automóvel chega a ocupar 25% da área vendida?
… que apenas 19% da população utiliza o automóvel em seus deslocamentos?
… que a construção de 1km de avenida custa em média 1 milhão de reais?
… e que 80% de uma avenida é ocupada por automóveis, geralmente ocupados por uma única pessoa?

Comparativo de espaços ocupados por uma vaga de carro (ITDP)

O Rio de Janeiro já está aplicando esses princípios, à exemplo da extinção de 1500 vagas do Rio Rotativo no centro da cidade. A iniciativa é um método de desestimular o uso de automóvel na região que possui diversas linhas de transportes públicos coletivos. Outro exemplo concreto é Nova York, uma cidade mundialmente conhecida por seu trânsito caótico, está reduzindo as vagas na rua e substituindo-as por infraestrutura cicloviária, calçadas e espaço para o transporte público. O plano de Ruas Sustentáveis (Sustainable Streets) de Nova York é parte de um plano de longo prazo para combater o aquecimento global. A eficiência dos ônibus, infraestrutura cicloviária e áreas para pedestres tornam as cidades mais seguras e agradáveis e esta sim é uma luta pela qual devemos lutar. Não é preciso esperar investimentos em transporte público para entender que o uso do transporte privado deve ser revisto.

Devemos olhar para nossas ruas de hoje diferente de como olhamos há 50 anos e repensar a ocupação do espaço público para uma demanda particular, sobretudo quando esta priva a todos os demais cidadãos.

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